Nos últimos anos, o Superman se tornou fonte de um longo debate entre os fãs. A discórdia em questão é causada pela forma como o herói vem sendo retratado nos últimos anos, ganhando contornos mais violentos e até vilanescos. A polêmica foi reacendida recentemente por Grant Morrison, roteirista que diz considerar “ridícula” a ideia de transformar o Homem de Aço em vilão. Novamente, o público se dividiu para concordar ou rechaçar a fala, que levantou uma questão interessante: o Superman realmente precisa ser mau ou violento?
Em primeiro lugar, é importante notar como essa ideia se tornou popular. Muitos apontam o ano de 2013 como grande responsável pela disseminação desse conceito, graças a lançamentos como Homem de Aço, filme em que o herói assassina o General Zod, e em Injustice: Gods Among Us, game que apresenta uma realidade paralela onde o Kryptoniano se tornou um tirano após o assassinato de Lois Lane. Porém, naquele ponto a sanguinolência já pairava sobre o azulão.

No início dos anos 1990 e começo dos 2000, os quadrinhos entraram em uma era dedicada a atualizar os super-heróis. Com foco em histórias mais maduras, tornou-se comum adicionar “seriedade” aos enredos em uma tentativa de distanciá-los da visão infantil que se tinha do gênero. Ao mesmo tempo, se popularizaram tramas que propunham esta modernização fora dos universos de DC e Marvel.
O resultado foi o surgimento de títulos autorais como The Authority, Invencível e The Boys. Cada uma à sua maneira, essas HQs buscavam dar um novo fôlego aos heróis. Com temáticas e objetivos diferentes, as três citadas — como muitas outras desse período — tinham em comum a violência e a presença de um Superman maligno ou, pelo menos, propenso à violência. Isso porque construir figuras como Apolo, Omni-Man e Capitão Pátria é uma escolha bastante óbvia para histórias que trazem versões alternativas de heróis já conhecidos.
Por outro lado, essas HQs também serviam ao propósito de retirar o idealismo e a ingenuidade característicos do Homem de Aço original. Por que um ser com poderes quase divinos ficaria do lado dos humanos ao invés de colocar o mundo a seus pés?
Não à toa começaram a surgir HQs cujo foco é exatamente este. Imperdoável, de 2009, imagina o que aconteceria com o mundo se seu maior herói simplesmente se tornasse maligno e dedicado a destruir o planeta.

Todos os quadrinhos citados acima fizeram sucesso com o público, receberam indicações a premiações e algumas delas até foram adaptadas para outras mídias. Sendo assim, pareceu um passo natural para a DC surfar nesta onda com o Superman original, deixando ele marrento e até violento. Afinal de contas, se deu certo na concorrência, por que não fazer igual?
Porque nenhum deles é o Superman de verdade, oras.
O que faz um Superman?
Veja bem, o Superman tem uma importância histórica enorme por ser o primeiro super-herói nos moldes como conhecemos hoje. Criado na década de 1938 como resposta de dois garotos judeus pobres a um contexto deprimente após a Grande Depressão, o herói se tornou ponto central do que viria ser o Universo DC.
De lá para cá, Clark Kent virou um símbolo de esperança e empatia que se impõe mais pelos valores do que por seus poderes sobre-humanos. De certa forma, ele virou uma espécie de bússola moral desse mundo povoado por heróis e vilões. Algumas de suas HQs mais celebradas, como O Que Aconteceu ao Homem de Aço, Reino do Amanhã e Grandes Astros: Superman discutem exatamente essa influência que Kal-El passou a exercer no mundo à sua volta.

Por conta disso, é no mínimo estranho que o Superman simplesmente passe a matar e fazer justiça com as próprias mãos. Mais do que lutar contra Lex Luthors e Apocalipses, o grande conflito do personagem sempre foi interno, por ter poder o bastante para colocar a raça humana de joelhos, mas optar por não fazê-lo.
Já personagens, como Omni-Man, Capitão Pátria e os outros citados acima funcionam justamente por não serem esse símbolo construído ao longo de décadas. Eles incorporam sim a figura quase divina do Superman, mas estão inseridos em mundos e contextos completamente diferentes.
Isso não significa que essa versão mais sombria do Superman não tenha seus fãs. Não é incomum ouvir relatos de pessoas que passaram a gostar mais da versão dos cinemas ou de Injustice, justamente por tirar o lado puro do herói. Afinal, tornar o personagem uma bússola moral de seu universo também faz com que ele seja visto como chato ou moralista.
No entanto, não é mudando radicalmente a essência do personagem que se desconstrói essa imagem. Grandes quadrinhos do Superman tocam justamente nesta questão ao propor conflitos urgentes e angustiantes sem trair os ideais e valores construídos nos últimos anos. De clássicos como Para o Homem que Tem Tudo..., até histórias mais recentes como Para o Alto e Avante, é possível encontrar uma maturidade que não é vista nas histórias que só têm sangue e tripas ao seu favor.

É claro que dá para agradar ambos os públicos, o que a DC tenta fazer nos últimos tempos. Não à toa Injustice ganhou uma sequência nos games, vários quadrinhos e está prestes a virar um filme animado. Por outro lado, falta à editora coragem para retomar o lado mais otimista e esperançoso do personagem, que parece ter voltado a ganhar espaço nas HQs e mais recentemente na série Superman & Lois.
Sendo um personagem que passa pela mão de diferentes criadores, é pouco provável que o Superman ganhe uma versão absoluta. Resta ao público escolher seu favorito e manter vivo o debate sobre qual é a melhor e mais aceita. Na dúvida, eu estou com Grant Morrison.