A madrugada de hoje passou mais silenciosa quando recebi a notícia da morte do físico Stephen Hawking. Aos 76 anos, o cientista mundialmente conhecido por sua voz metalizada e seus trabalhos sobre buracos negros faleceu em sua casa em Cambridge, nesta quarta-feira, 14 de março.
Diagnosticado aos 21 anos com uma rara doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, Stephen recebeu dos médicos uma previsão de não mais do que três anos de vida. Durante este período, sua condição foi se agravando de maneira severa, levando a perda de movimentos do corpo todo e confinando-o a uma vida na cadeira de rodas. Porém, Stephen Hawking fez questão de frustrar os prognósticos médicos em mais de cinco décadas e, no processo, se tornou um dos maiores cientistas da atualidade, por meio de sua vontade para explicar os mistérios do Universo.
Quando eu tinha 16 anos me deparei com um livro velho e embolorado num sebo de São Paulo. Pra ser honesto, a maioria dos livros ali era do tipo velho e embolorado, mas esse pequeno volume preto, com letras amarelas, me chamou em particular a atenção. Seu título me soava uma piadinha nerd saborosa, ao mesmo tempo que trazia uma ousadia inerente: Uma Breve História do Tempo. Foi com este livro, do tal cientista da cadeira de rodas, que tive contato, pela primeira vez, com o mundo da relatividade e da física quântica, com buracos negros e distorções espaciais, com quarks e Big Bang. Talvez tenha sido este livro que me levou a me interessar por física de verdade – e escolher Física na Fuvest. Foi, também, este livro, que transformou Stephen Hawking num nome tão conhecido entre o público geral.
Além de seu talento extraordinário em explicar para leigos coisas que eram parte apenas do mundo dos físicos mais doidos – trabalho esse que foi ampliado com o lançamento do livro O Universo numa Casca de Noz - Stephen se consagrou como um dos maiores pesquisadores em buracos negros ao modelar as propriedades físicas que estes corpos (que até então eram meras alegorias abstratas) poderiam ter. Em 1974, se aventurando pelos campos da mecânica quântica, propôs que buracos negros poderiam emitir luz e evaporar, fenômeno que ficou conhecido como Radiação Hawking em sua homenagem. Suas contribuições se estenderam para dar corpo às teorias de Big Bang, já que, em última instância, o Big Bang apresentaria uma singularidade assim como o Buraco Negro: Enquanto o B.N. é uma estrela com massa enorme e que não ocupa volume, o B.B. apresenta o próprio tecido do espaço-tempo confinado num tamanho infinitesimal.
Sempre irreverente, era de praxe Stephen fazer apostas com seus colegas pesquisadores durante discussões a respeito de fenômenos físicos ainda não comprovados. Em 1975, ele apostou com Kip Thorne (o mesmo que forneceu consultoria para o filme Interstellar) que buracos negros não existiam. Quinze anos depois ele perdeu a tal disputa depois da confirmação de que Cygnus X-1 era de fato um buraco negro. Embora pareça contraditório, Stephen disse que apostou contra a existência desses objetos como uma forma de “apólice de seguro”: se realmente os B.N. não existissem, grande parte do seu trabalho de vida estaria errado e ele se contentaria em, pelo menos, ganhar a aposta.
Ainda nessa pegada espirituosa, em 2009, decidido a dar mais evidências para sua conjectura de que viagens para o passado seriam impossíveis, Hawking resolveu preparar uma festa aberta a todos, repleta de iguarias e espumante à vontade, mas só avisou publicamente o evento após a data do mesmo. Para um viajante do tempo, não seria difícil voltar ao passado e degustar da grande hospitalidade do anfitrião de voz metalizada, mas, infelizmente, parece que neste dia todos estavam muito ocupados com suas tarefas de viajantes do tempo e ninguém de fato apareceu.
Em alguns dos seus últimos trabalhos acadêmicos, Stephen abordou o “paradoxo da informação do buraco negro”, segundo o qual um B.N. ao evaporar (por meio da radiação Hawking), deveria perder toda a informação a respeito da matéria que caíra em seu interior. Mas isso violaria um dos princípios da física quântica segundo o qual o estado quântico de uma partícula pode ser rastreado em qualquer tempo, e portanto essa informação não poderia ser destruída. Stephen chegou a apostar que a informação seria perdida, mas ele mesmo admitiu estar errado em 2004, quando descobriu um mecanismo pelo qual seria possível preservar essa informação.
É impossível não se sensibilizar diante da trajetória, agora concluída, deste gigante da física e da cosmologia, cujos trabalhos fundamentaram bases para a abordagem das singularidades na relatividade geral e na mecânica quântica. Deste homem que, confinado em uma cadeira de rodas durante mais da metade da vida, teve que aprender a se expressar por meio de micro movimentos faciais e um sintetizador de voz, o que não o impediu de se tornar um porta-voz monumental da ciência, levando a curiosidade para tantas pessoas que, como eu, se enamoraram pelo universo lendo seus livros e depoimentos.
Stephen, você estava errado sobre o paradoxo do buraco negro. De fato não é possível apagar ou destruir a informação, mesmo depois dela ter-se evaporado. A sua marca e seu legado também não podem ser apagados mesmo após a sua morte. Sua irreverência, suas festas para viajantes do tempo, seus livros e artigos, sua perseverança, seu sorriso sincero e sua voz indistinguível continuarão, como um estado quântico intrinsecamente emaranhado com a ciência da humanidade. Quer apostar? ;)
Roberto “Pena” é físico pela USP, cineasta e acredita que sua vida seja um filme. Se esforça para colocar o máximo possível de cenas na edição final.