A essa altura, já ficou bem claro que o coreano Bong Joon Ho odeia o capitalismo, e não é exatamente discreto quanto a isso. De diversas formas, o cineasta encaixa o mote em praticamente toda a filmografia, desde a distopia de Expresso do Amanhã (2013) à sutil e genial mistura de gêneros de Parasita (2019), que o estabeleceu de vez no panteão dos grandes cineastas ao tascar, de uma vez só, o Oscar de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Direção.
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Se o até então último projeto do diretor conquistou plateias no mundo todo pela maestria com que dominava drama, suspense e até comédia em partes iguais, seu grande retorno à telona, Mickey 17, já em cartaz nos cinemas é Bong Joon Ho com todos os esteroides possíveis, com a sutileza de um elefante raivoso solto em uma loja de cristais. E, talvez por isso, seja tão genial quanto.
A trama acompanha a jornada do personagem de mesmo nome, vivido por Robert Pattinson. Numa sociedade futurista, o rapaz se alista numa expedição espacial como “descartável”, alguém que servirá de bucha de canhão para perigosas missões fora da Terra, sem qualquer cerimônia para morrer das formas mais brutais possíveis, já que receberá uma cópia perfeita do próprio corpo e consciência logo depois (daí o 17, indicando qual a versão "atual" do descartável).
Quem está familiarizado com O Expresso do Amanhã pode perceber uma certa semelhança entre a divisão de classes nos dois filmes. Se, no primeiro, ricos e pobres eram divididos entre vagões do trem titular, aqui, há uma clara distinção entre os aposentos do proletariado e do bilionário Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), figura-chave da expedição, na imensa nave espacial que recebe boa parte da ação.

Descrito como um político fracassado, mas um empresário bem-sucedido, Ruffalo não economiza na postura messiânica e populista ao construir o personagem, tomando para si até o gestual e maneirismos de fala inconfundíveis do atual presidente estadunidense Donald Trump.
A imitação poderia soar piegas e caricata, se a comédia escrachada não fosse um dos trunfos de Mickey 17 desde o início. Afinal, quem disse que a crítica social f*da não pode ser também absurdamente divertida?
E é aí que entra Robert Pattinson, divertidíssimo como o personagem titular e suas dezenas de “variantes”. O astro de Batman (2022) e Crepúsculo (2008) já provou que é um dos grandes atores da atualidade, mas é sempre um prazer vê-lo se desafiando ainda mais, e sempre tomando caminhos interessantes do que se espera da carreira como galã.
Como Mickey 17, o “Mickey principal”, o astro leva à tela um autêntico banana, inocente e estabanado, mas de bom coração, que logo percebe a trapalhada em que se meteu, mas que não vê maneira alguma de escapar da própria condição. É a chance para Pattinson brilhar não só com o carisma, mas com uma impressionante dose de humor corporal, especialmente em várias das absurdamente divertidas mortes de Mickey.
O trabalho do ator impressiona pelo gestual contido e quase amedrontado a todo momento, como até na maneira de falar, que exprime toda a inocência do personagem, especialmente quando contrastado contra si mesmo.

Isso porque, é claro, uma hora Mickey morre e é reimpresso tantas vezes que, por acidente, acaba ganhando uma nova cópia, o Mickey 18, mesmo sem ter morrido pra valer.
O impasse dos dois é mais um elemento cômico da trama, e também serve para Robert Pattinson exprimir um outro lado exatamente oposto de si, mais confiante, assertivo e dominante.
Bravo mundo novo (ou não)
Se a própria premissa de uma pessoa ter como “emprego” a experiência de sofrer as mortes mais cruéis possíveis para “ajudar” a humanidade não é explícita o suficiente, Bong Joon Ho não economiza em elementos que deixam extremamente claro qual é a crítica sendo feita.
Isso vai desde detalhes relativamente pequenos, como a já citada direção de arte dos cenários espaciais, até tapas na cara impossíveis de ignorar, como o plano do bilionário Marshall de “povoar o novo planeta com uma raça pura”.
Tudo isso chega embalado numa capa de ficção-científica, que até já vinha sendo explorada por Bong Joon Ho em obras como Okja (2017), mas que agora representa um mergulho total do cineasta num novo gênero.
Embora sirva mais como uma extrapolação da metáfora sobre as relações de classe dos tempos atuais, o gênero é tratado com respeito por Bong Joon Ho, que sucede em apresentar uma história envolvente mesmo nas camadas mais superficiais, como uma eficiente e charmosa aventura sci-fi, ainda que esteja LONGE de ser só isso.

Nesse sentido, quem espera um novo Parasita pode se decepcionar com a história relativamente mais simples e escrachada, sem grandes reviravoltas ou desdobramentos, mas que não seja dito que Bong Joon Ho não é firme em suas convicções, seja em qual gênero for.
Com Mickey 17, o cineasta vai ao espaço provar, mais uma vez, que o sistema está ferrando com todo mundo, e infelizmente não vai melhorar muito não.
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