No inglês, a expressão “self indulgent”, ou “autoindulgente”, é usada para caracterizar obras em que autores exageram alguns aspectos como uma tentativa de deixar sua assinatura mais clara a todos que as observam. Em diferentes graus, Quentin Tarantino, Zack Snyder e Frank Miller já mereceram tal termo com títulos como Kill Bill, Rebel Moon e Grandes Astros: Batman & Robin, respectivamente.
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Com Comando das Criaturas, chegou a vez de James Gunn, aclamado pela trilogia dos Guardiões da Galáxia, entrar neste balaio. Quem não gosta do cineasta, dificilmente verá qualquer ponto positivo na série que deu o pontapé inicial do novo DCU. Mas mesmo os fãs mais fervorosos de Gunn terão dificuldade em defender algumas escolhas criativas da animação, que exalta todas as características do diretor e roteirista de uma forma incômoda.
É difícil definir Comando das Criaturas como algo além de “muito James Gunn”. Aliás, “James Gunn demais” seria mais correto para falar da série. Desde a constrangedora autoinserção na sequência de abertura dos episódios — em que o cineasta aparece digitando o roteiro em seu computador — à assimilação estética com Rick Flagg Sr. (Frank Grillo), proto-protagonista da animação, é notável a influência do ego do criador no conteúdo entregue à Max nas últimas sete semanas.

Por mais que tenha recebido elogios merecidíssimos por sua passagem na DC até agora, com O Esquadrão Suicida e Pacificador, Gunn parece ter entrado no modo automático, permitindo que todos os vícios presentes desde os tempos de Scooby-Doo aflorassem sem rodeios. Da sanguinolência gratuita ao humor inconvenientemente adolescente, o cineasta usa seu novo status como co-CEO do DC Studios para sanar seus próprios anseios do que quer ver em tela.
Claro, Comando das Criaturas não é, nem de longe, a propriedade mais importante da DC e, para a grande maioria do público, pouco importam as alterações feitas na tradução dos quadrinhos para o streaming. O comando de Gunn é, de fato, um atrativo maior para a série do que o Doninha (Sean Gunn) ou a Noiva (Indira Varma), personagens que, se não fosse pelo diretor e roteiristas, seguiriam esquecidos em revistas de décadas atrás. Mas essa tendência egocêntrica mostrada por ele na animação levanta uma preocupação real em fãs dos gibis mais tradicionais a serem adaptados pelo cineasta nos próximos anos.
Como já se sabe, Gunn será o responsável por guiar criativamente o DCU daqui para frente. É, de certa forma, sua sensibilidade que definirá como Batman, Mulher-Maravilha, Flash e afins se encaixarão nesse novo universo cinematográfico e como eles serão apresentados ao público. Por mais que ele não seja o único autor a assumir as rédeas destes personagens, é ele quem mapeará o tom a ser seguido daqui em diante, e, como piloto dessa nova série de produções, Comando das Criaturas tem muitos problemas que não podem passar batido pela boa vontade do público.
O Superman de Gunn

Superman é, de longe, o filme mais esperado pelos fãs de cultura pop em 2025. Afinal, estamos falando do maior super-herói da história, o bastião da verdade, justiça e um amanhã melhor. Mas, será que Gunn é realmente o nome mais indicado para comandar esse recomeço do personagem nas telonas?
Até Comando das Criaturas, Gunn não decepcionou ao adaptar quadrinhos para as telas. O mais próximo que chegou de falhar foi com o medíocre Guardiões da Galáxia Vol. 2, que mesmo estando abaixo das outras produções do diretor, ainda tem defensores fervorosos. Gunn, de fato, sabe trabalhar com personagens desconhecidos. É muito graças a ele que o Pacificador, por exemplo, voltou a ter aparições regulares nas páginas da DC Comics e que os Guardiões da Galáxia passaram a ser vistos como o grupo cool da rival Marvel.
O tom debochado não é, de forma alguma, o problema das produções de Gunn. A forma como ele caçoa de incels e jovens de extrema-direita foi o que fez Pacificador ser um sucesso, por exemplo. O problema é quando esse deboche vem vazio e desenfreado, como é o caso de Comando das Criaturas, primeira produção em que o cineasta extrapolou a função meramente criativa e comandou como manda-chuva do DC Studios. Antes, ele tinha quem freasse seus instintos mais caóticos. Agora, ele pode fazer basicamente o que bem entende com os personagens que tem à sua disposição.
No caso de Superman, essa abrangência é preocupante. Não porque Gunn não entenda o personagem — muito pelo contrário, pelo que o primeiro teaser do filme nos mostrou —, mas porque ele parece estar acreditando demais no próprio hype, armadilha em que seu parceiro de Madrugada dos Mortos, Zack Snyder, também já caiu várias vezes.
Quem lê as histórias do Superman, da Era de Ouro às edições atuais, sabe que o herói não se encaixa nessa zombaria aberta que Gunn estabeleceu em seus títulos mais recentes. O Homem de Aço não é, de forma alguma, um símbolo da ultraviolência e da zoeira presentes em Comando das Criaturas. O personagem também está muito menos aberto a interpretações pessoais e liberdades artísticas, ônus de sua proporção monstruosa no imaginário popular. É difícil encontrar, em todo o multiverso, alguma versão do Azulão que se encaixe no estilo que Gunn exibe com orgulho desde Super.

Entre Gunn e Superman, não há dúvidas de qual é realmente a figura maior para a cultura pop. O próprio diretor admite isso ao usar o tema clássico dos filmes de Richard Donner no primeiro teaser de seu Superman. Se quiser que o filme de 2025 seja o sucesso estrondoso que o herói merece, o cineasta precisará desinflar o ego exagerado que depositou em Comando das Criaturas e permitir que seus talentos atendam ao personagem, e não o contrário.
Para o bem ou para o mal, Superman definirá a cara do novo DCU. Agora resta saber se Gunn conseguirá deixar o ego de lado para, enfim, deixar os personagens terem mais presença que ele nas telas a partir de agora.
A primeira temporada de Comando das Criaturas está no catálogo do Max. Já o filme do Superman chega aos cinemas em 10 de julho.
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