Passando por uma era de ouro, com boa variedade de indies e títulos blockbuster, os games de horror andam explorando um campo notoriamente desafiador: o multiplayer. Há certa noção de que ter outros jogadores ao seu lado pode diluir a tensão da experiência, já que ter alguém com quem conversar e descontrair tira a mente do estado de desconfiança.
De Lethal Company a Texas Chain Saw Massacre, há títulos o bastante que desafiam essa ideia. Agora, The Outlast Trials chega para reforçar o coro e enterrar de vez essa concepção, com um jogo cooperativo que consegue ser tão intenso, violento e aterrorizante quanto as experiências single-player da franquia.
O novo game volta para a década de 1950, quase 60 anos antes dos eventos de Outlast (2013), e incorpora macabros eventos reais em sua premissa ao colocar os jogadores no centro do infame Projeto MK Ultra, o bizarro e desumano programa de experiências ilegais conduzido pela CIA, com o objetivo de testar — e ultrapassar — os limites da capacidade humana. Na vida real, diversas cobaias foram sujeitas a privação de sono, drogas psicodélicas experimentais, tentativas de controle mental e muitos outros horrores.
Na trama, a Corporação Murkoff, grande antagonista da franquia, é aliada do governo norte-americano, e conduz testes intrusivos e perturbadores em cobaias que não sabiam no que estavam se metendo — e os jogadores assumem justamente esse papel. Cada partida, então, toma a forma de um experimento, com objetivos e perigos diferentes, mas sempre com a finalidade de ser uma provação física e mental, que pode ser encarada sozinho ou em grupos de quatro.
Uma jornada impiedosa e assustadora

A abordagem sinistra se mantém durante todo o jogo. Assim como nos jogos single-player da franquia, a desenvolvedora Red Barrels demonstra que domina o equilíbrio entre violência gráfica, de embrulhar o estômago e fechar os olhos, com sufocantes perseguições e silêncios desconfortáveis. Se aventurar pelas fases nada mais é do que um teste de sobrevivência aos perigos e resistência aos horrores explícitos.
Como uma cobaia de uma “terapia experimental”, o jogador precisa encarar uma série de Experimentos, ou seja, partidas que consistem em entrar uma locação com um objetivo determinado, encontrar uma forma de concluir em meio às ameaças, armadilhas e falta de recursos, e então escapar com vida. Ao todo, o “tratamento” conta com cinco capítulos, cada um com objetivos crescentes em quantidade e dificuldade.
Toda partida é repleta de agravantes que complicam a realização da missão. Você começa em uma área remota do mapa e precisa encontrar o caminho até o objetivo, ao mesmo tempo que se mantém alerta para perigos, como armadilhas em portas, barulhentos cacos de vidro no chão, e cobaias insanas que te atacarão se passar muito perto delas.

A luta pela sobrevivência consiste em explorar o mapa rapidamente, mas sempre com atenção e furtividade, para não cair em furadas e nem correr riscos indesejados. Ao ficar muito tempo em uma única partida, uma sirene toca e um médico maníaco é liberado no mapa, te perseguindo com o objetivo de inserir substâncias tóxicas que ativam sua psicopatia, e te fazem ver assombrações cada vez mais reais (e violentas) até que encontre um antídoto.
Há uma grande variedade de itens espalhados pelos mapas, que vão de remédios e baterias para o óculos de visão noturna, até gazuas para arrombar armários trancados, ou tijolos e garrafas para tentar se defender — ainda que as “armas” apenas causem meros segundos de atordoamento aos inimigos. O inventário consiste em apenas três espaços para itens, o que significa que você sempre estará correndo atrás de equipamentos para cada situação.

E jogar em coop não diminui a tensão das coisas. O grupo é útil para se espalhar pelo mapa e completar objetivos com mais rapidez, mas também representa mais gente para alertar inimigos, cair em armadilhas, fazer barulho ou para compartilhar os poucos itens encontrados por aí.
Na verdade, a presença de outros jogadores pode até aumentar a diversão sádica da coisa, já que é possível jogar os outros ao fogo como distração para concluir a missão. E a recomendação máxima é usar o próprio chat do jogo, que funciona por proximidade. Quando se está na mesma sala que os demais, o som é limpo e claro, mas basta se distanciar que a comunicação acontece por um walkie talkie bastante datado, sujeito a distorção e intensidade do sinal.
Derivado competente

Assim como muitos jogos multiplayer atuais, o game sofre um pouco com a falta de conteúdo. Há apenas cinco mapas, sendo um por capítulo, e por mais que a dinâmica seja imprevisível e variada a cada partida, é um pouco cansativo a impressão de jogar a mesma fase várias vezes para avançar.
Além disso, o objetivo final de cada capítulo sempre é uma versão avançada da primeira missão, com variantes como “Armadilhas em Excesso”, “Inimigos Redobrados” e afins, para intensificar ainda mais as coisas. O próprio jogo chama isso de Exame, como se fosse uma prova escolar para passar de ano. É uma abordagem que lembra muito a franquia Hitman, que é feita sob medida para que cada fase seja rejogada várias vezes, mas que pode sim transmitir a sensação de que o pouco conteúdo do jogo está sendo reciclado.
Mesmo assim, é bom pontuar que as fases, no geral, são ótimas. Os mapas são grandes, mas com design denso, como um labirinto cheio de becos sem saída, portas trancadas, armadilhas e afins. Com cenários mundanos recriados dentro do bunker metálico da Instalação Murkoff, povoados por manequins, paredes falsas e cadáveres em posições horrorizantes, a infusão de estética retrô com sanguinolência trazem à mente a saga BioShock, o que sempre é grande elogio.

Mesmo quando lançou a saga, lá em 2013, a Red Barrels já demonstrava visão confiante de uma experiência de horror sádica e sangrenta, mas com a tensão de um found footage e trama com pegada de conspiração. Os desenvolvedores agora comprovam que conseguem tirar isso de letra até em um ambiente multiplayer. Se você sente falta de um novo título da série, já que o último jogo saiu em 2017, não pule The Outlast Trials por achar que é como uma imitação barata de Dead by Daylight ou algo assim. É uma experiência com personalidade própria e com a essência da franquia, em toda sua glória sanguinolenta.
The Outlast Trials está disponível para PC, Xbox One, PlayStation 4, Xbox Series X | S e PlayStation 5. A review foi feita com base na versão de PC, cedida pela desenvolvedora.
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