Foram cinco anos de espera. Quando a SpaceX apresentou o projeto do Falcon Heavy em 2011, com a previsão de lançamento em 2013, tudo parecia muito simples - bastava juntar 3 Falcon 9, “amarrar bem”, e pronto. O problema é que a parte de “amarrar bem” se mostrou muito mais complicada do que parecia. Nos anos seguintes, o foguete passou por muitas mudanças, o núcleo central precisou ser totalmente redesenhado e por três vezes o projeto quase foi abandonado. Sofri e lamentei cada atraso, como uma criança que não aguenta esperar pela noite de natal. Mas 2018 trouxe de presente não só o Falcão Gordo como o carro do espaço. Tal qual uma criança, não pude deixar de acreditar que era pura fantasia. Ali, na minha frente, estava o starman ao som de David Bowie conduzindo um Tesla pelo espaço infinito com a Terra de fundo.
O leitor mais curioso pode estar se perguntando: "Mas o que isso tudo significa?". Bom, não é todo dia que a gente vê o foguete mais poderoso da atualidade fazer seu voo inaugural — e pousar, no processo, com a precisão de um nado sincronizado, os dois foguetes auxiliares. Também não é todo dia que a gente vê um carro no espaço. Mas não, não é apenas pelo show.
O lançamento do Falcon Heavy representa um marco na nova corrida espacial e reacende, de maneira decisiva, a vontade de conquistar a fronteira mais alta.
Tendo o dobro da potência do seu concorrente mais poderoso (o Delta IV Heavy), o Falcão Gordo tem a capacidade de colocar em órbita baixa 64 toneladas de material de uma só vez, ou até 27 T em órbita geoestacionária — na qual os satélites giram na mesma velocidade que a Terra, ficando, portanto, parados no céu, para alguém olhando a partir do nosso planeta. Isso permite lançar diversos satélites “parrudos” em conjunto, ou lançar projetos grandes como um telescópio espacial, naves tripuladas ou módulos inteiros de uma estação espacial em órbitas antes impossíveis. Mais do que isso, o novo foguete pode lançar sondas para qualquer lugar do sistema solar de maneira direta, sem depender de assistência gravitacional no meio do caminho, nem do alinhamento perfeito de vários planetas como foi o caso das Voyagers. Podemos lançar rovers para luas de Júpiter e Saturno e até fazer missões tripuladas para pousar na nossa Lua, caso se realize o reabastecimento em órbita.
Tudo isso já seria motivo para comemorar, mas o significado desse lançamento é ainda mais importante quando atentamos para os foguetes que retornam à Terra. O maior problema da conquista do espaço, desde o início, sempre foi o custo. Também, pudera: cada foguete lançado é completamente descartado. Imagine quanto custaria uma passagem de avião se, a cada voo, o avião inteiro fosse jogado fora?
Elon Musk, quando fundou a SpaceX, teve a visão de mudar isso, de baratear esses custos, fazendo um foguete que pousasse de volta. A ideia de trazer partes do foguete não é nova, mas nunca foi executada de maneira a valer a pena. O próprio Ônibus Espacial era uma nave que conseguia voltar mais ou menos intacta, embora seu tanque principal fosse perdido. Entretanto, a manutenção do Ônibus Espacial para fazer a próxima viagem era tão grande que os custos não estavam compensando, e mesmo assim não ficava perfeito (vide o acidente da Columbia em 2003, que deixou sete mortos).

A SpaceX entendeu que fazer um foguete que pudesse voltar e pousar de pé poderia baratear mais de 10 vezes as viagens espaciais. Fazer isso na prática, entretanto, parecia impossível. Muitos riram da ideia de pousar de pé, de maneira automática, um cilindro de 50 metros de altura (equivalente a um prédio de 16 andares) com apenas 4 metros de diâmetro. É como tentar equilibrar um canudinho de pé numa mesa, um canudinho que está vindo a mais de 7.000km/h caindo de uma altura de 100km. De 2013 a 2016, a SpaceX passou testando e aperfeiçoando a técnica, até que, em 2017, ela se tornou uma realidade.
Para o Falcon Heavy, o desafio agora é pousar três desses cilindros. No voo inaugural de teste, ele conseguiu pousar dois — juntinhos. O terceiro deveria aterrissar numa balsa, porém apenas um dos três motores conseguiu reacender e o núcleo mergulhou no Oceano Atlântico. Não tenho dúvida, porém, que esta falha será resolvida para os próximos voos.
O reaproveitamento dos foguetes de um veículo do porte do Falcon Heavy e a redução de custos em mais de uma ordem de grandeza removem uma enorme barreira e fomentam uma nova corrida espacial. Mais do que isso, a forma nerd e ousada, e por que não dizer “com estilo” da SpaceX, reacende o interesse do público jovem e inspira toda uma geração que não assistiu o “pequeno passo” de Neil Armstrong na Lua.
A transmissão do lançamento do Falcon Heavy contou com mais de 2 milhões de pessoas ao vivo, ficando em segundo lugar na história do YouTube. Esse voo marca uma nova guinada na exploração espacial. A atenção do público e da mídia se voltam novamente para uma nova era que se abre, admiradas com o espetáculo promovido por Elon Musk e seu carro voador, perseguindo seu sonho impossível. Ou, quem sabe, um pouco menos impossível agora.
Roberto “Pena” é físico pela USP, cineasta e acredita que sua vida seja um filme. Se esforça para colocar o máximo possível de cenas na edição final.