Ruptura é a melhor série de TV no ar atualmente? Pergunta difícil, afinal, cada um tem o próprio gosto. E, apesar do que as vozes fervorosas da internet acreditam, não existe unanimidade quando se trata de algo subjetivo. Mas o que até o mais cético espectador há de concordar é que Ruptura é uma das séries mais corajosas no ar atualmente, e os novos episódios são provas disso.
Com muito mais olhos atentos, após o sucesso da primeira temporada e uma longa espera de três anos, seria cômodo para os produtores Dan Erickson, Ben Stiller e companhia jogarem no fácil. Mas, em vez de apostar nos caminhos já estabelecidos pelos episódios anteriores, Ruptura segue regras próprias, optando por um grande dedo do meio na cara do público. No melhor sentido possível.
Isso porque a série não só não busca saídas fáceis, como tem prazer em brincar com frustrações, e subverter o que de alguma forma pode ser chamado de “satisfação”.
Afinal, sim, a segunda temporada traz respostas para muitas das questões que queimaram os neurônios do público há três anos. Mas tais soluções quase nunca vêm quando ou como se espera, e podem ser a porta para um labirinto ainda maior de novas perguntas.
Retomando a trama exatamente após o final climático da temporada anterior, o segundo ano larga com uma “missão principal” em mente. Mark S (Adam Scott) descobriu que a esposa, Gemma (Dichen Lachman), está viva e presa nos corredores da Lumon, e precisa se virar para reencontrar a amada, ao mesmo tempo em que desenrola mais mistérios da empresa.

A tentativa de resgate de Gemma é o fio condutor da nova trama, e se desdobra em sequências que expandem a discussão existencial abordada primorosamente no primeiro ano, com um foco maior na dualidade de internos e externos.
Para isso, a segunda temporada traz uma bem-vinda expansão de escopo, ao permitir que coadjuvantes como Irving (John Turturro) e, especialmente, Dylan (Zach Cherry) brilhem fora dos frios corredores da Lumon, em contraste com a primeira temporada, centrada principalmente em Mark.
Ao vermos mais do mundo de fora sob a ótica de outros personagens, Ruptura estabelece um interessante paralelo de que as duas personalidades de cada personagem são diferentes, mas de alguma forma, também complementares.
Não há dúvidas, no entanto, que o rei do show ainda é Adam Scott, que trafega entre as nuances de não apenas um, mas dois personagens incrivelmente complexos, ao ponto até de manipular nossos sentimentos por um Mark ou outro na mera força das expressões.

Internos x externos
Se o lado interno da série mantém (e vai além) o bom nível já estabelecido, os problemas surgem ao lidarmos com a Ruptura externa, já que a temporada não está isenta de imperfeições.
Além do esmero técnico da equipe, a demora pelo novo ano também se explica por uma turbulenta produção, com conflitos entre produtores e roteiristas (saiba mais aqui) que acabam se refletindo no ritmo truncado da temporada.
Apesar da história envolvente, Ruptura derrapa na construção da temporada enquanto obra coesa, optando por vezes por pisar no freio, criando episódios contidos e secundários como o oitavo, “Doce Vitríolo”.
Não que haja problemas em desvios de rota ao longo do caminho, mas trata-se mais de um problema de forma, do que de conteúdo. Se pincelados ao longo dos dez capítulos da trama, os momentos de quebra talvez fossem menos evidentes e, por consequência, mais fluidos.

O mesmo pode-se dizer das dezenas de mistérios da nova trama. Como já citado, não espere respostas simples em Ruptura, e mesmo os momentos que poderiam servir como avanço narrativo acabam subvertidos. É o caso, por exemplo, da trama da reintegração de Mark.
Decidido a recuperar a amada Gemma, o personagem se submete ao processo de união de consciências logo no começo da temporada. Mas o que prometia ser uma virada de chave surpreendente terminou quase como um anticlímax.
As boas notícias são que que, primeiro: até mesmo os desvios aparentemente “desnecessários” da trama foram amarrados num episódio final competente e devastador, e segundo: Ruptura já fez por merecer o voto de confiança do espectador.
Ainda assim, há um ponto de atenção claro que precisa ser trabalhado na já confirmada terceira temporada (saiba mais), já que Ruptura, por vezes, parece querer apresentar mais coisas do que consegue abocanhar.
É curiosa a comparação entre a série da Apple e o fenômeno Lost. Embora as duas sejam tenham como trunfo amontoado de mistérios apresentados ao longo das temporadas, em Ruptura, tudo parece construído não só para o espectador, mas também para os personagens e o mundo que os cerca. Como deveria ser.
Isso porque as revelações nunca parecem gratuitas ou pensadas com o único propósito de manter o espectador atento, mas sim como consequências reais de ações reais que impactam pessoas reais, só que dentro de uma trama fictícia.
Pensando por esse lado, é deliciosamente saudável que exista uma série de sucesso popular sem medo de antagonizar o próprio público, e que até nos deslizes, exibe uma dose de coragem. Indo na contramão de tudo o que se espera, ainda mais depois de um sucesso estrondoso, o novo ano mostra que é muito bom saber o que quer, mas é melhor ainda querer o que não se sabe.

Com um senso estético primoroso, atuações poderosas e, mais importante de tudo, uma trama legitimamente viciante, mesmo após três anos, Ruptura prova que ainda tem muita lenha a queimar, e que venha mais um expediente. Mas, por favor, um pouquinho menos demorado.
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