The Flash é muita coisa ao mesmo tempo. Anunciado há quase dez anos, esse é o primeiro longa solo de um dos maiores heróis do Universo DC, mas vai além disso. Filme-evento sobre multiverso, adaptação de uma HQ consagrada, ponto de retorno de um dos grandes heróis das telonas: é grande a ambição da produção. E tal aspiração é tanto a força quanto o maior defeito do filme.
Após ser apresentado em Batman vs. Superman (2016) e fazer aparições especiais em vários filmes e séries, incluindo as duas versões de Liga da Justiça (2017 e 2021), Barry Allen (Ezra Miller) finalmente ganhou um longa para chamar de seu. Inspirada na famosa HQ Ponto de Ignição (Flashpoint, no original), a história mostra o herói voltando ao passado para impedir a morte da própria mãe (Maribel Verdú), fato que colocou seu pai inocente (Ron Livingston) na cadeia.
Não estranhe se essa premissa parecer familiar, já que a essa altura o filme é a terceira adaptação de Flashpoint – que já foi vista em animação e série de TV. Para que a nova versão se destaque das demais, a roteirista Christina Hodson (Aves de Rapina) decidiu focar no arco de seu protagonista em vez de na realidade alternativa causada por ele. E, apesar de brincar com viagem no tempo e multiverso, é a evolução de Barry Allen que leva a história adiante.
Consciente de que explorar novos universos nunca esteve em maior evidência na cultura pop, o texto não se deixa seduzir pelas infinitas possibilidades desse tipo de história. Pelo contrário, a narrativa parece preocupada em amarrar cada fio a um passo importante para a jornada do herói.
A trama busca atalhos que economizam tempo e servem à proposta principal, enquanto foge dos clichês das origens de super-heróis – o que consegue até certo ponto. Uma deixa que a direção de Andy Muschietti (It: A Coisa) aproveita logo nos primeiros minutos, com uma sequência inicial que estabelece não apenas os poderes do Flash, mas também sua personalidade e até uma prévia de seus defeitos.
Aliás, o cineasta fez um belo trabalho em traduzir visualmente alguns dos dons menos óbvios do Flash. Ser rápido é apenas o ponto de partida para as habilidades que o personagem desenvolveu ao longo dos anos, e a produção brilha ao usar esses talentos tanto para a ação quanto para a comédia. Acontece que ambos os lados encontram problemas no caminho.
Na parte do humor, nem todas as piadas funcionam, e a forma como o filme insiste em repetir algumas delas pode afastar o espectador que não se conectar com esse tipo de comédia. Já as sequências de ação sofrem com uma computação gráfica que oscila em qualidade e que, em seus piores momentos, fica aquém do espetáculo visual planejado pela direção. É curioso fazer essa constatação após assistir a uma versão não finalizada e perceber no corte final que alguns dos momentos mais gritantes foram mantidos.
Ainda assim, esses problemas não roubam o brilho de The Flash, que equilibra uma jornada intimista de seu protagonista com uma viagem por outros universos da DC.
(Ah, é, eu esqueci de falar do multiverso. Vamos começar de novo.)
The Flash é muita coisa ao mesmo tempo. Anunciado há quase dez anos, esse é o primeiro longa solo de um dos maiores heróis do Universo DC, mas vai além disso. A produção chegou aos cinemas com a responsabilidade de desbravar o multiverso da editora em uma grande celebração à história cinematográfica desses personagens.
Para que a nova versão de Flashpoint se destaque das demais – pois a história já foi vista em animação e série de TV –, a roteirista Christina Hodson (Aves de Rapina) construiu um universo paralelo inspirado por longas anteriores da DC. Em vez de um mundo apocalíptico destruído por versões alternativas dos próprios heróis da casa, o Barry Allen do filme vai parar numa Terra alternativa em que o Superman não existe e o Batman é a versão de Michael Keaton mostrada em clássicos como Batman (1989) e Batman: O Retorno (1992).
Descritas na sinopse, essas são apenas algumas das várias surpresas que o longa espalhou para homenagear a herança que carrega. Uma deixa que a direção de Andy Muschietti (It: A Coisa) aproveita não apenas para reviver alguns dos pontos altos desses personagens nas telonas, como também para concretizar momentos inéditos até então.
Porém o grande trunfo dos envolvidos é dosar a paixão pela nostalgia e nunca deixar que ela atrapalhe o andamento da história. O cineasta sabe como uma revisita à Batcaverna de Keaton ao som do icônico tema do personagem pode afetar os fãs mais apaixonados, mas nunca deixa que o famigerado fan service se torne um problema.
A maior prova de que essa dosagem é bem feita está no quanto a participação de Michael Keaton está ligada à apresentação da Supergirl (Sasha Calle). Figura inédita até aqui, a jovem desempenha um papel intuitivo para uma kryptoniana neste universo e afeta os rumos da produção mesmo com um desenvolvimento enxuto. Ao lado do veterano e da novata, a jornada do Flash aborda o multiverso nos próprios termos e amarra o passado nas HQs e em outros filmes, para manter a história avançando. Como dito anteriormente, o foco está no velocista e em sua jornada.
Com isso, a produção poderia chegar ao fim como a aventura pipocão que nasceu para ser. Isso se não fosse toda a expectativa criada em torno da possibilidade de marcar o renascimento da DC nos cinemas.
(Cheguei aqui sem falar da falência do universo compartilhado da DC no cinema, então vamos de novo. Pela última vez, eu juro.)
The Flash é muita coisa ao mesmo tempo. Anunciado há quase dez anos, esse é o primeiro longa solo de um dos maiores heróis do Universo DC, mas vai além disso. Lançado após diversas trocas de chefia na Warner/DC, o longa veio acompanhado pela expectativa de marcar o reinício desta franquia que não se encontrou enquanto universo compartilhado.
Alimentada por primeiras reações emocionadas, essa expectativa pode ser o calcanhar de Aquiles dos que vão aos cinemas esperando por um filme-evento revolucionário. Uma frustração que pode ficar evidente no terceiro ato, quando The Flash perde a elogiada habilidade de evitar clichês do gênero e mergulha neles, tomando caminhos fáceis para resolver os conflitos que armou até ali. Um problema que evidencia o quanto questões de bastidores prejudicaram a produção.
Não bastasse a constante troca de roteiristas e diretores, durante a produção do filme houve uma grande dança das cadeiras no estúdio, que só chegou ao fim um ano após a conclusão das gravações. Isso não impediu que o longa fosse afetado, já que cada novo desdobramento ditou o que poderia estar ou não no corte final – incluindo aparições especiais e além.
Esse contexto ajuda a entender os problemas na montagem de The Flash, que por vezes faz cortes bruscos, que avançam a trama de forma apressada. Ajuda a entender também por que o desfecho tomou as tais saídas fáceis, que funcionam bem ao amarrar as pontas deixadas pela história no campo explicativo, mas que não têm a mesma capacidade de surpreender e impactar como o filme havia feito até ali.
Todas essas questões são comuns a qualquer blockbuster, e o fã de super-heróis está mais do que acostumado a perdoá-las em nome de uma boa experiência. Porém, com a expectativa de marcar um novo capítulo no universo DC – como a Flashpoint fez ao criar um reinício completo nas HQs e nas animações –, essas falhas podem se tornar mais graves a quem esperava por algo tão grandioso.
E talvez seja esse o ponto que torna The Flash um verdadeiro paradoxo, capaz de extrair tanto amor quanto ódio de quem assiste. Ao propor ser muita coisa ao mesmo tempo, a produção faz o que pode para equilibrar o máximo de pratos possíveis e deixa cair alguns pelo caminho. Porém há diversão e emoção suficientes para marcar esse como um dos grandes filmes do universo conectado. Mesmo não sendo a prometida luz no fim do túnel, ao menos é uma aventura digna de um dos maiores heróis da DC.