O horror foi responsável por grandes avanços na tecnologia e linguagem dos games, mas isso não impediu o gênero de cair em estagnação durante a segunda década dos anos 2000. No período, grandes franquias de terror foram saturadas quando estúdios passaram a pender mais para o lado da ação, frustrando os jogadores. Por anos, foram os indies que ofereceram bons sustos e arrepios para os entusiastas, salvo por um ocasional The Last of Us ou The Evil Within.
Há uma retomada recente do horror blockbuster, encabeçada pelos excelentes remakes e continuações de Resident Evil, mas a tendência ainda não resultou em uma leva de grandes franquias inéditas. The Callisto Protocol, desenvolvido por um estúdio de veteranos dos Triple A, prometia ser o início desta nova era - mas, infelizmente, não aprendeu o bastante com o passado, e nem entra de cabeça no futuro.
Ode ao Marcador

A obra que inaugura o portfólio da Striking Distance Studios é, essencialmente, um sucessor espiritual de Dead Space. O projeto, inclusive, é comandado por Glen Schofield, que trabalhou nas desventuras de Isaac Clarke na falecida Visceral Games.
Assim como na saga, aqui uma pessoa comum se vê atormentada por conspirações e criaturas horrendas, e precisa aprender a lutar com tudo ao seu redor. No caso, a trama acompanha Jacob Lee (Josh Duhamel), um piloto mercenário que sofre um acidente de nave na lua morta de Júpiter. Estranhamente, ele é mandado para a prisão de segurança máxima Black Iron sem maiores explicações. Quando um surto de monstros toma conta do local, Jacob passa a suspeitar que não foi preso por um erro ou coincidência.
É praticamente impossível dissociar o jogo inédito da antiga trilogia publicada pela EA Games, visto que toda decisão - do design ao marketing - foi tomada em prol de criar a imagem de um “novo Dead Space”. Honestamente, isso não é algo ruim, ainda mais quando o último título da franquia foi lançado há quase uma década. O problema é o nível de entendimento que o jogo inédito tem da obra que está homenageando.
Callisto Protocol acerta em elementos fundamentais, como a construção da tensão, ambientes macabros e o combate sufocante, mas nunca dá a devida profundidade que a Visceral Games colocou em sua trilogia. Isso não quer dizer que o game não tenha seus méritos, mas sim que são poucos os acertos de que não vêm acompanhados de um “porém”.
A atmosfera do game é, facilmente, seu ponto mais alto. Cada ambiente da Black Iron é sufocante, com corredores industriais que exalam umidade, trevas e insegurança. Junte isso com um visual de ponta, técnicas avançadas de iluminação, e um design de som excelente, que frequentemente brinca com a presença de criaturas ao seu redor, e o resultado é uma experiência angustiante. Transitar por esse mundo já é o suficiente para deixar qualquer um arrepiado, mas o jogo raramente consegue ir além desse desconforto.
A forma como utiliza os aspectos mais barulhentos do horror é precária, repleta de sustos mal construídos e sem nenhum tipo de timing. Sem conseguir consumar a sensação de medo, chega até a apelar incansavelmente para quick time events de ataques de monstros que ‘comem’ um pedaço dos seus pontos de vida mas não podem ser desviados. Medir terror pela quantidade de sustos ou de medo é um mecanismo duvidoso e impreciso, mas pense em termos de comédia: é como se fosse repleto de situações divertidas, mas sem nunca conseguir acertar uma piada realmente hilária.
Entre tapas e tiros

O combate talvez seja o ponto mais controverso da experiência. Na mesma lógica de Dead Space, Callisto Protocol quer tirar a sensação de “conforto” que jogadores sentem com armas em suas mãos. Todo equipamento é impreciso, precário e com falhas óbvias, especialmente contra grupos de inimigos. Pior ainda, Jacob ataca de forma lenta e pesada, assim como sua movimentação. Tudo isso é intencional, e excelente.
Encontrar um inimigo é sempre uma experiência miserável, do jeito que deveria ser em um survival horror. Não é possível evitar confrontos, e sim se planejar para que sejam rápidos e econômicos em recursos. Para isso, Jacob pode usar de poderosos ataques furtivos, ou então dos vários perigos industriais espalhados pelo cenário. Ao fazer com que o jogador sinta o peso de cada combate, de cada recurso gasto antes da hora, e de cada ponto de vida perdido à toa, as mecânicas lembram mais The Last of Us do que Dead Space.
O “porém” aqui é a repetição, com combates que se tornam cansativos rapidamente, e também o péssimo sistema de esquivas. Com o analógico de movimento, é possível desviar de ataques, mas tudo que o jogador precisa fazer é se colocar para a esquerda ou direita (e alternar para a direção contrária para seguir desviando). O sistema é simplista e pouco desafiador, de forma que é fácil se esquivar por acidente - afinal, se usa o analógico em questão para movimentação, então não é incomum estar andando para o lado e pular fora de um ataque sem nem perceber.
Colocar inimigos em combos com porradas, tiros, esquivas e bloqueios é bastante satisfatório, e jogá-los contra paredes cheias de espinhos ou ventoinhas enormes é ainda mais. Todas as peças para combates memoráveis estão aqui, mas falta variedade nas criaturas ou pelo menos nas situações. A sensação de desafio dos confrontos passa rápido, especialmente quando surgem monstros fáceis de serem mortos com furtividade. Estar confortável na luta contra o mal é contraproducente em um jogo de terror.
Vitória dos pensamentos intrusivos

Curiosamente, o game mostra mais talento para a ação. Os momentos mais barulhentos costumam ser os mais empolgantes, como quando Jacob é arrastado pelas águas sujas do esgoto, tendo que desviar de obstáculos em alta velocidade, ou então quando se vê arremessado para andares abandonados de uma nave após uma grande reviravolta. Nada é exatamente original, mas tudo tem o senso de grandiosidade explosiva que uma boa aventura pede.
De tudo que o título tenta imitar de sua homenagem, talvez tenha superado apenas o humor sádico da trilogia original. Muito foi falado sobre as mortes violentas que Jacob pode sofrer, e não é brincadeira. Em um favorito, um monstro simplesmente enfia as mãos na boca do protagonista e abre até explodir sua cabeça. Em outra, seu braço é arrancado à força. O coitado pode até ser pisoteado até ficar com a testa amassada - tudo em detalhes nojentos, mas exagerados o bastante para não ofender (muito). Na real, dá até vontade de deixar os pensamentos intrusivos vencerem e fazer com que Jacob morra de propósito só para ver o quão brutais são as animações.
Isso é representativo de um fato incontestável: há habilidade real no estúdio. Para um primeiro jogo, é impressionante em suas animações altamente detalhadas, no elenco de peso que reúne, no excelente design sonoro que ajuda a definir a atmosfera. É uma pena que todo esse esforço - que, inclusive, é marcado por horas extras não-remuneradas (crunch) - tenha sido usado em um projeto cujo propósito é se aproveitar da essência de um clássico.
No fim das contas, Callisto Protocol é um jogo de muitos talentos, com um combate angustiante, atmosfera aterrorizante e bons momentos de ação. Seu maior problema é tentar emular Dead Space, não só a nível de marketing, como também em design. Não seria de todo ruim uma franquia que desse continuidade a sua abordagem claustrofóbica, solitária e amedrontadora, mas o game fica preso no limbo: não tão bom quanto o original, mas também não tem nada realmente próprio para justificar existir fora das comparações.
Talvez Callisto Protocol seja mais uma vítima do hype, e com certeza a performance lamentável da versão de lançamento não ajuda nessa percepção inicial. Infelizmente, essa primeira impressão é muito pautada pela intenção dos criadores, que sempre assumiram a homenagem e prometeram uma evolução. O jogo não acerta em nenhum desses objetivos, mas ainda oferece uma experiência decente para entusiastas de horror e ação. Com o tempo, o jogo pode sim ser apreciado pelo o que é - mas, mesmo por baixo de toda a panfletagem, ainda está algo desconjuntado e sem muita personalidade própria.
The Callisto Protocol está disponível para Xbox One, PlayStation 4, Xbox Series X | S, PC e PlayStation 5. A review foi feita com base na versão de Xbox Series X, com Modo Performance ativo, através de código fornecido pela publicadora.