Como muita gente que foi criança ou adolescente no começo dos anos 90, tenho um espaço reservado no coração para Os Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya, no original).
Então, quando a Netflix e a Toei Animation anunciaram um remake do anime em computação gráfica, obviamente fiquei interessado. No entanto, embora eu aprecie a nostalgia associada à franquia, sabia que não era uma boa ideia ter altas expectativas, considerando seu histórico fraco de spin-offs e continuações.
Entendo que o mesmo não pode ser dito de grande parte dos fãs. A série, inspirada no mangá homônimo de Masami Kurumada, virou uma febre no Brasil na década de 90 e foi uma das grandes responsáveis pelo interesse por animes e por cultura japonesa que surgiu na época. Com tanto sucesso, que se repetiu em alguns países da Europa e da América Latina, é compreensível que o público que ainda acompanha a franquia espere o melhor dela.

Então como a nova produção da Netflix, Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco, lida com esta expectativa? Minha impressão é que o objetivo do remake era atrair tanto os fãs originais quanto um público mais jovem, que ainda não conhece a obra. Mas a falta de foco, entre outros problemas, resultou em uma série desinteressante e que deixa muito a desejar.
Releitura de um clássico
Para quem conhece o mangá ou o anime original, sabe mais ou menos o que esperar da história: a deusa Atena reencarna na Terra como Saori Kido para proteger a humanidade de divindades malignas. Uma conspiração, no entanto, a coloca em perigo, e um grupo de jovens Cavaleiros se une para defendê-la.
Embora a base seja a mesma, o remake toma a liberdade de alterar certos detalhes ou como alguns dos eventos acontecem. A forma como Seiya se separa de sua irmã ou a origem do protagonista são alguns exemplos. As Armaduras também não ficam mais armazenadas nas Caixas de Pandora, mas sim compactadas em medalhões — um conceito que já tinha sido explorado no filme Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário e no anime Saint Seiya Omega, onde viravam cristais.
As mudanças em si não são ruins e a maioria delas não afeta muito o curso da história geral da série. No entanto algumas, por serem mal executadas, alteram fundamentalmente o fluxo da trama — para pior.
Nesta versão é explicado que uma profecia prevê a destruição da humanidade nas mãos desta reencarnação de Atena. Por isso o Grande Mestre e o Santuário, que originalmente deveriam protegê-la, decidem matar Saori ainda bebê. Quando ela é encontrada por Mitsumasa Kido, ele não está sozinho. Desta vez, ele está acompanhado de seu amigo e sócio Vander Guraad, um personagem inédito do remake.

Por acreditar na profecia, Guraad cria os Cavaleiros Negros. No anime original, eles eram exatamente iguais aos protagonistas (sem explicação), mas malignos, o que já era uma ideia bem tosca. Aqui eles foram substituídos por um exército de soldados genéricos sem poder que usam armaduras tecnológicas. Sinceramente, não sei o que é pior.
Até que essa mudança não seria tão ruim, se Guraad e seus Cavaleiros Negros não fossem os principais antagonistas da primeira temporada. Por algum motivo, decidiram focar neste vilão inédito e sem graça, praticamente deixando de lado a ameaça do Santuário.
A batalha contra os Cavaleiros de Prata, por exemplo, é apressada e perde a importância, sendo quase irrelevante para a trama. Mas, por algum motivo, acharam uma boa ideia dedicar um tempo considerável para mostrar os protagonistas enfrentando tanques, helicópteros e soldados genéricos.

Esta falta de foco é um dos piores problemas no remake. Como eu disse anteriormente, as mudanças da história não são ruins, mas a execução delas é. Parece que quiseram inovar na trama, mas acabaram perdendo a mão. O resultado é uma série que se arrasta pela sua primeira temporada, mesmo tendo apenas 12 episódios. Mas estes estão longe de serem seus únicos defeitos.
Meteoro de problemas
Quero muito falar sobre o fato de Shun ser uma mulher. Normalmente eu apoiaria essa decisão, mas sinto que foi uma escolha preguiçosa da produção. O personagem foi selecionado apenas porque sua versão original era delicada e afeminada. Para mim, é justamente por isso que ele deveria ter continuado igual. O impacto da representatividade seria muito maior se qualquer um dos outros quatro principais tivesse mudado de gênero — talvez o Ikki, já que ele é frequentemente considerado o mais poderoso dos Cavaleiros de Bronze.

Isso me incomodou, claro, mas Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco tem outros problemas muito mais fundamentais. A própria animação deixa a desejar e muitas vezes me parece preguiçosa, com cenas reutilizadas em diversos momentos. O anime original fazia o mesmo, então dá para dizer que isso acontece por causa da nostalgia, mas não deixa de ser uma desculpa esfarrapada.
Em uma série de ação, a animação costuma ser essencial para manter o interesse do espectador. Aqui, no entanto, as lutas não são nada empolgantes. Pelo contrário, são genéricas e bastante chatas de assistir.
E por falar em combates, não espere muita variedade. Fãs costumam brincar, dizendo que o grande poder de Seiya no anime original era ser o personagem principal, mas aqui seu protagonismo está pior do que nunca. Ele é praticamente o único dos cinco Cavaleiros de Bronze que tem lutas importantes. Na maior parte do tempo, os outros apenas participam de batalhas insignificantes.
Mas nem tudo na parte visual é um problema. Se existe algo que merece o elogio, é a aparência das armaduras dos Cavaleiros, que são cheias de detalhes interessantes. Desta vez, o design delas foi pensado para funcionarem mais parecidas com armaduras de verdade, com articulações nos locais certos. Além disso, a roupa que fica por baixo agora é parte delas, com um tecido especial.
Ao mesmo tempo, os trajes conseguem se manter bastante fieis aos conceitos originais. Também gosto de como eles ficam arranhados e sujos durante o combate, embora só tenham duas texturas: completamente limpos ou totalmente detonados, logo depois de levarem primeiro golpe.

De qualquer forma, por mais legais que as armaduras sejam, elas não salvam Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco, que também acabou prejudicada com uma péssima apresentação da própria Netflix. Para começar, a animação foi dividida em duas partes, sendo que a segunda foi lançada seis meses depois da primeira. Os fãs tiveram que esperar esse tempo todo, achando que começaria um arco novo, focado nos Cavaleiros de Prata e no Santuário, para continuarem vendo a mesma ladainha de Guraad e dos Cavaleiros Negros.
Além disso, me incomodou que a primeira parte não tinha o idioma japonês e a opção só chegou com a segunda. Sei que sou minoria por não querer assistir dublado em português, mas achei a versão brasileira bem fraca.
É legal demais que grande parte das vozes originais estejam lá, mas senti que elas estão muito artificiais. A impressão que passa é que tentaram dar um ar descolado para o trabalho, nos moldes de Yu Yu Hakusho e One Punch Man, mas falharam miseravelmente, resultando em algo cheio de gírias forçadas e diálogos que dão vergonha alheia.
Cosmo fraco
Talvez a série da Netflix até consiga atrair um público novo, que não seja familiar com a obra original, mas como releitura de Os Cavaleiros do Zodíaco, ela é bastante fraca e cheia de defeitos. Não digo isso apenas como fã da franquia, mas também como alguém que simplesmente queria assistir algo interessante.
A apresentação ruim, as escolhas duvidosas e a entediante história, entre outros problemas menores, atrapalham o que tinha potencial para ser uma versão mais leve e divertida de um clássico. Ainda acho que os fãs deveriam conferir o remake por curiosidade, talvez junto de seus filhos ou sobrinhos, mas apenas tenham em mente que Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco está muito longe de alcançar o sétimo sentido.