[Aviso: spoilers abaixo!]
“Legado” foi a palavra-chave no quarto episódio de Watchmen. A começar pelo título: If You Don't Like My Story, Write Your Own (em tradução livre, “Se você não gosta da minha história, escreva sua própria”) é citação de um trecho do romance O Mundo se Despedaça, do nigeriano Chinua Achebe, publicado originalmente em 1958 — e que Cal (Yahya Abdul-Mateen II) estava lendo quando Angela (Regina King) o provocou com um spoiler.
Ambientado na África do final do século 19, o livro narra a trajetória de Okonkwo, que tenta a todo custo se distanciar da herança de vergonha deixada por seu falecido pai, a quem considerava fraco e covarde. Mais à frente, ele toma para si a tarefa de defender as tradições de sua tribo diante da chegada dos colonizadores brancos, que querem impor novos costumes e religião. Na melhor tradição dos heróis trágicos, porém, o destino de Okonkwo vai contra tudo aquilo por que sempre lutou.
“O legado não está na terra, está no sangue, passado para nós por nossos ancestrais e por nós para nossos filhos”, disse Lady Trieu (Hong Chau) antes de oferecer ao casal Clark uma criança (mais US$ 5 milhões) em troca de sua casa e terreno. A afirmação pareceu traduzir apenas parcialmente as convicções da trilionária, que demonstrou ter com a filha, Bian (Jolie Hoang-Rappaport), uma relação afetuosa, ainda que cercada de mistério — o pesadelo da garota sobre o vilarejo atacado e incendiado soou mais como uma recordação de guerra familiar para a mãe, cuja reação sugeriu que aquilo fosse algo pelo qual ela tivesse de passar.
Ao confessar sua inspiração em Adrian Veidt, no entanto, a personagem deu mostras de que talvez compartilhe da visão megalomaníaca de seu ídolo de deixar algo para a humanidade — basta lembrar do verso do poema de Percy Shelley citado pelo agente Petey (Dustin Ingram) no episódio passado, e que teria sido declamado por Lady Trieu quando do lançamento da pedra fundamental do Relógio do Milênio: “contemplem minhas obras, ó poderosos, e se desesperem”. A própria construção, aliás, é um indicativo disso: “a primeira maravilha do novo mundo”, feita para durar, diferentemente do Farol de Alexandria e do Colosso de Rodes. Ou seja, o que quer que ela esteja tramando, provavelmente será tão ou mais maquiavélico do que o plano de Ozymandias na graphic novel.
De modo similar, a ideia de legado também esteve presente no arco de Angela. Além de precisar lidar com o fantasma do passado de seu falecido chefe — simbolizado pela roupa da Ku Klux Klan encontrada no armário de Judd (Don Johnson) —, ela se viu confrontada por suas próprias origens, graças à descoberta do ramo novo em sua árvore genealógica. Por sinal, a questão familiar e a relação com Will (Louis Gossett Jr.) deverão ter ainda mais peso na trama daqui para frente, a julgar pelo diálogo entre o velho e Lady Trieu.
O roteiro do showrunner Damon Lindelof em parceria com Christal Henry continuou explorando o tema com Laurie (Jean Smart). Ao falar sobre o trauma como causa das ações dos vigilantes mascarados e pedir que Petey contasse sobre seus pais, o Comediante e a primeira Espectral — mais uma vez, a noção de que o legado está no sangue —, a agente ardilosamente tentou criar uma conexão com Angela, ao mesmo tempo em que mostrou que as motivações da Sister Night não são tão originais assim.
Mergulhando ainda mais na esquisitice, o núcleo narrativo de Veidt (Jeremy Irons) trouxe a revelação de que os serviçais não são criações dele, mas frutos de um “projeto malfeito”. Desenvolvido por quem? Qual a origem do material genético que resulta nos clones?

Além disso, a estética steampunk da tecnologia disponível no castelo (em contraste com a que é exibida no restante da série) aliada ao fato de que os corpos atirados pela catapulta simplesmente desapareceram no céu sugerem que o ex-Ozymandias talvez esteja preso em um lugar à parte da realidade dos demais personagens. Quem sabe… em Marte?
É bom que as respostas não tardem a vir.