Está aqui, gravado na memória — um momento extraordinário na história recente do cinema, particularmente para um nerd que cresceu mais familiarizado com palavras como “arqueoptérix” e “paquicefalossauro” do que, por exemplo, com nomes de jogadores de futebol.
Trata-se do encontro de Grant (Sam Neil) e Ellie (Laura Dern) com o braquiossauro em Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (1993). O assombro dos personagens é ressaltado pelo modo como a sequência é construída: Steven Spielberg transita dos close-ups nos rostos dos cientistas para um plano aberto do enorme réptil, visto pela primeira vez em toda sua grandiosidade, e, instantes depois, para um grande plano aberto, que revela vários outros animais e enfatiza a diferença de escala entre eles e os humanos — tudo ao som do magnífico tema composto por John Williams. Além dessa questão artística, a passagem é especial porque, à época do lançamento, o sentimento expresso na tela refletia o deslumbramento da plateia diante daquele espetáculo proporcionado por efeitos especiais então inovadores.
Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015) traz uma cena similar, que busca evocar a mesma emoção, usa a mesma trilha sonora e também brinca com a mudança de enquadramentos — nesse caso, o diretor Colin Trevorrow se serve do movimento da câmera, que sai do quarto de hotel e acompanha o olhar do garoto Gray (Ty Simpkins). Há, no entanto, uma distinção expressiva: aqui, o motivo de admiração é o novo parque. Ou seja, o encantamento quase pueril de antes é substituído pela cínica constatação de que vender as criaturas se tornou mais importante que as próprias criaturas; a embalagem vale mais que o conteúdo. A impressão é reforçada por Claire (Bryce Dallas Howard), que em determinado momento observa: “Ninguém mais se impressiona com um dinossauro”. E acrescenta: “Os consumidores os querem maiores, mais barulhentos e com mais dentes”. Ao explorar elementos consagrados da franquia, inflando as proporções de tudo o que se refere ao entretenimento — ambientação, bichos, mortes —, o filme mostra que joga pelas mesmas regras.
Em muitos aspectos, Jurassic World: Reino Ameaçado é vítima de seu antecessor. A começar pelo retorno de Trevorrow, agora apenas como roteirista, em parceria com Derek Connolly. Sua insistência na estratégia de repetir/aumentar resulta, por exemplo, no “empréstimo” da estrutura básica de Mundo Perdido: Jurassic Park (1997). Novamente, o que impulsiona a trama é uma missão de resgate — desta vez, para salvar os animais na ilha Nublar, ameaçados por um vulcão que voltou a ficar ativo. Cabe a Claire recrutar Owen (Chris Pratt), valendo-se da ligação afetiva entre o ex-treinador e a velociraptor Blue, última de sua espécie. E novamente, o terceiro ato coloca as criaturas no continente, graças às ações do vilão inescrupuloso. E como reciclagem pouca é bobagem, o enredo ainda retoma a ideia, já explorada no filme anterior, da criação de um híbrido, mais ameaçador e “com mais dentes” que o Indominus Rex.
A presença do catalão J.A. Bayona no posto de diretor em Reino Ameaçado é um alento. Sua habilidade em lidar com as dimensões de um filme-catástrofe, já atestada em O Impossível (2012), garante o ritmo e a urgência necessários em todas as sequências na ilha. Da mesma maneira, a sensibilidade para o terror exibida em O Orfanato (2007) resulta em alguns sustos e momentos de tensão decentes. De quebra, o cineasta consegue imprimir personalidade a muitas das cenas, o que representa um salto considerável em relação à direção burocrática do capítulo anterior. O avanço, todavia, é apenas do ponto de vista técnico — por mais competente que seja, Bayona está preso a um roteiro fraco.
Um exemplo claro dessa deficiência está no desenvolvimento dos personagens — ou melhor, na falta dele. Os realizadores parecem acreditar que o carisma de Chris Pratt basta para empurrar o protagonista, que não apresenta qualquer arco dramático: desde o início do longa-metragem anterior até a conclusão do novo, Owen permanece o mesmo. Claire, por sua vez, passa por uma transformação tão radical quanto inverossímil: de workaholic que se refere aos dinossauros como “itens” a ativista em prol dos direitos das criaturas (mas a mudança que chama a atenção é que agora ela usa calçados apropriados para a ação).
O restante do elenco é igualmente raso, com vilões de desenho animado — o executivo Eli (Rafe Spall) e o mercenário Wheatley (Ted Levine) — e alívios cômicos desprovidos de graça — a paleo-veterinária Zia (Daniella Pineda) e o analista de sistemas Franklin (Justice Smith). O filme ainda desperdiça talentos como Jeff Goldblum, Toby Jones, James Cromwell e Geraldine Chaplin, em participações breves e pouco relevantes, bem como a atriz mirim Isabella Sermon, mal utilizada em uma subtrama com um plot twist supostamente chocante, porém apenas risível.
O roteiro tem um ou outro achado. A destruição da ilha Nublar é significativa (e a escolha da espécie do último dinossauro avistado lá certamente não foi à toa), enquanto as últimas cenas apontam para caminhos promissores. Mas é pouco para uma franquia desse porte. No final, o que fica na cabeça é uma fala de Claire, que a certa altura pergunta: “Lembra a primeira vez que você viu um dinossauro?”. Sim, eu me lembro. E sinto falta daquele encanto.