Rick and Morty estreou a sexta temporada em grande estilo, com um capítulo baseado quase inteiramente na força da mitologia que a animação construiu ao longo de quase dez anos. Para o segundo episódio, a estratégia foi voltar ao que parece ser uma “aventura clássica” da animação, fazendo piada com grandes obras da cultura pop de forma episódica e isolada.
Mas não se engane. Por trás da aparente simplicidade, “A Mort Well Lived” esconde camadas e transforma piada em homenagem, ao mesmo tempo em que continua a evoluir seus personagens – mesmo que de forma sutil.
[A partir daqui, spoilers do segundo episódio da sexta temporada de Rick and Morty]
Lançado nesta segunda-feira (12), o episódio acompanha uma visita de Rick, Morty e Summer a um fliperama. O problema é que enquanto avô e neto estão em um game de realidade virtual, o local é atacado por um grupo terrorista que causa uma queda de luz e prende os dois dentro do jogo.
Rick continua consciente de quem é dentro de seu personagem, em uma missão para libertar Morty, cuja consciência se dividiu em todos os NPCs – personagens não jogáveis –, que acreditam ser indivíduos e não parte da mesma mente. Para dar tempo da dupla se salvar, Summer precisa lidar com os criminosos e impedir que eles machuquem seu irmão e avô. Ou seja, mais um final de semana comum para a família Sanchez.
Fora do VR, a jornada de Summer é a retomada da tradição de Rick and Morty de satirizar grandes momentos da cultura pop. O escolhido da vez foi Duro de Matar (1988), clássico do cinema de ação em que o policial John McClane (Bruce Willis) precisa derrotar terroristas que invadiram a festa de Natal da empresa em que sua esposa trabalha.
A mesma situação é apresentada à jovem de uma forma tão escancarada que o roteiro sequer tenta disfarçar o alvo da paródia. O episódio joga fora qualquer sutileza no momento em que Rick literalmente manda ela “fazer um Duro de Matar” e aproveita essa abordagem para uma das homenagens mais sinceras já feitas pela produção.

De um jeito caótico e nada piegas, o episódio usa a falta de subtexto para fazer uma verdadeira ode ao filme original. A trama chega a explicar que, no universo de Rick and Morty, a história de John McClane se tornou um mito que se espalha por diferentes culturas e civilizações. Dessa forma, a trama se desenrola com uma paixão genuína, que celebra o legado de um dos grandes papéis de Bruce Willis justamente no momento em que o astro encerrou a carreira por motivos de saúde.
Vale elogiar a acertada escolha de Peter Dinklage para dar voz ao vilão do capítulo. Uma performance divertida que está à altura do desafio de homenagear o Hans Gruber do saudoso Alan Rickman.
Mil faces de um Morty leal
Enquanto Summer “faz o Duro de Matar” no mundo real, Rick tem a difícil tarefa de convencer cada um dos bilhões de NPCs do game que são partes da consciência de Morty. Nessa missão, ele faz discursos a pessoas das mais diferentes origens, etnias e idades, em busca de conscientizá-los de que são fragmentos de um único ser: seu neto.
Uma situação que lembra muito a prática de cultos em que os fundadores tendem a acreditar que foram iluminados com uma revelação profética. Essa observação se apresenta primeiro como uma piada recorrente para depois se tornar peça chave do conflito principal.

Ter um segmento do episódio em que praticamente todos os personagens têm a voz de Morty soa como resposta a uma crítica recorrente ao humor de Justin Roiland, cocriador da animação. Nos últimos anos, parte do público passou a ser cada vez menos receptiva à repetição da forma como Roiland dubla personagens verborrágicos com vozes esganiçadas – basta ver que, além dos próprios Rick e Morty, ele dá voz a personagens como Mr. Meeseeks e Senhor Bunda Cagada.
Colocá-lo para interpretar toda uma sociedade é um jeito corajoso de extrapolar essa repetição, especialmente porque há o risco de alienar quem não se encanta mais por ela. Felizmente, a performance de Roiland e o roteiro estão sintonizados o suficiente para que essa etapa da história seja mais do que uma alfinetada nos críticos.
Em primeiro lugar porque o texto aproveita ao máximo a premissa de um mundo criado com base no subconsciente de um adolescente. Em segundo, há a retomada no estudo de personagens com base no drama familiar, parte fundamental do DNA de Rick and Morty.
Na história, Rick une forças a uma NPC chamada Martha para convencer os outros habitantes desse mundo de que a melhor escolha é se unir para sair do jogo. O plano é criar uma espécie de Arca de Noé em que todos os fragmentos do Morty devem embarcar juntos para gerar um bug no game capaz de acordar o garoto por inteiro no mundo real.
O plano dá certo com um único entrave: 8% da população desse mundo e portanto, da consciência de Morty, se opõe a sair do jogo. Ao ouvir o lado dos dissidentes, Martha descobre que eles até sabem que são NPCs, mas se negam a seguir Rick por não sentir que o idoso valoriza o neto da forma como ele merece.
A partir daí, o episódio se torna um drama familiar fortemente inspirado pela perda da fé, um tema apropriado para um episódio que fala tanto em religiões e cultos – não é acaso que Martha cite uma frase atribuída a Lúcifer para romper a aliança com o avô. Presente desde o início da série, a revolta de Morty por não ser devidamente reconhecido e respeitado desemboca em um impasse diplomático mundial, já que nações de Mortys deixam de seguir Rick por confiar mais em Martha do que nele.
Consciente do peso que a busca pela valorização de uma figura paterna causa em um adolescente, a série transforma esse sentimento de conflito – entre a população que quer acreditar no amor de Rick e a que o despreza – em uma guerra literal. Uma batalha que termina em um grande impasse, já que a porcentagem dos que decidem ficar no jogo cresce ao ponto de se tornar impossível sair do local sem perder boa parte do garoto.
Isso dura até a própria Martha entender que está sendo egoísta ao inspirar tantos fragmentos de Morty a ficar só porque ela acredita que isso é o certo. Ao chegar nessa conclusão, ela volta atrás e une seus discípulos para deixar o jogo na nave. Uma escolha que demonstra a empatia que separa o garoto de Rick, que já se provou extremamente egoísta em várias oportunidades.
Quando finalmente deixam o VR, Martha fica para trás para poder viver seus anos finais dentro dos próprios termos. Com isso, Rick e Morty despertam no mundo real justamente no clímax do Duro de Matar de Summer, e o capítulo chega a um final aparentemente feliz. “Aparentemente” porque a experiência claramente mudou o garoto, que concorda com o que o avô diz sem pensar muito a respeito.
Resta saber se essa foi só uma piada a respeito da perda da parte mais rebelde de Morty ou se isso será uma decisão séria que afetará a dinâmica entre neto e avô nos próximos episódios.
Rick and Morty ganha novos episódios às segundas-feiras na HBO Max.