Em 2004, quando a Pixar lançou o primeiro Os Incríveis, os filmes de super-heróis não tinham o mesmo alcance que possuem hoje em dia. Felizmente, Os Incríveis 2, novo longa do estúdio, entende todas as mudanças que o gênero sofreu na última década, sabendo exatamente o que pode (e deve) transformar em piada e, principalmente, sabendo como usar os elementos fantasiosos desse tipo de história como gancho para discutir temas relevantes e contemporâneos.
Nesse sentido, Os Incríveis 2 explora a fragilidade do ideal de masculinidade. No longa, o Senhor Incrível precisa cuidar de Violeta, Flecha e Zezé enquanto a Mulher-Elástico se torna o principal rosto de uma iniciativa para tornar os heróis populares novamente. No decorrer de todo o filme, o Senhor Incrível está em um estado de constante conflito interno, acreditando sua esposa não é capaz de fazer um trabalho tão bom quanto o que ele poderia fazer. Tudo isso evidencia como o ideal do homem-líder e heroico é completamente retrógrado e ridículo.
Nessas cenas, o roteiro escrito pelo diretor Brad Bird também coloca em xeque os valores tradicionais construídos por séculos nas famílias da sociedade ocidental, questionando se eles possuem, de fato, qualquer tipo de valor, ou se são apenas consequências de uma série de eventos e que acabaram, por diversas razões, sendo aceitos como o “padrão”. A discussão não é explorada com profundidade, já que, apesar de tudo, ainda é um filme feito para o público infantil, mas apresenta elementos suficientes para, ao menos, fazer com que os pequenos (e os adultos também) se questionem e reflitam de alguma maneira sobre o assunto.
Da mesma maneira, Bird insere na animação outro debate que não existia de forma tão extensiva na época do primeiro longa, mas que se tornou relevante de lá para cá: nossa relação com a tecnologia. Incorporada no filme através da figura do vilão Hipnotizador, a discussão vai para além do discurso de que ficamos viciados em telas e deixamos de falar uns com os outros e questiona até que ponto as redes sociais e as grandes corporações do meio digital nos colocam em um estado de conformidade, no qual enxergamos o mundo e a vida através de filtros criados por empresas que, no fim das contas, visam apenas o lucro.
O melhor de tudo é que Os Incríveis 2 faz isso de uma maneira muito leve e bem-humorada, que fica ainda mais engraçada com a dublagem brasileira que insere nos personagens referências que só fazem sentido para quem possui uma certa familiaridade com a nossa própria cultura pop. Nomes como Otaviano Costa (Vídeo Show), Evaristo Costa (Jornal Hoje) e Raul Gil aparecem na versão nacional
Visualmente, a animação é impecável, com a Pixar aplicando ao longa o mesmo primor visto em Viva - A Vida é uma Festa, com cenários quase fotográficos e detalhes altamente trabalhados nos personagens — da textura de uma camisa à barba por fazer do Senhor Incrível, tudo é muito perfeito. A trilha sonora de Michael Giacchino (Up - Altas Aventuras) deixa tudo ainda mais épico, com a música tema tocando em momentos chave e dando uma identidade sonora à família.
O grande trunfo do roteiro é saber que os super-heróis podem ser uma escada para a discussão e reflexão de temas importantes. O lado triste disso é perceber que, em um momento onde os filmes do gênero chegam às telonas quase mensalmente, poucos longas tem a coragem de fazer o que a nova animação da Pixar faz de maneira simples, direta e, acima de tudo, efetiva.