Há certa ousadia na estratégia de vender X - A Marca da Morte como uma espécie de sucessor espiritual de O Massacre da Serra Elétrica. Lançado em 1974, o filme de Tobe Hooper teve um impacto tão imediato, que ajudou a mudar os rumos do cinema de horror e passou a inspirar uma quantidade sem fim de produções que tentam, de forma frustrada, recriar sua magia. É se apropriando desse legado que o novo longa da A24 pega emprestado todos ingredientes de um clássico para celebrar o gênero slasher com muita admiração e nenhum pudor.
Dirigido por Ti West (A Casa do Demônio), X - A Marca da Morte mostra um grupo de jovens viajando para o Texas na década de 1970 para gravar um filme pornográfico. Porém, o passeio vira um pesadelo quando os integrantes começam a ser assassinados de forma brutal.
X busca pela atenção dos fãs de slasher ao fazer jus ao que já foi canonizado neste gênero e, ao mesmo tempo, trazer frescor a ele. O primeiro ponto fica claro desde a premissa, que apela para a memória nostálgica do público ao sugerir paralelos com um dos pilares do gênero. Já o segundo ganha destaque quando subverte o papel que o sexo tende a desempenhar nesse tipo de história.
Tão antigo quanto os próprios filmes de assassinos mascarados é o debate sobre como eles têm uma tendência ao puritanismo. Uma das várias regras não-escritas está no fato de que as vítimas são jovens que transam e se drogam, enquanto as sobreviventes são virgens que sobrevivem tanto ao mal, quanto à tentação.
Tendo como protagonistas justamente o tipo feito para morrer nesse tipo de produção, o roteirista e diretor Ti West deliberadamente retira qualquer viés de julgamento em seus retratos. Carregando características fatais neste tipo de história, os personagens invocam a simpatia do público ao não terem vergonha do que são ou dos sonhos que perseguem.
Cativante, esse discurso se revela a grande motivação por trás de X - A Marca da Morte, quando a pornografia se torna uma metáfora nada sutil ao slasher — e ao horror em geral. A forma como os protagonistas batem no peito para dizer que têm orgulho do que fazem e a recusa de serem vistos como inferiores funciona dentro de um gênero que passou a ser tão desprestigiado com o tempo.
Dessa forma, é fácil ouvir o próprio diretor bradando que não precisa de Hollywood ou brindando ao cinema independente, que rendeu obras como o próprio O Massacre da Serra Elétrica anos atrás. Fora das telas, esse manifesto ganha uma leve camada de ironia, considerando que esta é uma produção da A24, que ganhou um status cult justamente por ser casa de filmes horror ditos “sofisticados” – como A Bruxa (2015) e Hereditário (2018).
Essa paixão é tão verdadeira, que West não busca reinventar o que se espera de seu filme sobre jovens que vão de encontro a uma morte violenta. Pelo contrário, ele se mune de todos os clichês possíveis para mostrar que eles podem funcionar muito bem, se organizados da forma certa.
O grande "calcanhar de Aquiles" da produção está no fato de que ela se contenta ao provar a tese de que é possível fazer um bom “filme sujo”. Tendo em mente a comparação proposta com clássicos do passado e toda a apreensão estabelecida nos dois primeiros atos, o terceiro deixa a desejar justamente por não promover a explosão de brutalidade que o longa vinha pedindo.
Uma sangrenta carta de amor ao horror
X estabelece sua atmosfera de tensão logo na cena inicial, quando policiais passeiam pela cena do crime que será desvendado ao longo da próxima 1h40. Ao mostrar apenas a reação dos homens da lei e os locais onde tudo aconteceu, é feita uma promessa instantânea que acompanha cada passo dos personagens como um mau agouro do que vem a seguir.
Ao definir logo de cara que o destino de muitos ali é uma morte sangrenta, a jornada alimenta seu suspense não pela dúvida se eles vão sobreviver, mas sim com a triste constatação de que sonhos serão interrompidos no momento que deveria representar sua realização. Mas quando o ato final dá início à matança, a direção parece desacelerar o ritmo e atinge a catarse com certo atraso.
Mesmo com um verdadeiro festival de tripas e sangue, a condução se torna menos enérgica justamente no ponto em que deveria pisar fundo no acelerador. É claro que as mortes são divertidas — até por escrachar o tributo a outros pilares do horror setentista —, incluindo algumas das mais memoráveis dos últimos tempos. Infelizmente, fica o gosto amargo de que faltou urgência para o gran finale de tirar o fôlego que vinha se construindo.
Ainda assim, X - A Marca da Morte é interessante o suficiente para render momentos memoráveis e conquistar quem tem fome para esse tipo de filme. Mais do que um novo caça-níquel com a alcunha de “o novo O Massacre da Serra Elétrica”, o longa é uma carta de amor imperfeita, mas apaixonada o suficiente para conquistar qualquer um interessado em voltar ao Texas dos anos 1970 em busca de um banho de sangue.
X - A Marca da Morte está em cartaz nos cinemas.