O Apple TV+ vem ganhando fama de “casa da ficção científica” nos streamings graças a títulos como Ruptura, Fundação e outros, e o mais novo exemplo desse interesse é Sunny. Curiosamente, a série protagonizada por Rashida Jones (The Office) chega à plataforma menos fictícia do que a equipe estava esperando.
Sunny conta a história de Suzy (Rashida Jones), uma mulher que precisa lidar com a repentina perda do filho e do marido. Uma das “heranças” deixadas por ele foi o robô doméstico Sunny, cuja chegada traz segredos que ela precisa desvendar e perigos que ela nem imaginava. Uma nova realidade que vira a vida dela de ponta-cabeça em uma mistura de suspense, drama, comédia sombria e até romance. Tudo isso sob o guarda-chuva da ficção científica.
Em entrevista ao NerdBunker, a criadora, produtora e roteirista Katie Robbins explicou que a série é fruto da experiência conflitante que teve com o livro original. Ela admitiu que nunca havia lido um livro de ficção científica antes, mas que o romance The Dark Manual, de Collin O’ Sullivan, falou diretamente com ela em um nível pessoal. Ainda assim, a série exigiu mudanças:
“A protagonista, Suzy, é uma pessoa que responde a essa tragédia vestindo uma armadura emocional, se protegendo com humor sombrio, com sarcasmo, tentando afastar as pessoas, e isso é algo que eu me relaciono em minha experiência pessoal com tempos sombrios. No livro, ela já tinha esse robô masculino, chamado Sunny, que é meio que um adversário. Me interessei em mudar isso um pouco e torná-la um robô feminino e um personagem que entra na vida de Suzy [após a perda da família]. Ela não está procurando robôs, ela odeia eles, mas esse chega em um momento em que ela precisa se abrir.”
Para criar a relação da protagonista com a Sunny, Robbins caiu de cabeça em pesquisas sobre Interação Humano-Robô (IHR) para entender como as máquinas podem ajudar as pessoas. “Robôs são mais seguros para se abrir, porque eles não vão partir seu coração, fugir ou morrer, eles estão lá, então você pode retomar o hábito de desabafar. Usei isso como ponto de partida para contar uma história sobre solidão, perda e amizades femininas, mas expandi como um suspense de mistério e espionagem, para que a série fosse empolgante, cativante e ágil.”
O que Katie Robbins não havia previsto em 2022, quando começou a trabalhar em Sunny, era que as Inteligências Artificiais ganhariam tanto espaço na vida cotidiana. A cineasta lembra que o ChatGPT se popularizou enquanto a série estava sendo gravada, o que trouxe medo e esperança quanto aos rumos que essa tecnologia tomará. Justamente uma reflexão buscada pela série:
“Tudo o que é feito por humanos pode ser usado para o bem ou para o mal, então acho que estamos nesse ponto de decidir qual caminho seguir com IA. E a robô Sunny é meio simbólica quanto a isso. Enquanto em uma cena ela é doce, divertida, carismática e dá a Suzy a companhia que ela precisa, na outra ela está fazendo algo muito maligno e perigoso, ao ponto de não sabermos se podemos confiar nela. E isso parece a tensão que estamos vivendo com as IAs agora.”

Essas camadas da personagem foram o grande atrativo da série para Joanna Sotomura, a intérprete de Sunny. A atriz disse que foi se apaixonando pela personagem e pela história conforme foi fazendo os testes. No fim, a empolgação foi tanta que a escalação foi como “um sonho se realizando.”
Para dar vida a Sunny, uma robô com inteligência artificial, ela contou com uma mãozinha da tecnologia do mundo real:
“Fiz uma noite das garotas: Convidei Siri e Alexa, abrimos uma garrafa de champanhe e eu disse ‘me conte seus segredos mais profundos e sombrios’ e elas ficaram malucas! Vou te dizer, foi loucura. E essa foi toda a preparação que eu precisei, então honestamente foi assim que a Sunny nasceu. Elas fofocam loucamente.”
A coincidência de participar de Sunny no momento em que as IAs se popularizaram de vez no mundo real foi algo que chamou a atenção de todo o elenco da produção. Para o ator Hidetoshi Nishijima (Drive My Car; Shin Ultraman), a produção usa a tecnologia para investigar a natureza humana e a forma como nos conectamos:
“[Sunny] é sobre como pessoas e tecnologia precisam coexistir. Conforme ela se desenrola, começa a perguntar: o que são as conexões humanas, o que é ser humano, qual é a alma dos humanos? Acho que a série conecta esses temas profundamente e por isso quis fazer parte dela.”

O ator acredita que seu personagem, Masa, simboliza a esperança da humanidade em relação ao lado positivo da tecnologia. Afinal de contas, o personagem não só é o marido da protagonista Suzy, mas também o cientista que criou a robô que faz companhia à sua viúva e dá nome à série:
“Masa criou esse robô com consciência e senso de identidade, por achar que tecnologia é a coisa certa e que faz bem ao desenvolvê-la. Mas, ao mesmo tempo, a tecnologia tem seus lados negativos, então também é sobre como podemos consertar o lado ruim e como as pessoas deveriam lidar com ela.”
A relação entre humanos e tecnologia fez até mesmo da ala mais experiente da produção refletir. Aos 74 anos, Judy Ongg foi levada de volta à infância, quando tinha um cachorro de brinquedo que se movia sozinho. “Quando me sentia sozinha, ele me ajudava e, de certa forma, ele funcionava como o robô de Sunny. Noriko, a minha personagem, era alguém que primeiro rejeitava os robôs e depois foi curada por eles. Ela não gosta da nora Suzy, mas Sunny une as duas”.
Japão, o único lar possível para Sunny
Um detalhe muito importante de Sunny é que a série se passa no Japão. Para a diretora Lucy Tcherniak, o país é importante para a série em muitas camadas:
“Arrisco cair no clichê de dizer que Japão é um personagem, mas é porque a série não poderia se passar em qualquer outro lugar. Lá parece ter a maior presença de robôs no mundo, e também fácil para que pessoas de fora se sintam um peixe fora d’água.”
Esse é o caso justamente da protagonista Suzy, uma mulher norte-americana que vive no Japão. Curiosamente, a linguagem se torna outro tipo de barreira, já que ela vive em um futuro próximo em que há dispositivos que traduzem automaticamente o que é dito:
“Imagino que se os dispositivos de tradução da série existissem no mundo real, seria ainda mais fácil se isolar, porque ela escuta a uma voz traduzida, não a verdadeira voz da pessoa com quem ela está conversando. Por essas razões, e muitas outras, sinto que não poderia se passar em outro lugar. O Japão era essencial.”, refletiu a cineasta.
Curiosamente, a linguagem se tornou uma questão para o elenco japonês de Sunny. Afinal, atores como o experiente Jun Kunimura (Kill Bill; Ichi, O Assassino) precisaram se virar em outro idioma:
“No meu caso, houve o desafio de falar em inglês. Quase todas as minhas falas estavam em inglês, então tive que aprimorar minha forma de falar para esse papel.”
No caso de Judy Ongg, a dificuldade foi falar o próprio japonês. “Quando recebi o roteiro, dizia que ela é uma mulher tradicional de Quioto, que fala com o sotaque de lá, que é completamente diferente do meu. Então às vezes eu falava três palavras e o técnico dizia ‘não, está errado’. Assim como Jun, tive que estudar muito”, afirmou.

Os dois primeiros episódios de Sunny já estão disponíveis no Apple TV+. A produção ganha novos episódios às quartas-feiras.