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Conversamos com Quentin Tarantino
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Conversamos com Quentin Tarantino

Diretor falou sobre a carreira, aposentadoria e seu mais novo longa, Os Oito Odiados

Marina Val
Marina Val
29.dez.15 às 16h03
Atualizado há mais de 9 anos
Conversamos com Quentin Tarantino

Durante o mês de novembro, Quentin Tarantino começou a sua Turnê de lançamento de Os Oito Odiados, e durante a visita a São Paulo, tivemos a oportunidade de participar de uma mesa redonda com o diretor e perguntar sobre o longa.

Durante a conversa, o diretor abordou alguns eventos que acontecem com alguns dos personagens, mas não cita exatamente como aquilo aconteceu ou com quem ocorreu, então mesmo que você não tenha assistido ao filme, pode ler sem receios.

Em Os Oito Odiados, o diretor usa de uma estrutura que tem tons familiares, mas um pouco mais polida do que seus filmes anteriores e com tons mais teatrais e que também tem correlação com eventos que estamos vendo atualmente.

Construção da tensão

Na conversa, Tarantino falou um pouco sobre elementos que ele busca em seus roteiros e sobre como pensou na estruturação de Os Oito Odiados.

“Sabe, eu não estou 100% certo de como faço pra criar esse tipo de tensão, mas parece ser um talento que desenvolvi ao longo do tempo. Porém, eu de fato comecei a criar algumas teorias sobre como isso funciona na época em que fiz Bastardos Inglórios, porque tem algumas sequências nesse filme bastante relevantes: a introdução, na casa da fazenda, com as pessoas no porão – e a cena do restaurante, a que tem os Bastardos, os Nazis, e o cara da Gestapo. Com isso em mente, respondendo a pergunta: é algo que eu tento fazer com a cena ainda no papel.”

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“Se eu consigo criar essa atmosfera no papel, então eu vou conseguir criar durante o processo de direção e filmagem. Eu não fazia ideia, por exemplo, de que a cena de introdução de Bastardos duraria 20 minutos. Eu apenas continuei escrevendo, e o texto foi se sustentando. E é por isso que eu gosto de pensar nessas sequências de suspense como um elástico: você vai esticando cada vez mais, sem pensar num limite de tempo. Se você conseguir sustentar por 5 ou 6 minutos, está ótimo – mas se você conseguir esticar por 20 minutos, é ainda melhor! Você não pode quebrar a tensão de jeito nenhum, e quanto mais você conseguir esticar o elástico, mais a cena se sustenta.”

“Me lembro de quando escrevi aquela cena do porão de Bastardos Inglórios, e eu só conseguia pensar: “Jesus, isso é muito longo! Será que a audiência vai gostar disso? Eu acho que funciona, porém, eu gosto disso!” – e no final das contas, sempre me vejo perguntando se sou apenas eu quem estou gostando daquilo, ou se é algo que a audiência gostaria, e nesse ritmo escrevo o filme inteiro. No final das contas, a primeira metade do filme acaba sendo sobre esticar cada vez mais o elástico, e a segunda metade é o momento em que ele estoura.”

Sobre os flashbacks que são recorrentes em seus filmes, Tarantino declarou que em Os Oito Odiados ele os enxerga de uma maneira diferente.

“Eu não vejo eles como flashbacks, por causa do conceito de divisão em capítulos. É como se um capítulo de um livro se passasse em um momento mais cedo dentro da linha do tempo da história. Não é exatamente um flashback, é apenas a maneira do autor mostrar as informações. Mas isso acaba funcionando muito diferente do conceito do elástico, porque o motivo do elástico funcionar tão bem é justamente o fato de que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer quando ele estourar – enquanto que, em cenas como essas, quando você está prestando atenção no filme, você sabe que está apenas aguardando o inevitável. Digo, tem aquele momento do capítulo em que você vê a menina depenando a galinha, a Minnie, e o condutor da carruagem mais jovem. Se eu estiver fazendo meu trabalho direito, você deve estar num estado como “Meu deus!”, porque você percebe que aquelas pessoas todas vão morrer. E você percebe, de repente, que você sabe muito mais do que achava saber. E tem também o elemento de mistério, que gira em torno do fato de eu estar constantemente te dando pistas, ao mesmo tempo em que você não sabe exatamente que são pistas e acaba mais ou menos conferindo elas conforme assiste o capítulo. 'Ah, é aquela galinha!'. 'Ah, então foi isso que aconteceu com a porta'. 'Ah, então é por causa disso que tem aquela jujuba'.”

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Improvisos durante as filmagens

Apesar do roteiro bem estruturado e acidentalmente familiar, Tarantino deve de, de certa forma, improvisar durante as gravações.

“Sabe, as coisas não eram bem assim quando eu comecei a colocar as ideias no papel, justamente pelo fato de que os dois primeiros capítulos se passam na carruagem. Eu não sabia onde eu queria chegar com essa produção – enquanto eu tinha certeza disso quando escrevi Cães de Aluguel. Eu sabia apenas que eles iam chegar em um abrigo e que haveria algum personagem esperando por eles. Eu não sabia exatamente quem seria esse personagem, e nem quais seriam os vilões. Então as coisas da carruagem eram as coisas da carruagem apenas, até o momento em que eles chegam na Minnie, e aí de repente me ocorre que ‘Uau, isso é tipo um Cães de Aluguel no faroeste!’, e eu realmente não tive nenhum problema com isso. Na verdade, a ideia de uma versão faroeste de Cães de Aluguel parecia muito boa! Mas tentei colocar na cabeça que eu não estava simplesmente fazendo Cães de Aluguel – mesmo que no final das contas as semelhanças sejam impossíveis de ignorar, ao menos em termos de estrutura narrativa. Cães de Aluguel começa com eles no carro, e os Oito Odiados começa com eles em uma carruagem. Em ambos, eles chegam a um local, e ninguém confia em ninguém, e a paranoia começa a ricochetear pra todos os lados, e de repente, chega um capítulo antes do final explicando tudo. Enfim, eu não quis de forma alguma copiar a estrutura de Cães de Aluguel, mas acabou acontecendo. E eu não tive problema nenhum com isso.”

 “Bom, as cenas em lugares fechados foram as mais fáceis na maior parte do tempo, porque nesse caso se trata apenas de interpretação e material de diálogo – e havíamos ensaiado muito pra essa produção, e tivemos até mesmo uma releitura do script antes de começarmos a gravar esse filme na frente de outras pessoas – e eu ensaiei pra essa leitura também. Então, ensaiamos mais, por duas semanas e meia, quase três semanas. Quando chegou a hora de fazer os diálogos de verdade, foi realmente muito fácil, porque todos os atores sabiam absolutamente tudo. Eles sabiam cada uma das suas falas, e precisavam apenas deixar rolar. Essa foi a parte mais fácil. Bom, na verdade, algumas partes da interpretação, coisas como vomitar sangue, foram realmente mais difíceis de se fazer, porque precisávamos conseguir expressar aquela combinação estranha entre nojento, mas meio engraçado, e não fazer parecer ridículo demais, ao mesmo tempo em que devia ser um pouquinho ridículo. Isso acabou sendo mais complicado que outras coisas.”

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O improviso também afetou as gravações internas e as externas: o clima ditava a agenda e tudo dependia de estar nevando forte ou não para estipular o que seria gravado em um determinado dia.

“Quanto aos espaços abertos: eu nunca tive que lidar muito com o clima – tanto como elemento estético como uma possível complicação. Nesse caso, o clima era um elemento tão presente durante as gravações que se tornou algo que me obrigou a ter que gravar as cenas de um jeito diferente do qual estou acostumado. Normalmente faço muita questão de seguir um padrão do tipo ‘vamos fazer isso, depois isso, e depois aquilo’ – e não podia me dar ao luxo de fazer isso, porque não sabíamos como estaria o tempo três dias antes dele acontecer de fato. Então se eu gravasse uma cena em que a neve estava caindo de um jeito legal, poderia ser que não nevasse daquele jeito ou intensidade por semanas – e eu não poderia fazer outra cena daquelas nesse tempo. Então se fizesse sol, a gente gravava as cenas no Minnie’s. Se o tempo fechasse, então íamos pras cenas da carruagem. O que quer que estivesse acontecendo com o tempo ditava o que iríamos fazer. E bom, enfim, não era difícil, mas era algo totalmente diferente. Um jeito diferente de trabalhar, e definitivamente mais complexo que em espaços fechados.”

Parte desse improviso, no entanto, não soa como um desafio tão novo ao diretor. Em seus roteiros que ele mesmo descreve mais como literários, Tarantino explica como existem coisas que só funcionam no papel e não nas telas.

“Desde Kill Bill, acho que meu trabalho de fato tem se direcionado mais pra algo mais literário, porque tenho me concentrado mais nos diálogos. Sabe, alguns filmes são tão visuais quanto Kill Bill, mas muito menos visionários – no sentido literal de não serem apenas sobre visão, mas sobre as palavras, os personagens, e eu acho que muito provavelmente vão ser os diálogos que criei que vão marcar as pessoas quando eu terminar, ou os personagens que criei e a maneira que eles interpretam esses diálogos na hora em que isso importa. Tem sido um progresso gradual, digo, tenho me tornado cada vez mais consciente sobre meus diálogos, minha escrita, minhas vantagens.”

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“Meus scripts não são diagramas exclusivos sobre como fazer os filmes, mas sim coisas grandes e malucas parecidas com livros que foram escritas na mesma estrutura que uma produção cinematográfica – mas que no final das contas eram apenas livros enormes, e todos tinham sequências enormes que seriam impossíveis de se gravar, embora funcionassem muito bem durante a leitura ou se fossem interpretadas apenas como literatura. Funcionavam bem como uma história escrita, mas o filme não necessariamente precisava de todas elas. Então é como se em ambos os casos eu fosse escrever um livro, e então adaptar esse livro pra filme todos os dias no set de gravação. É um jeito meio maluco de se trabalhar, mas funciona bem pra mim e é um processo, mas consequentemente, quando você lê Django ou Bastardos Inglórios, o que você lê e o que você vê são duas coisas distintas.”

“Mesmo que já exista o script e que tenham amado, eu ainda tenho que fazer o filme. Eu ainda tenho que descobrir coisas, decodificar, decifrar, ver o que importa e o que não importa, e isso é algo que eu vou fazer enquanto crio e enquanto edito tudo. Cortamos algumas coisas, encolhemos outras, e é isso que acontece em filmes. Mas no final das contas, esse material é apenas um material – e não um quebra-cabeças. Qualquer tipo de quebra-cabeças que venha a existir é resolvido pelos atores e pela maneira que eles se relacionam durante os ensaios – e aí sim, nesse caso, o que você assistir vai ser exatamente o resultado que vai ver quando assistir o filme.”

Conversando com os dias de hoje

Os Oito odiados retrata um cenário alguns anos após a Guerra Civil Americana (1965), mas ideias exploradas por Tarantino são contundentes e tem muitas relações com eventos que estão acontecendo atualmente.

“Sabe, é engraçado. Não foi intencional quando eu sentei pra escrever o filme, mas não era algo totalmente alheio a mim. As coisas que estavam acontecendo no mundo começaram a se refletir nas entrelinhas do filme, porque muitos âncoras de jornais americanos estavam dizendo que estamos provavelmente vivendo na época mais dividida desde a guerra civil. Digo, é diferente, mas é uma época bastante dividida, e tem um aspecto americano que realmente não estava tão evidente desde 30 ou 40 anos atrás, com os estados azuis e os estados vermelhos, com os estados vermelhos refletindo valores republicanos, conservadores e mais de direita, enquanto os estados azuis eram democratas, com valores e preocupações mais socialistas e baseados em minorias – enquanto os estados vermelhos são mais preocupados com gente branca, e feitos com pessoas velhas, por tabela. E parece haver uma linha desenhada entre os dois que nenhum dos lados cruzaria – e nenhum dos dois lados consegue se dispor a entender os objetivos do outro, e até mesmo demonizam uns aos outros.”

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“De certa forma, sempre foi assim, mas nunca num grau tão acentuado quanto agora. Mas acho que o que realmente torna esse filme mais político é o fato de que eu, Quentin, estou do lado azul. Eu, Quentin, estou do lado das minorias contra o lado das pessoas velhas e brancas, o lado da supremacia branca. Porém, o Quentin roteirista realmente não estava do lado de ninguém.”

“Eu tive que lidar com cada personagem de maneira diferente, e eu fiquei bastante chocado quando representei o lado confederado com clareza, e quando fui capaz de criar argumentos pra eles que iam muito além do racismo. E me surpreendi, considerei todos os lados. Os confederados e os rebeldes, o equivalente americano dos nazistas, ou até mesmo, enfim, os Cossacos e o Stalinismo. Mas quando Chris Mannix explica o porquê de seu pai ter continuado em frente e pelo que ele lutou quando a guerra civil acabou, era um caso realista e que fazia um pouco de sentido. É algo que não merece simplesmente ser demonizado, e que era um ponto bastante válido. E eu fiquei chocado comigo mesmo quando escrevi isso. Fiquei surpreso de ser um argumento sustentável de um jeito ou de outro.”

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“E bom, consequentemente, sobre a coisa de Ferguson: eu sei bem do lado de quem eu estou. Eu não estou do lado do Darren Wilson, e estou definitivamente do lado do Michael Brown, e estou definitivamente também do lado das pessoas que organizaram uma revolta por lá (putz, acho que na verdade quem fez isso foram os policiais) – digo, as pessoas que protestaram. Mas de qualquer maneira, o discurso do Oswaldo sobre justiça seria muito mais relacionado ao lado da polícia em um assunto como esse. As pessoas da cidade queriam sangue, mas sangue não é o certo. Justiça e responsabilidade sim, são a coisa certa. E eu acredito no que o Oswaldo diz sobre justiça ser feita sem muito fervor. A raiva pode levar a muitas coisas, mas não à justiça. Enfim, pensando dessa forma, é isso que torna o filme bastante político. Os dois lados são tratados de maneira justa, bem ao contrário de uma polêmica política de verdade, e é nessa tecla que eu bato o filme inteiro.”

Tarantino também entrou na questão do fim de sua carreira como diretor quando completar a marca de 10 filmes, mas deixou bem claro que ainda veremos a participação dele em trabalhos criativos de outras maneiras.

“Bom, eu geralmente levo em torno de três anos pra fazer um filme, então ainda tem bastante tempo pela frente! Mesmo assim, quando eu falo de me aposentar, não significa que vou simplesmente parar com tudo e ficar cuidando do jardim e pescando. Só não vou querer fazer filmes de gente velha. Vou escrever romances, ou roteiros de teatro, ou dirigir teatro, e todo o meu trabalho criativo continua. Mas como eu disse, como eu tenho dado um aspecto mais literário ao meu trabalho, tudo isso é apenas uma maneira de continuar seguindo nesse caminho. Eu sou protecionista e fetichista demais com a minha filmografia, e eu não quero chegar naquele ponto de ‘ah sim, ele COSTUMAVA ser bom, mas aí ele envelheceu’. Não quero isso. Eu gosto de tomar o comando das coisas, e gosto mais ainda de pensar que eu vou segurar vocês todos só mais um pouquinho, pra então sair de cena antes que baixem as cortinas.”

Os Oito Odiados estreia no Brasil em 7 de janeiro de 2016 e a pré-estreia acontece em 1º janeiro. Confira aqui a lista de cidades e cinemas onde haverá pré-estreia.

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