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Como os impostos afetam o preço dos videogames no Brasil
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Como os impostos afetam o preço dos videogames no Brasil

Relembre o histórico dos impostos sobre games no Brasil e seu impacto no preço de hardwares ao longo dos anos

Bruno Silva
Bruno Silva
28.ago.21 às 11h09
Atualizado há mais de 3 anos
Como os impostos afetam o preço dos videogames no Brasil

No último dia 13, o presidente Jair Bolsonaro decretou a terceira redução de impostos sobre consoles e portáteis desde o início de seu governo. Em sucessivos acenos para a comunidade gamer brasileira, Bolsonaro tem atendido a uma antiga reivindicação do mercado: reduzir a alta carga tributária sobre o videogames, apontada por indústria, imprensa e especialistas como um entrave para o desenvolvimento do setor.

Entretanto, o que se tem visto no Brasil é exatamente o oposto: salvo poucas exceções, aconteceu uma escalada nos preços de hardware associados a jogos. A subida já vinha acontecendo desde o início da crise econômica brasileira, mas se acentuou nos últimos anos, com a pandemia de COVID-19.

Nesta reportagem, vamos relembrar o histórico dos impostos sobre games no Brasil, seu impacto no preço dos consoles ao longo dos anos, e tentar entender o real impacto dessas reduções.

Histórico

Videogames, assim como produtos de tecnologia em geral, chegaram ao Brasil aos trancos e barrancos, em parte por uma política de reserva de mercado que vigorou nos anos 1970 e 1980, ainda durante a Ditadura Militar, como forma de incentivar a criação de uma indústria nacional. Com os anos 1990 e o choque de liberalismo do governo de Fernando Collor, foi liberada a importação de eletrônicos, mas sempre com altas tarifas, ainda como uma forma de incentivar a fabricação e a montagem destes produtos no Brasil.

A questão dos impostos nos games passou a ganhar mais atenção em meados dos anos 2000, quando a geração de PlayStation 3 e Xbox 360 reforçou os mecanismos antipirataria de consoles por meio da conexão com redes online. O Xbox 360, inclusive, foi especialmente marcante para chamar a atenção dos preços: o console custava US$ 400 nos EUA e chegou oficialmente ao país em 2006 por R$ 3000, o triplo do preço no mercado norte-americano se levarmos em conta a cotação da época. A culpa da diferença de preço? A carga tributária.

Entretanto, o bom momento da economia brasileira nos anos 2000 e 2010, puxado por incentivos ao consumo, fez o mercado de games crescer de qualquer forma. O brasileiro foi incentivado a comprar, e os videogames entraram na conta: segundo dados da consultoria GfK, o crescimento entre 2011 e 2012 foi de 149% nos jogos e 70% nos consoles. O crescimento do setor trouxe, na época, a montagem de PlayStation 3 e Xbox 360 para o Brasil, como forma de evitar a incisão de impostos de importação no produto.

Todo esse momento aumentou a pressão para que os impostos sobre jogos e consoles fossem reduzidos, com o argumento de que a desoneração desses produtos faria o setor de games crescer ainda mais. Um retrato da época é o movimento Jogo Justo, que fez campanhas online com lojistas para criar dias sem imposto de vendas de games e ponte com agentes do governo para discutir o setor.

O interesse pelo tema também chamou a atenção de alguns políticos, que buscaram reduzir a carga tributária por meio da implantação de benefícios fiscais por lei. Projetos de lei sobre o assunto circulam no Congresso desde 2007. Alguns já foram arquivados, enquanto outros ainda circulam. O mais famoso e mais recente projeto de lei sobre o tema é a PEC 51/2017, que propõe alterar a Constituição para instituir imunidade tributária para jogos e consoles produzidos no Brasil. O projeto aguarda deliberação no plenário desde agosto de 2019.

Crise

O bom momento da economia brasileira acabou um pouco antes da chegada da geração de PlayStation 4 e Xbox One ao país. O preço do PlayStation 4, que chegou ao Brasil no final de 2013, virou até meme: o console de nova geração da Sony desembarcou no país por R$ 4 mil. Para explicar o valor do console, executivos chegaram a abrir a conta dos impostos pagos para trazer o console ao país, por meio de importação, e chegaram a afirmar que perdiam dinheiro com a venda do aparelho. Na mesma época, a Microsoft conseguiu adiantar a fabricação do Xbox One no país e o trouxe a R$ 2,2 mil.

Entretanto, a forte recessão da economia desmontou, pouco a pouco, a estrutura conquistada pelo mercado brasileiro nos anos de bonança. A forte recessão a partir de 2015 e a alta do dólar, que ultrapassou a casa dos R$ 3, afetou diversos custos envolvidos na comercialização de jogos e consoles, gerou uma alta dos preços. Já naquele ano, os jogos voltaram a ultrapassar a barreira dos R$ 250.

A subida nos preços também impactou as fabricantes de consoles. Em 2015, a Nintendo deixou de vender jogos e consoles no Brasil (e culpou os impostos pela saída do país). Sony e Microsoft também deixaram de montar seus principais aparelhos no país. PlayStation 4 Pro, Xbox One S e Xbox One X, versões mais atualizadas dos consoles lançadas nos anos seguintes, já passaram a chegar ao país por meio de importação.

Onde há crise, há oportunidade, e Jair Bolsonaro passou a explorá-la ao assumir a Presidência. Movimentos de ódio como o GamerGate, que cooptaram diversos jogadores para um discurso de extrema-direita no mundo e também no Brasil, deixaram um terreno fértil para o capitão reformado se tornar o candidato mais associado ao mundo dos games em sua campanha vitoriosa em 2018.

Já no início do mandato, Bolsonaro passou a fazer diversos afagos ao público gamer em suas redes sociais, chegando a ligar para nomes famosos como Gabriel Toledo, o FalleN, jogador profissional de Counter-Strike: Global Offensive. Já naquela época, começaram as promessas de reduzir os impostos, àquela altura amplamente identificados como um entrave para o crescimento do setor.

Como os impostos afetam o preço hoje

As três reduções da carga tributária sobre jogos e consoles feitas por Bolsonaro foram no IPI, o imposto sobre produtos industrializados. A primeira, em agosto de 2019, reduziu o IPI de consoles de 50% para 40%, o de acessórios e partes de 40% para 32%, e o de jogos de vídeo com tela incorporada, como o Nintendo Switch, de 20% para 16%.

Um ano depois, já no meio da pandemia de COVID-19, Bolsonaro decretou nova redução: o IPI de consoles caiu para 30%, o de acessórios para 22% e o de jogos com tela incorporada para 6%. O decreto mais recente reduziu o IPI de consoles para 30%, o de acessórios para 12%. Já o IPI de jogos com tela incorporada foi zerado.

As reduções de impostos tiveram um impacto tímido no preço dos aparelhos no país. O primeiro decreto de Bolsonaro levou a Sony a reduzir o preço do PlayStation 4 em R$ 200. Já o segundo decreto, feito às vésperas do lançamento da nova geração, impactou os preços de PlayStation 5, Xbox Series X e Xbox Series S.

A redução nos impostos levou a Sony a cortar em R$ 300 o preço do PS5 nas versões com e sem leitor de disco. Já a Microsoft reduziu o preço do Xbox Series X em R$ 400 e o do Series S em R$ 200. No mesmo ano, a Nintendo anunciou o retorno da venda oficial de seus produtos no Brasil, trazendo o Nintendo Switch a R$ 3000.

Após o decreto mais recente de Bolsonaro, a Sony cortou em R$ 300 o preço das duas versões do PS5. A Microsoft, por sua vez, reduziu o preço do Xbox Series X e do Xbox Series S em R$ 250 e R$ 150, respectivamente. A reportagem procurou Sony, Nintendo e Microsoft, por meio de suas assessorias de imprensa, para tentar entender o cálculo dos impostos na formulação dos preços sugeridos de seus aparelhos, mas não teve resposta até a publicação deste texto.

Apesar da redução do IPI, é preciso considerar que este não é o único imposto que incide sobre o preço de jogos e consoles no país. Há também um Imposto de Importação (II), de 20%, o ICMS, que varia de estado para estado - em São Paulo, ele é de 25% -, e o PIS e COFINS, de 1,65% e 7,6%, respectivamente.

Estes impostos também incidem em efeito cascata. Por exemplo: um jogo que chegar ao país por R$ 100 paga R$ 20 de imposto de importação. Já o IPI é cobrado em cima do valor com o imposto anterior aplicado, ou seja, R$ 120.

Gráfico mostra o preço original, convertido e o final nos consoles da Microsoft ao longo dos anos Gráfico mostra o preço original, convertido e o final nos consoles da Microsoft ao longo dos anos

Gráfico mostra o preço original, convertido e o final nos consoles da PlayStation ao longo dos anos Gráfico mostra o preço original, convertido e o final nos consoles da PlayStation ao longo dos anos

Tudo continua caro

Mesmo com três reduções no IPI, por que isso não incidiu em cortes significativos nos preços dos consoles no Brasil? Segundo Marco Antonio Martins Rocha, doutor em teoria econômica e professor da Unicamp, a resposta passa pela estrutura econômica do país, em que videogames são um bem de luxo, devido ao seu preço em comparação com a renda da população.

“Nessa situação, o bem de luxo é um bem inelástico, que na teoria econômica é o tipo de produto cujo consumo continua o mesmo, independentemente das alterações no preço. Como videogames no Brasil são focados no consumo de uma população de renda alta, mudanças marginais (nos impostos) afetam pouco o consumo.”

É importante levar em conta que, embora os consoles tenham tido reduções de preço, todo o ecossistema que gira em torno deles ficou consideravelmente mais caro ao longo dos anos, especialmente por conta da subida do dólar, que chegou a bater recordes de alta e chegou a encostar nos R$ 6 em maio de 2020.

A alta na cotação da moeda americana afetou o preço dos jogos, com lançamentos oscilando entre os R$ 280 e os R$ 300, e aumentando o valor de serviços essenciais para jogar online, como a PlayStation Plus e a Xbox Live Gold e Xbox Game Pass. Em tempos de crise, o serviço da Microsoft se tornou uma das principais alternativas para o público de games ao oferecer um catálogo vasto por meio de uma assinatura.

O poder de compra do brasileiro, que leva em conta o aumento dos preços comparado ao aumento do salário mínimo, permanece estagnado desde o início da crise econômica. Em 2021, o salário mínimo no Brasil tem o mesmo poder de compra do salário de 2014.

Nesse contexto, o sistema de impostos brasileiro acaba sendo um peso ainda maior, pois é focado em tributar bens de consumo, em vez da renda e do patrimônio. “Os pobres acabam pagando uma proporção de imposto muito maior do que os ricos. Os mais ricos, por conta da renda sobrar no fim do mês, tendem a consumir uma porcentagem menor e poupar ou adquirir mais patrimônio do que as pessoas mais pobres”, diz Rocha.

De acordo com o economista, o câmbio também é um fator importante na elaboração do preço final destes produtos:

"A volatilidade cambial do real é uma das mais altas do mundo, e com isso se tem uma espécie de efeito sanfona. Quando o câmbio chegou a 6 reais em 2020, boa parte do varejo perdeu sua margem de lucro. E quando o câmbio baixa, o preço não baixa junto, pois é necessário recuperar essa margem de quando o dólar subiu."

Um bom jeito de exemplificar esse efeito no mercado de games é o preço do PlayStation 4. Os exorbitantes R$ 4 mil do lançamento caíram para R$ 2,6 mil com a montagem do aparelho no Brasil. Entretanto, com o fechamento das fábricas da Sony no país, a subida do dólar e um aumento na procura por videogames aliada a uma escassez na produção de componentes causada pela pandemia, o PS4 chegou a ficar mais caro. Com a última redução de impostos feita pelo governo, o aparelho voltou a ter preço sugerido de R$ 2,6 mil, o mesmo patamar de seis anos atrás.

Uma das soluções, de acordo com Rocha, seria agregar vários impostos em um só, para diminuir o efeito cascata. “Tínhamos uma proposta de reforma tributária, do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que foi debatida no Congresso e propunha transformar o ICMS e outros impostos em um imposto sobre valor agregado. Isso seria um ganho importante, porque unificaria vários tributos e diminuiria essa incidência”, ressalta.

A proposta, no entanto, foi atropelada pelo projeto de reforma tributária do ministro da Economia Paulo Guedes. “Eles bloquearam uma proposta que estava andando e apresentava ganhos, por uma questão de absorver protagonismo político”, opina Rocha.

Os impostos baixaram, mas os preços de consoles, jogos e tudo que gira ao redor desse meio continuam caros. Então, como interpretar os sucessivos decretos de Bolsonaro para reduzir as tarifas destes produtos?

Na teoria econômica, Marcos Rocha classifica as medidas do governo Bolsonaro como ineficazes:

“Essa redução acaba sendo absorvida pelos varejistas e importadores no mercado doméstico. A redução que chega na ponta é irrisória.”

Em um contexto no qual a redução de impostos tem pouco efeito prático - e chegou até a ser desencorajada pelos próprios técnicos do governo, de acordo com informações do portal Metrópoles - sobre o setor de games devido ao estado da economia, o aceno de Jair Bolsonaro ao público gamer é uma performance para gerar assunto, de acordo com Beatriz Blanco, professora coordenadora dos cursos de tecnologia em jogos digitais e produção multimídia do Senac São Paulo:

“É bem emblemático ver que isso acontece sempre quando tem um desgaste na imagem do presidente. A primeira vez foi em meio as queimadas da Amazônia que repercutiram internacionalmente, e agora nesta crise de popularidade tremenda em que ele está com a gestão desastrosa da pandemia e as descobertas da CPI da COVID.”

Sendo assim, a diminuição dos impostos pode até ter atendido uma reivindicação há muito tempo pedida pela comunidade gamer no Brasil, mas, enquanto o país continuar com uma economia em que a desigualdade social é reforçada pela tributação de modo geral, videogames continuarão sendo bens de luxo, e as reduções nos tributos, sozinhas, não serão o suficiente para baixar os preços de forma considerável.

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