Como o novo especial do Snoopy põe “ponto final” em polêmica antiga

Snoopy Apresenta, a coleção de especiais de Peanuts no Apple TV+, ganhou um episódio novinho. Chamado Seja Bem-vindo, Franklin!, o curta mostra a chegada de Franklin Armstrong em uma história que presta homenagem ao passado e encerra uma velha polêmica com uma mãozinha da vida real.

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O novo especial coloca os holofotes em Franklin Armstrong, o primeiro personagem negro de Peanuts, a grande obra de Charles M. Schulz. Filho do quadrinista, responsável por cuidar da franquia e corroteirista da nova história, Craig Schulz explica ao NerdBunker que os novos curtas servem para expandir o material encontrado nas tirinhas originais:

“Especialmente com um personagem como o Franklin, que as tiras não revelam muito sobre ele. Isso é o que queríamos fazer nessa série de especiais do Apple TV+. É divertido de escrever e os fãs amam conhecer melhor esses personagens.”

Para a criação do especial, a equipe convidou o cartunista Robb Armstrong para coescrever o roteiro. Uma decisão que faz sentido não só pelos talentos do artista, como também pelo fato de que ele foi a inspiração para Charles M. Schulz dar o sobrenome “Armstrong” a Franklin.

“Schulz me inspirou a ser um cartunista e virou meu amigo. O fato de ele ter nomeado esse personagem em minha homenagem e depois eu receber essa oportunidade é simplesmente a experiência mais lisonjeira e maravilhosa de toda a minha vida”, relembrou Robb Armstrong.

Para o roteirista, o grande desafio foi continuar o trabalho de Charles M. Schulz, a quem Armstrong carinhosamente se refere como “Sparky”:

“Partimos de algo maravilhoso. O que Sparky criou com Franklin era positivo, maravilhoso e muito ambicioso. Minha única tristeza é que ele não está vivo para ver isso, que foi lindamente animado, porque estamos continuando [a obra dele]. O que ele começou foi um bom ponto de partida e nosso trabalho foi não estragar tudo e expandi-lo e levar aos mais jovens.”

Franklin e Charlie Brown se tornando amigos no novo especial de Snoopy (Apple TV+/Divulgação)

Seja Bem-vindo, Franklin! teve direção de Raymond S. Persi, que chega ao quarto especial da franquia. Veterano, ele elogiou a chegada de Armstrong pois “além de adicionar essa camada de autenticidade ao Franklin, Robb trouxe seu coração e toda aquela paixão foi contagiante e permeou todo o especial”.

Em resposta, o roteirista explicou que essa empolgação se deve às semelhanças entre ele e Franklin, que vão muito além do sobrenome:

“Boa parte das vezes achei que a gente estava falando sobre mim. Me identifiquei fortemente com esse personagem, que chega a uma turma estabelecida e quer se encaixar, fazer amigos, vencer…Então fiquei confuso.”

Esse sentimento de tentar se encaixar em um grupo é uma forma de descrever o especial, que mostra a chegada de Franklin à vizinhança onde moram Charlie Brown, Snoopy e os demais. Para Craig Schulz, essa história captura um sentimento universal que honra as tirinhas originais:

“Já disse anteriormente que o mundo seria melhor governado por crianças do que pelos adultos, porque os pequenos são capazes de se misturar e se tornar amigos instantaneamente, independente de cor, etnia, religião, eles simplesmente se unem… Algo que desmorona quando chega a adolescência, e é por isso que os personagens de Peanuts estão presos nessa faixa etária – e são tão divertidos de escrever.”

“Franklin é para todo mundo”, complementa Robb Armstrong. “Nós todos passamos por coisas estranhas em nossas vidas. Todos entramos em salas cheias de gente que não conhecemos e nos sentimos forasteiros ao nos juntarmos a uma conversa em andamento. [No especial,] planejamos representar isso de forma esperta e calorosa para abranger todas as nossas experiências em tentar nos encaixar.”

O diretor Raymond S. Persi não só assina embaixo, como acredita que essas camadas são o que tornam Franklin e o especial tão cativantes:

“Gosto que nesse especial pudemos destacá-lo, mostrá-lo como uma pessoa com insegurança, que se frustra, se assusta e que também pode ser muito gentil. E retratá-lo como um personagem complexo é o que me deixa mais empolgado para que as pessoas assistam.”

Velozes, mas nada furiosos

No especial, Franklin une forças a Charlie Brown para participar de uma corrida de carrinhos feitos à mão pelas crianças – algo parecido com os carrinhos de rolimã, no Brasil. Esse foi outro ingrediente baseado na vida real, já que o próprio Craig Schulz participava de competições como essas na infância:

“Quando estávamos pensando em coisas que poderíamos fazer juntos, pensamos na corrida de caixa de sabão e disse para o meu filho que quando éramos crianças, nós fazíamos essas corridas. Eu fiz um carrinho dos Flintstones, em que pintei tudo como se fosse pele de leopardo. Durante a corrida tudo desmoronou, as rodas saíram, os freios quebraram… Então quando estávamos criando a parte da corrida, adicionamos algumas dessas coisas porque fiz essas coisas, como bater e cair nos arbustos… Muitas grandes memórias foram incluídas nessas cenas.”

Charlie Brown e Franklin na corrida com a turminha de Peanuts (Apple TV+/Divulgação)

Respondendo a uma velha polêmica

Antes mesmo do lançamento, Snoopy Apresenta: Seja Bem-vindo, Franklin! já havia se tornado assunto ao abordar um erro cinquentenário. O trailer da produção mostrou o garoto se sentando à mesa junto com o resto da turma, o contrário do que aconteceu no especial Charlie Brown e o Dia de Ação de Graças (1973) , em que ele se senta sozinho de um lado da mesa.

Ao longo dos anos, a cena foi tida por muitos como um exemplo de segregação por retratar o único garoto negro da turma ficando isolado dos amigos. Robb Armstrong não apenas discorda, dessa interpretação, como se sente aliviado por mudá-la em tela:

“A coisa mais difícil para mim foi ver Franklin sendo discutido de forma negativa. Essa é a criação de meu amigo. Sparky Schulz não criou nenhum desses personagens com a intenção de perpetuar estereótipos negativos ou criar conversas maldosas. Vi isso acontecer ao longo dos anos, mesmo que vagarosamente. O que fizemos juntos foi colocar um ponto final nisso. Estou aliviado e feliz de ver isso respondido com nada além de positividade.”

Craig Schulz lembra que os debates sobre a cena do especial de 1973 inspiraram um de seus filhos a sugerir que ela fosse ‘consertada’ no novo. Uma decisão cujo único desafio foi encontrar a forma certa de encaixá-la na história:

“Começamos a pensar muito sobre como fazer isso de uma forma orgânica à história que estávamos contando. Porque você não pode simplesmente colocar algo, precisa fazer sentido. Conseguimos fazer isso de uma forma agradável, e a resposta a isso, mostrada já no trailer, tem sido tremenda.”

“O lugar dele é lá, com a turma”, diz Robb Armstrong. “Trabalhamos muito porque o conteúdo emocional precisava ser puro, caso contrário seria um artifício. Craig está certo: parece natural porque nos certificamos de que fosse algo natural. Ficamos muito orgulhosos desse momento, cara. Bate forte.”

A versão atualizada dessa cena apareceu no novo trailer. Atento às redes, o diretor Raymond S. Perci celebrou o fato do público ter pescado esse momento logo de cara. “Amo as discussões nos comentários, com as pessoas brindando esse momento e o fato de iniciar uma conversa é ótimo”.