Quando se pensa em Call of Duty, é mais fácil lembrar das frenéticas e divertidas partidas multiplayer. A franquia se construiu como referência em experiências online viciantes, e isso é o que garante sucessos de vendas anuais. No meio disso tudo, o modo single-player até soa como um jogo a parte, que frequentemente sequer é aproveitado por grande parte da população que povoa os servidores competitivos.
Em 2022, Modern Warfare II reafirma essa separação ao colocar acesso antecipado à campanha como bônus de pré-compra, efetivamente lançando o modo uma semana antes dos demais. Além de servir para apaziguar o hype e como incentivo para jogar o single-player, o lançamento surpreende e relembra que a franquia pode empolgar quando realmente se esforça.
Sequência ao último Call of Duty que, de fato, entregou uma campanha digna, Modern Warfare II acompanha a recém-formada Força Tarefa 141, em busca de assassinar uma figura controversa no Oriente Médio. Um dos discípulos da vítima parte em busca de vingança, mas o problema de verdade surge quando os soldados percebem que esse conflito é apenas parte de uma conspiração maior, envolvendo o tráfico de mísseis norte-americanos para possíveis ataques terroristas.
É comum que as tramas da saga girem em torno de vilões vingativos, que promovem grandes atentados em forma de retaliação, mas o grande triunfo aqui é não se apegar à fórmula. A franquia surgiu para replicar os ambiciosos conflitos em larga escala da Segunda Guerra Mundial, com toda a tensão e intensidade de uma versão jogável de O Resgate do Soldado Ryan, mas bater na mesma ameaça de fim do mundo ficou cansativo. Já a tensão de um bom suspense de conspiração se prova bastante empolgante.
Parece haver um esforço consciente em romper com a tradição da série, tanto na narrativa, quanto na jogabilidade. A trama, por exemplo, pode até lidar com um problema de escala global, mas deixa o espetáculo bombástico para trás e conduz tudo de forma até que intimista. A cada nova virada ou informação descoberta, o jogador (assim como os protagonistas) se vê com poucos aliados e muitas incertezas - elementos bastante valiosos num thriller político.
Mundo polarizado

Call of Duty não é exatamente conhecido por excelência narrativa, mas aqui há um desejo real de criar uma trama instigante e repleta de personagens cativantes. Os vários vilões que a Força Tarefa 141 encontram ao longo do caminho marcam pelo carisma, ou até mesmo pelos ideais mais radicais e pragmáticos.
Claro, o tom propagandista da franquia se mantém firme e forte ao ponto de até soar ingênuo. Não chega ao mesmo patamar do antecessor, que abraçou o revisionismo histórico, mas é bom que exista algum tipo de oposição ideológica dentro desse universo aos heróis patriotas sedentos para cometer crimes de guerra.
Por alguns momentos, Modern Warfare II mostra ter um mínimo de interesse em criar conflitos que vão além dos tiroteios. Não há crítica direta dentro do game, mas é um enorme avanço ver que a trama pelo menos retrata de forma dúbia a atuação dos Estados Unidos na política global, ou então a utilização duvidosa de forças paramilitares em operações secretas no exterior. Considerando que títulos anteriores já até tiveram consultoria de criminosos de guerra da vida real, há uma evolução narrativa, que indica que histórias preto-no-branco já não convencem mais.
A ação também é moldada por esse esforço. A campanha continua linear como a saga sempre foi, mas agora entende um pouco mais como criar tensão, usar silêncio, como desenvolver afinidade do jogador pelos personagens, e também como deixar quem está no controle experimentar um pouco mais com a jogabilidade, além de apenas seguir ordens cegamente.
O jogo até aproveita trechos mais quietos para colocar os personagens para interagir entre si, com o jogador escolhendo respostas com as quais mais se identifica. Ainda que não tenha impacto direto na trama, tais momentos rendem diálogos que ajudam a entender a relação entre os soldados e desenvolvê-los além das cutscenes.
Para nutrir a tensão e aprofundar os personagens, o ritmo também passa por mudanças muito bem-vindas, e as missões são um pouco mais cadenciadas. Há momentos que pedem por furtividade e autocontrole, seja para planejar a forma mais eficiente de eliminar inimigos sem ser descoberto, ou então para esconder suas armas e se camuflar até que a barra esteja limpa. Call of Duty sempre teve medo de que o jogador estivesse entediado ao não atirar o tempo todo, então é ótimo ver um jogo na franquia que contesta essa noção com resultados tão bons.
A maior atenção com personagens, e essa dinâmica mais controlada criam uma experiência que te mantém colado na tela até o final da campanha, e ajuda a tornar a ação explosiva verdadeiramente especial. Nem tudo precisa ser uma ameaça de catástrofe iminente, e criar uma jornada chamativa com nuance é um passo importante para essa série tão duradoura.
Guerras modernas do passado

Modern Warfare II realmente se esforça em romper com a tradição, mas é bom lembrar que a estrutura de campanhas explosivas, barulhentas e com conflitos em escala global já foi celebrada como novidades. A trilogia Modern Warfare, realizada entre 2007 e 2011, não só foi sucesso financeiro com mais de 70 milhões de unidades vendidas no total, mas também transformativa para os shooters modernos. Os três títulos ainda são citados como favoritos por muita gente, e o estúdio Infinity Ward não fugiu de colocar um aceno ou outro.
No geral, o novo Modern Warfare II é altamente original, ainda que toque em notas parecidas com os jogos originais. As missões seguem nas mãos de Soap, Ghost, Price e Gaz, sob o comando de um general Shepherd, ainda que todos os personagens tenham ganhado outras versões. O arsenal é bastante parecido e há até missões que brincam com fases icônicas da trilogia.
Em dado momento, por exemplo, Gaz e Price precisam revistar galpões em uma instalação na América Latina. A missão de infiltração, porém, coloca os dois em trajes camuflados, pescando inimigos desavisados com rifles de sniper - assim como na memorável “All Ghillied Up”, do primeiro Modern Warfare. Já em outro nível, a Força Tarefa 141 (por si só uma divisão criada no primeiro MW2) precisa desativar mísseis em uma plataforma petroleira, e depois invadir um navio cargueiro em alto mar, em uma mistura das fases “The Only Easy Day...Was Yesterday” (MW2) e “Crew Expendable” (CoD 4).
Nenhum desses níveis replica exatamente suas inspirações, e servem apenas para dar um gostinho de nostalgia para a obra, que parece reconhecer o legado que carrega. É quase como um remix, em que algumas notas dão a sensação de familiaridade em uma melodia totalmente nova.
No fim das contas, isso define bem a experiência de Modern Warfare II, um jogo que precisa se voltar ao passado para, conscientemente, fazer as coisas de uma forma diferente. O resultado é um sopro de novidade para os fãs de longa data, uma porta de reentrada perfeita para quem largou a franquia ao longo dessa década, e também um ótimo game de ação para quem nunca encostou num Call of Duty na vida.
Call of Duty: Modern Warfare II chega ao Xbox Series X | S, PlayStation 5, PC, Xbox One e PlayStation 4 em 28 de outubro. A review do modo single-player foi feita com base na versão de Xbox Series X, com código de acesso antecipado cedido pela Activision.