O silêncio tem sido uma ferramenta poderosa no cinema. Imposto pelas limitações técnicas da época, ele ajudou a desenvolver a narrativa puramente visual nos primórdios da sétima arte, a partir do final do século 19. Já com o advento das películas sonoras, em 1927, passou a ser explorado por diretores criativos para obter efeitos específicos.
Sequências sem diálogos podem servir, por exemplo, para desenvolver personagens de modo sucinto, como no início de WALL-E (2008), de Andrew Stanton; para reforçar a sensação de isolamento, como em uma boa porção de Gravidade (2013), de Alfonso Cuarón; ou para criar expectativa, como no impasse mexicano em Três Homens em Conflito (1966), de Sergio Leone. Mais rara, a completa ausência de som tem impacto ainda maior — e, na maioria das vezes, amplifica um momento dramático, como o colapso do protagonista na abertura de O Resgate do Soldado Ryan (1998), de Steven Spielberg.
Tudo isso está presente em Um Lugar Silencioso. A premissa é simples: uma família luta para sobreviver em um mundo invadido por monstros com audição hiperdesenvolvida. No entanto, mais importante do que a história em si é a maneira pela qual ela é contada. Além de interpretar Lee, o pai, e de assinar o roteiro ao lado de Bryan Woods e Scott Beck, o ator John Krasinski ocupa a cadeira de diretor pela segunda vez em sua carreira — a primeira havia sido na comédia Família Hollar (2016). A pouca experiência não se faz sentir em momento algum. Krasinski se aventura com segurança e propriedade pelas convenções do suspense em seu novo longa-metragem.
Uma das decisões mais acertadas é a de jogar o espectador no meio da ação logo de cara. Todo o contexto necessário é oferecido sem recorrer a exposições didáticas, valendo-se apenas de elementos visuais. O cenário apocalíptico é estabelecido por cenas da cidade deserta e manchetes de jornal, enquanto as razões que levaram aquele grupo específico a permanecer vivo são sugeridas pelas estratégias transformadas em hábitos, como andar descalço somente por trilhas preestabelecidas e se comunicar por linguagem de sinais. Do mesmo modo, a sequência inicial já introduz toda a dinâmica familiar: o pai, líder e protetor; Evelyn (Emily Blunt), a mãe amorosa e dedicada; Regan (Millicent Simmonds), a adolescente rebelde que possui deficiência auditiva; e Marcus (Noah Jupe), o garoto frágil.
A partir daí, o filme aposta tanto nos sustos fáceis, com aparições e estalos repentinos, quanto no suspense cuidadosamente elaborado por meio da antecipação, como o close demorado em um objeto que fatalmente resultará em problemas mais tarde ou o encontro inesperado e os gestos que procuram impedir o grito iminente.
Aliás, de modo inteligente, o roteiro explora os contrastes entre silêncio e barulho. O som é, na maior parte do tempo, apresentado como elemento perigoso — um brinquedo ligado, objetos que caem, estrondos no telhado. Em determinados instantes, todavia, ele representa liberdade — uma música nos fones de ouvido, uma conversa protegida pelo ruído de uma cachoeira. Significativamente, a primeira vez em que se escuta uma voz humana é quando Evelyn precisa confortar o filho e, além de gesticular, ela se atreve a sussurrar — e nessa ocasião, o som é um alento e tanto.
Em contraposição, o silêncio, normalmente visto como sinônimo de segurança, também traz conotações negativas. Há dois momentos-chave em que o áudio é cortado totalmente, e ambos oferecem ao espectador uma perspectiva de Regan — o primeiro representa a sensação de abandono da garota, enquanto o segundo ilustra uma situação em que ela se encontra vulnerável. Em um sentido mais amplo, o silêncio acaba se revelando uma ameaça ainda maior que os monstros. Afinal, é a não verbalização de alguns sentimentos que coloca em risco a unidade familiar
Esse é o maior trunfo do longa: sob a estrutura de um suspense competente, está a base bem construída de um drama de personagens. Um Lugar Silencioso pode falar pouco, mas diz muito nas entrelinhas.