Há 30 anos, o cinema recebeu O Corvo (1994), filme que mergulhou de cabeça na cultura gótica da época para contar uma história sobrenatural de vingança. Seja pela qualidade da produção ou pela trágica história da morte do ator Brandon Lee durante as gravações, é fato que a produção marcou o suficiente para ganhar sequências e derivados que nunca chegaram perto do sucesso original. Uma sina que se repete com a nova versão, que falha em praticamente tudo o que se propõe.
Assim como o filme original, a nova versão de O Corvo também é uma adaptação da HQ criada por James O’Barr, contando a história de Eric (Bill Skarsgard), um homem que volta do além para vingar a própria morte e a da amada Shelley (FKA Twigs). Por essa breve sinopse, é possível identificar os três pilares que sustentam a produção e entender quais são os principais problemas dela.
Em primeiro lugar, há o romance que serve como motor para a jornada. O roteiro de Zach Baylin (Creed III) e William Schneider (Return To Silent Hill) tenta trazer Eric e Shelley para a década de 2020, mas o faz sem um pingo de sinceridade. Há uma tentativa de construir os pombinhos (ou corvinhos?), mas o texto não desenvolve essa dinâmica de forma apropriada.
Os problemas começam mesmo antes de eles se conhecerem, com a produção tornando-os representações genéricas do que os realizadores imaginam que são os ‘jovens descolados e transgressores’ de 2024. Porém, assim que são unidos, tudo acontece rápido demais, de uma forma que fica difícil comprar que uma conexão tão profunda tenha sido feita com tão pouco desenvolvimento.
Não ajuda que todos os diálogos entre o casal são um amontoado de frases de efeito artificiais que ficarão ótimas em vídeos para as redes sociais, mas que se tornam incômodas em um longa-metragem. Ao fim, o que era para ser um encontro de duas almas torturadas mais parece um romance adolescente que tenta comprar a maturidade na marra, batendo no liquidificador tatuagens, drogas e divagações macabras de boteco.
Tal problema não é salvo nem mesmo pelas atuações de Bill Skarsgard e FKA Twigs. A dupla até demonstra certa química, mas a natureza rasa e repetitiva do relacionamento faz com que seja muito difícil de comprar que estamos diante do romance de uma vida. Essa dificuldade não só torna o primeiro ato lento, como mina todo o desenvolvimento do projeto, que justifica tudo o que acontece a seguir com uma paixão nunca concretizada em tela.
Isso nos leva ao segundo atrativo de O Corvo: o sobrenatural. O conceito de um morto que retorna ao mundo dos vivos para assombrar não era exatamente uma novidade em 1994, e continua não sendo hoje. Porém, a nova produção peca ao tornar essa parte desinteressante.
A natureza do retorno de Eric ao mundo dos vivos, suas novas habilidades e afins surgem com uma bem-vinda aura de mistério que é gradualmente diluída por uma abordagem pouco inspirada. A cada nova peça, o quebra-cabeças se torna mais enfadonho e, por que não, confuso – um feito e tanto para uma dinâmica relativamente simples, mas que a equipe tenta complicar para parecer mais inteligente do que realmente é.
No fim, o que resta ao longa é a ação, e mesmo esse quesito é inconsistente. É clara a intenção de aproximar o título de franquias atuais como John Wick, Atômica e afins – o que ganha vida até mesmo na atmosfera, que é mais um frenesi neon do que um pesadelo gótico. Essa aspiração ganha vazão nos momentos mais caprichados da produção, como a matança do clímax ou a perseguição em alta velocidade.
Esses são os raros casos em que a direção de Rupert Sanders (A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell) traz algo interessante para a mistura. Nas demais ocasiões, incluindo momentos-chave para o andamento da história, a ação não empolga e o suspense não gera tensão, fazendo com que a experiência toda seja tão inofensiva que nem os requintes de gore são capazes de contornar.
No fim das contas, O Corvo não marca o retorno da franquia aos bons dias. Na verdade, é um fracasso que trai até mesmo a natureza desse universo sombrio e melancólico. Enquanto o herói da HQ e do primeiro filme retornou para acertar as contas, o novo longa faz o caminho contrário e prova que, em alguns casos, é melhor deixar algumas coisas como estão.
O Corvo está em cartaz nos cinemas do Brasil.