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Mulher-Hulk: Defensora de Heróis | Crítica
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Mulher-Hulk: Defensora de Heróis | Crítica

Série da Marvel desafia amarras do MCU em enredo surpreendente e metalinguístico

Gabriel Avila
Gabriel Avila
13.out.22 às 16h01
Atualizado há mais de 2 anos
Mulher-Hulk: Defensora de Heróis | Crítica

Mulher-Hulk: Defensora de Heróis é um projeto, ao mesmo tempo, despretensioso e ousado. Essas duas características, que não costumam andar juntas, tornam a nova série da Marvel um paradoxo que esconde camadas em uma fachada de simplicidade.

Desde o episódio de estreia, a produção jogou honesto com o público ao contar a origem da Mulher-Hulk, um novo rosto dentro do MCU, em uma comédia descompromissada com toques de metalinguagem. Semanalmente, o seriado brincou com essa dinâmica ao desenvolver a protagonista enquanto expandia o universo que a cerca sem o fardo da promessa de mudar tudo.

Essa abordagem foi posta à prova no último episódio da temporada, que finalmente colocou todas as cartas na mesa. Lançado nesta quinta-feira (13), o capítulo final usa suas armas para mostrar que é possível esconder uma das joias dessa franquia por trás da fachada de simplicidade de uma comédia de advocacia.

[A partir daqui, spoilers do final de Mulher-Hulk]

O nono episódio de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis mostra as consequências da destruição que a protagonista causou ao ser exposta pelos membros do fórum Inteligência. Mesmo com um motivo tão plausível quanto ter seus dados e um vídeo íntimo expostos, ela acabou presa, demitida e condenada a usar um inibidor de poderes para voltar à sociedade.

Em mais um ponto baixo da vida, Jennifer Walters (Tatiana Maslany) busca refúgio no retiro espiritual de Emil Blonsky (Tim Roth). Por coincidência – ou uma mãozinha do roteiro –, ela vai lá justamente no dia em que o local foi alugado pela Inteligência para uma reunião de seus membros.

Ao cruzar o caminho dos vilões, tudo acontece. Ela descobre que o riquinho babaca Todd (Jon Bass) é o líder do fórum de ressentidos e que ele conseguiu roubar uma amostra de seu sangue para também virar um Hulk. Blonsky desliga o inibidor de poderes e vira o Abominável; o Hulk (Bruce Banner) volta do espaço; Titânia (Jameela Jamil) ressurge do nada para lutar de novo, e por aí vai.

Essa bagunça, comum a alguns finais de série da Marvel, é interrompida pela própria protagonista. Insatisfeita com os rumos da produção, ela decide tomar as rédeas do próprio destino e quebra a quarta parede de forma quase literal: a heroína destrói a barreira do Disney+ e vai até a sala de roteiristas exigir por um desfecho melhor.

Hulk versus o mundo (real)

Mulher-Hulk destruindo plataforma do Disney+ Mulher-Hulk destruindo plataforma do Disney+

Na teoria literária, um dos tipos de conflitos mais comuns nas histórias é o de “personagem contra personagem”, em que o protagonista precisa superar um antagonista para atingir seus objetivos. É uma estrutura básica que permeia grande parte das histórias que consumimos, mas que domina o gênero de super-heróis, em que normalmente o mocinho precisa vencer um vilão para salvar o dia.

No último episódio da temporada, Mulher-Hulk: Defensora de Heróis abre mão desse tipo de história e foca quase exclusivamente em “personagem contra destino” que, como o nome diz, mostra o protagonista fazendo tudo ao seu alcance para fugir da direção que lhe foi estipulada. Uma decisão ousada, mas que se torna divertida pela forma como a equipe arquitetou e executou.

Em primeiro lugar, a produção aproveita a quebra da quarta parede, presente desde o início, para fazer a heroína questionar os criadores da série diretamente. Mais do que sacadinhas divertidas, como a destruição da janela do Disney+ e um passeio pelo complexo do estúdio no mundo real, o momento é aproveitado para colocar o dedo em certas feridas da produção e do MCU como um todo.

Mulher-Hulk questiona roteiristas de sua série Mulher-Hulk questiona roteiristas de... Mulher-Hulk: Defensora de Heróis

Por mais que Jen esteja reclamando da própria história, é fácil para o público se identificar com as questões. Ano após ano a audiência é bombardeada com produções carregadas de clichês, que vão desde finais que buscam ameaças capazes de destruir o mundo, até lutas contra vilões que têm os mesmos poderes e habilidades dos heróis (como visto em Hulk e Abominável).

Porém, ao invés de usar o momento para justificar e arranjar desculpas, os roteiristas (reais) aproveitam a oportunidade para rir de si mesmos e ainda levar a história ao passo adiante. Mais do que Titânia, HulkRei ou Abominável, o verdadeiro vilão final de Mulher-Hulk é ninguém menos do que Kevin Feige, o chefão da Marvel. Ou quase isso.

Precisamos falar com o K.E.V.I.N.

Mesmo sem fazer parte do cânone dos estudos, há quem defenda que a literatura conta também com o conflito “personagem versus autor”. No grande clímax da temporada, Mulher-Hulk toma esse caminho ao fazer a verdona confrontar os superiores dos roteiristas: o K.E.V.I.N.

Clara referência a Kevin Feige, o chefão da Marvel, a máquina é a inteligência artificial que toma as decisões a respeito dos rumos dos filmes e séries do Marvel Studios no “mundo real” que a heroína invadiu para mudar sua história. Com ele, Jen tem um conflito que foge da porradaria apressada e usa a metalinguagem como arma.

Mulher-Hulk encara o K.E.V.I.N. do Marvel Studios Mulher-Hulk encara o K.E.V.I.N. do Marvel Studios

A heroína tem a chance de (metaforicamente) jogar na cara do todo poderoso criador que as produções do MCU variam de qualidade graças ao comodismo de se apoiar em uma montanha de clichês. É claro que a produção faz isso de forma cautelosa e até elogiosa para não ofender o público, os artistas responsáveis pelas outras obras e, principalmente, a empresa que paga as contas.

Porém, isso traz para o debate questões que só poderiam ser feitas por alguém que quebra a parede e ultrapassa a barreira da ficção. Não chega a ser inédito (Homem-Animal de Grant Morrison fez isso mais de 30 anos atrás nas HQs), mas é um respiro de novas ideias que faz muito bem à série, ao universo em que ela se encaixa e até ao gênero de super-heróis como um todo.

Dessa forma, a série escapa da armadilha de ter um final que é forçadamente megalomaníaco. Claro que isso não apaga a cota de problemas da produção, tanto em quesito de ritmo, quanto de narrativa. Os enredos paralelos são resolvidos apressadamente e alguns deles ficam até meio perdidos pelo caminho – em especial Titânia, com sua falta de personalidade ou motivação.

Uma prova que, mesmo sendo corajosa e ousada, a série ainda está dentro do grande ecossistema de filmes e séries da Marvel. Mas não me entenda mal, o gosto passa longe de ser amargo. Citações a X-Men, um almoço com o Demolidor (Charlie Cox) e até a curiosidade deixada por ganchos como o retorno do Hulk com o filho Skaar e um possível filme da Mulher-Hulk, não tiram o brilho da produção. Pelo contrário, esses pontos mostram que é possível fazer algo novo mesmo dentro de fórmulas e regras que foram impostas ao longo desses quase 15 anos de MCU.

Hulk apresenta o filho Skaar em Mulher-Hulk: Defensora de Heróis Hulk apresenta o filho Skaar em Mulher-Hulk: Defensora de Heróis

Que bom seria morar nesse universo em que o grande algoritmo responsável pelas infinitas produções que consumimos pudesse ser confrontado com o desgaste de suas ideias e ainda aprender com isso. A própria série da Mulher-Hulk poderia se beneficiar de um refinamento maior, já que o já citado descompromisso e autoindulgência não passam de desculpas para a entrega de uma produção pouco polida. Resta torcer para que o Kevin do mundo real (aquele do boné), e toda a equipe que o cerca, se inspire na ficção e afrouxe mais sua fórmula em favor da criatividade.

Você vai querer me ver com raiva

Esse finale tocou em tantos pontos que a belíssima homenagem na abertura do episódio final quase ficou de fora do texto. Os minutos iniciais do capítulo final de Mulher-Hulk recriam a introdução de O Incrível Hulk, série exibida entre 1977 e 1982 nos EUA. É possível dizer, sem exageros, que essa foi uma das produções responsáveis por catapultar a popularidade do Hulk (e da Marvel) no passado.

É um aceno carinhoso ao passado que vai além do fanservice. Um lembrete que a marca que os Hulks deixaram na cultura pop deve muito à televisão e hoje retorna no streaming, justamente uma espécie de evolução na forma de produzir (e consumir) conteúdo. Nada mal para uma série que se vendeu como uma simples comédia de tribunal.

Abertura de O Incrível Hulk recriada em Mulher-Hulk Abertura de O Incrível Hulk recriada em Mulher-Hulk

A primeira (e por enquanto única) temporada de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis está disponível para streaming no Disney+.

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