Considerados fundamentais para apresentar um filme ao público, os cartazes se tornaram tópico de intermináveis discussões entre os fãs de cinema. Há anos o público debate sobre a qualidade dos pôsteres de grandes lançamentos, que muitas vezes se tornam alvo de críticas por trazer imagens pouco inspiradas que não atendem à expectativa de um projeto muito aguardado.
Não é preciso ir muito longe para pensar em exemplos de imagens ruins. Um dos filmes mais aguardados dos últimos anos, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021) foi apontado como dono de alguns dos cartazes menos criativos entre os grandes lançamentos de Hollywood.

O interessante sobre esse debate é perceber como o pôster pode se tornar complexo, já que essas peças são o resultado final do trabalho de um time de profissionais que precisam conciliar interesses artísticos e financeiros para promover uma obra e se comunicar com o público.
Para montar esse quebra-cabeças e entender objetivo e processo de criação dos cartazes,o Nerdbunker conversou com Eduardo Vilela, designer responsável por produzir artes de grandes filmes nacionais como Tropa de Elite, Bingo: O Rei das Manhãs, Turma da Mônica: Lições e mais.

Para que serve um cartaz?
Antes de mais nada é importante entender o que é um cartaz. Essa definição pode parecer fácil, como afirma o próprio Eduardo Vilela. Segundo o artista, em primeiro lugar ele “serve como capa do filme”, mas não para por aí:
“O segundo é o marketing para gerar curiosidade e levar as pessoas para o cinema. O terceiro é dizer qual é a do filme, precisa explicar se é romântico, comédia, drama. É um trabalho complexo porque tem que ser visualmente belo, vender o filme, contar um pouco da história… É uma peça bem complicada.”
Nesse ponto, é importante entender que o pôster não é uma obra puramente estética. Com uma função bem definida, no caso a de vender um filme para o público, por vezes as imagens obedecem critérios que estão mais ligados ao marketing do que à arte em si:
“Na minha cabeça é o seguinte: arte é uma coisa e marketing é outra. A arte existe por ela própria, design tem que ter uma função. É óbvio que você pode trabalhar o design com arte, mas ele precisa ter uma finalidade. Quando vou criar, meu processo é menos artístico e mais vendedor. Preciso agradar um cliente que quer sim receber um material bonito, mas quer primeiro vender o filme, e há certos parâmetros de venda que brigam com a arte. Muitas vezes tenho que abrir mão do artístico para fazer um cartaz mais vendedor.”
Se equilibrando entre os interesses artísticos e mercadológicos, o designer ainda lida com os diferentes objetivos dos envolvidos na produção do filme. Isso porque os cartazes têm que agradar diretor, produtor e distribuidora. Unidos pela vontade de fazer com que um filme dê certo, cada um deles têm um pensamento diferente quanto ao produto final:
“O diretor quer a peça mais artística possível falando do filme dele. A produtora fica no meio do caminho, quer uma coisa legal e bela, mas também quer que venda porque querem fazer outro filme. E a distribuidora não está nem aí, ela quer um cartaz bonito, mas com foco na venda, porque precisa vender ingresso. É uma guerra na hora de fazer cartaz, porque você tem que agradar as três pessoas. É quase uma reunião de condomínio com todo mundo palpitando (risos).”
Como se faz um cartaz?
Tendo em mente essa delicada missão de balancear diferentes visões na missão de apresentar o filme e vender ingressos, o processo começa ainda nos estágios iniciais da produção. Eduardo Vilela explica que há diferentes formas de criar um pôster, mas o processo mais comum começa na leitura do roteiro:
“Recebo o roteiro, leio todo para conhecer a história e apresento conceitos para a criação. É como se fosse um rascunho, e dentro da ideia o cliente escolhe algumas ideias – porque nunca é uma só. A gente faz algumas ideias e aí vai fotografar os atores em cima dessas ideias que eu apresentei.”
As fotos precisam ser feitas ainda durante a filmagem para que os atores não se descaracterizem, já que os intérpretes costumam mudar de visual entre projetos – é só lembrar que Liga da Justiça (2016) passou por refilmagens e teve que apagar digitalmente o bigode que o ator Henry Cavill estava cultivando por causa de Missão: Impossível - Efeito Fallout (2018).
“As gravações são curtas, então é um corre-corre. Às vezes o cara está dando um tempo entre uma cena e outra e a gente pega ele para fazer a foto. Teve uma vez um filme que fiz com o Fábio Porchat que a gente pegou ele indo ao banheiro. Falamos assim ‘po, cara, dá para parar aqui?’. A gente fez a foto no corredor que ia para o banheiro, e aí os atores que passavam, a gente já aproveitava para tirar fotos.”

Com as fotos em mãos, o designer pode executar as ideias combinadas com os clientes, produtora ou distribuidora. A partir daí começam a surgir algumas das maiores diferenças entre o mercado brasileiro e o americano. Vilela afirma que enquanto Hollywood produz vários cartazes para cada filme, a produção no nosso país é mais enxuta:
“No Brasil a gente não tem muito isso, tem que fazer direto o que vai ficar na porta do cinema, então obrigatoriamente ele precisa ser um pouco mais vendedor. E quando você tenta ser um pouco mais vendedor, você acaba abrindo mão da arte. Mas a minha guerra vai ser sempre essa, uma luta entre o vendedor e o artístico.”

Os perrengues do designer
Quando os chamados “cartazes feios” são divulgados, uma parte do público corre para culpar o designer. Na opinião de Eduardo Vilela, não é bem por aí:
“É uma roda gigantesca cheia de gente apitando e apontando, às vezes o designer é o menos culpado. E não é que eu estou querendo me defender não é que são muitas pessoas decidindo, as vezes o prazo aperta…Também não estou abrindo mão da culpa dele não, porque designer também pode ser preguiçoso (risos). Pegar a referência e falar ‘opa, vou fazer igual, mas diferente’, também é mais fácil. Mas normalmente também não é culpa do designer. Ele é meio vítima nessa história.”
Como exemplo dos problemas enfrentados por quem monta os cartazes, o artista relembra alguns dos que ele mesmo enfrentou. Eduardo revela que já teve de descartar um cartaz que já estava pronto e aprovado porque atores envolvidos no filme vetaram. Ele afirma também que já precisou se virar em uma situação em que simplesmente se esqueceram de fotografar os atores:
“Eu já fiz um cartaz com foto de celular, cara. A produtora esqueceu que tinha que fazer foto, pegou o celular, saiu tirando foto e me mandou (risos).”
Segundo ele, alguns dos episódios mais tristes foram aqueles em que a produtora considerou o cartaz bom até demais:
“Isso é do sistema. Eu fiz o cartaz de um filme que a produtora falou para mim ‘cara, esse cartaz está muito lindo, mas não é para aqui. Precisa fazer diferente’. Dói o coração escutar isso, que seu trabalho está maravilhoso mas que não é para o nosso público”.
Esse tipo de decisão acontece por diferentes razões. Assim como os filmes, os cartazes são planejados considerando demografias para melhor se comunicar com determinados públicos – geralmente em busca do maior número possível de grupos para vender mais ingressos.
Não é acaso que os cartazes internacionais, que estampam os filmes em diferentes cantos do mundo, sejam quase sempre os famosos “pôsteres de cabeça”. Esse é o apelido das imagens que simplesmente reúnem os atores em uma composição pouco inspirada cujo principal objetivo é usar o elenco de peso para chamar o público aos cinemas.

Apesar de chamarem a atenção do público, os cartazes menos inspirados não são regra. Graças ao esforço de designers, estúdios, produtoras e distribuidoras, a arte de produzir pôsteres belos e conceituais não ficou no passado. Mas para isso, é importante assegurar que as partes envolvidas tenham condições de executar um belo trabalho. Caso contrário, é capaz que a imagem sirva para ilustrar a eterna discussão sobre a beleza dessas imagens.