Desde a popularização da franquia Yakuza, grande parte graças ao Xbox Game Pass e aos últimos lançamentos do Ryu Ga Gotoku Studio, Kazuma Kiryu se tornou um ícone pop dos videogames no mundo todo.
E agora, com Like a Dragon: Ishin, temos a prova máxima de que os fãs da franquia fora do Japão têm a atenção da SEGA.
Importância

Like a Dragon: Ishin é o primeiro derivado jidaigeki (nomenclatura utilizada para denotar obras de época japonesas) do Ryu ga Gotoku Studio lançado para em diversos países. Há quem lembre de Ryu ga Gotoku: Kenzan!, história focada na vida de Miyamoto Musashi, game que nunca deu as caras por aqui.
Pode parecer bizarro mas, no passado, a SEGA achava que a franquia não causava tanta curiosidade em locais mais afastados. Tanto que os jogos de PSP nunca foram lançados nesta região, da mesma forma que a versão original de Yakuza 3 (PS3) também passou por alguns cortes na época.
Provavelmente ninguém esperava que Ishin fosse lançado por aqui, ainda mais depois de tanto tempo. Mas ele chegou, numa versão remasterizada (com gráficos atualizados) e algumas mudanças de elenco.
Gameplay burocrático

Like a Dragon é um típico JRPG de ação com muita coisa para se fazer no mapa. Da evolução das habilidades de combate do personagem, até a coleta de materiais para criação de itens, minigames, histórias paralelas e, claro, o desenvolvimento da trama principal, tudo prende o jogador facilmente por algumas dezenas de horas.
E isso já é algo esperado de um Like a Dragon, seja ele novo ou das antigas. A principal questão aqui é que o gameplay no geral é um tanto burocrático, talvez menos rebuscado que os últimos títulos lançados por aqui, e explico a razão. Mesmo sendo a grande novidade do mercado, Ishin é um jogo de 2014, e não passou por um processo de rebalanceamento de gameplay (como houve em Kiwami 2, por exemplo).
Isso é ruim? Depende. Não vai estragar a sua experiência, mas você com certeza vai notar uma diferença. Vai atrapalhar a sua diversão? Talvez um pouquinho, principalmente com as pausas abusivas na coleta de itens ou alguns carregamentos de áreas ou missões paralelas. Esse é um design antigo de jogo que não é mais utilizado hoje em dia, mas não passou por uma reformulação na nova entrega do game, infelizmente.
O combate também sofre. Mesmo variando entre os quatro estilos (Swordsman, Gunman, Wild Dancer e Brawler), as lutas demoram, são repetitivas e o sistema de travar no adversário se perde na multidão. Depois de experimentar o estilo boxeador de Yakuza 0, ou mesmo o Brawler, fica difícil se sentir confortável aqui.

Uma novidade do game se dá com os Trooper Cards, uma espécie de boost nas habilidades de Sakamoto. Elas podem ser equipadas em cada um dos quatro estilos de luta disponíveis. As cartas são adquiridas no decorrer do game, e algumas personalidades famosas foram convidadas para integrar o elenco, como o lutador da AEW Kenny Omega, ou a cosplayer Vampy Bitme.
Bakumatsu na cultura pop
Quem curte anime com certeza conhece o período histórico japonês conhecido como Bakumatsu – retratado, por exemplo, no passado de Kenshin Himura, em Rurouni Kenshin. Essa foi uma turbulenta era de transição no Japão, com os momentos finais de Xogunato Tokugawa, abertura dos portos e a tentativa da oposição de consagrar a monarquia, retornando o poder ao Imperador como soberano do país.
O Bakumatsu foi um período violento, cheio de conflitos internos, assassinatos e que também marcou o final da classe dos samurais. A época inspira até hoje a cultura pop em geral, e uma figura ímpar merece destaque: Ryoma Sakamoto, um dos principais líderes do movimento revolucionário contra o Xogunato.

Protagonista de novelas, filmes para o cinema e peças de teatro, Sakamoto é também o personagem principal de Like a Dragon: Ishin. Aqui ele protagoniza uma nova história, que mistura acontecimentos e personalidades reais, numa narrativa inédita e cheia de acontecimentos inesperados.
Para encontrar o assassino do seu pai de criação, Sakamoto parte numa viagem sem volta até Kyo, em busca do assassino misterioso, e a única pista é o seu estilo de luta, conhecido como Tennen Rishin. A cereja do bolo – e o que torna Ishin mais um game da família Yakuza pelo exagero – é que Ryoma precisa se infiltrar no Shinsengumi, um grupo militar de elite que serve impiedosamente ao Xogunato, historicamente conhecidos como os responsáveis pela morte do monarquista.
O Shinsengumi

Neste contexto, os haoris azuis com os triângulos brancos ostentavam o terror. O grupo responsável por manter a ordem nos últimos momentos do Xogunato Tokugawa sempre foi retratado como uma força tarefa especial, reunindo os melhores espadachins do Japão. E, em algumas histórias, os mais violentos também.
Colocando sob uma perspectiva mais pertinente ao nosso cotidiano, o Shinsengumi seria quase como a ROTA ou o BOPE. Um grupo que se diz eficiente no que faz, mas que atua como júri e carrasco, desnecessariamente brutais e temidos, seja por foras da lei ou moradores locais.
Apesar disso, o grupo assume papéis distintos na cultura pop. Hora como heróis, às vezes vilões, e sempre inspirando uma infinidade de obras com seus próprios pelotões especiais (Bleach, Black Clover, Attack on Titan, etc).

Sem contar animes focados exclusivamente no Shinsengumi, como Peace Maker Kurogane, Gintama (à sua maneira, claro) ou Hakuouki. Alguns de seus capitães já deram as caras em diversos animes famosos também: Saitou Hajime, em Rurouni Kenshin, Hijikata Toshizou em Golden Kamuy ou o próprio Isami Kondo, líder do grupo, em Record of Ragnarok, são bons exemplos.
Não era difícil imaginar que a versão escolhida para representar o Shinsengumi em Like a Dragon: Ishin fosse similar a um grupo da yakuza. Uma "família" reclusa, que obedece apenas às suas próprias regras, não admite traição e faz o que bem entender para atender às suas necessidades.
Star System, o sistema das estrelas
Com certeza o que mais chama atenção em Like a Dragon: Ishin é a chance de ver uma vasta quantidade de personagens derivados de todos os games da franquia atuando em outros papéis, como se fossem atores de Hollywood.

O conceito hollywoodiano conhecido como Star System, foi aplicado nos mangás pela primeira vez por Osamu Tezuka. Assim como alguns diretores americanos gostavam de escalar os mesmos atores para atuar em seus filmes (em diferentes papéis), Tezuka usava o design dos personagens de suas obras anteriores em novos “papéis”. O mesmo tipo de criação pode ser visto hoje em dia com as obras de Hiro Mashima, autor de Rave Master, Fairy Tail e Edens Zero, entre outros.
O esquema aqui é o mesmo: Kazuma Kiryu (dublado por Takaya Kuroda) assume o papel de Ryoma Sakamoto, Goro Majima (Hidenari Ugaki) é Soji Okita e por aí vai. Na nova versão do game alguns “atores” foram substituídos, com as inserções muito bem vindas dos vilões de Yakuza 0 (Daisuke Kuze, Hiroki Awano e Keiji Shibusawa) e Zhao Tianyou, de Yakuza: Like a Dragon, por exemplo.

Abrindo um parênteses aqui, apesar de gostar demais da interpretação de Riki Takeuchi (Awano), ícone do cinema de ação dos anos 1980 no Japão (procure por ele no Google depois), a troca de papéis no jogo foi um tanto injusta. Anteriormente o personagem foi interpretado por Shun Sugata, que já foi o Kamen Rider ZX – e para a audiência geral, ficou mais conhecido como o chefão da máfia Hitoshi Ishida, em Tokyo Vice (série do HBO Max). Uma troca boa, mas injusta: os dois poderiam continuar no jogo.
O melhor de tudo é que o jogador não fica só surpreso com a história em si, mas também com as aparições dos seus personagens preferidos atuando em outros papéis. Um dos exemplos mais clássicos é a chegada de Okada Izo, um dos quatro grandes assassinos do período Bakumatsu na vida real, interpretado no jogo por Akira Nishikiyama, o melhor amigo de Kiryu e principal vilão de Yakuza Kiwami. Ficou surpreso com isso? Então não perde por esperar na hora de ser apresentado a Saitou Hajime, o capitão da Terceira Divisão do Shinsengumi (figura histórica também, bastante conhecida pelos fãs de Kenshin).

Com isso, Like a Dragon: Ishin possui sua própria trama, que mistura o real com a fantasia maluca dos roteiros dos demais jogos da série. Não fica atrás de nenhum deles no quesito “imersão do jogador”, colocando-o para viver dentro de um mundo fictício único e completo, cheio de atividades complementares.
Dos minigames mais bizarros (como beber saquê ou disputar janken-po com geishas, pescaria ou até mesmo gerenciar uma loja de udon), tem de tudo. Além de ser uma boa forma de se iniciar na franquia como um todo, já que o game não tem ligações diretas com outras obras.