X - A Marca da Morte exigiu uma jornada dupla de Mia Goth. Além de viver a mocinha Maxine, a atriz também interpretou a vilã idosa Pearl. Em busca de uma identidade para a assassina, a intérprete e o diretor Ti West bolaram uma história de origem que deu origem a Pearl, longa que supera o anterior ao encontrar uma voz própria que explora um tipo diferente de horror.
Pearl é um prelúdio que mostra os primeiros passos da protagonista no caminho da matança durante o turbulento ano de 1918, mais de 60 anos antes do banho de sangue mostrado em X. A produção apresenta a jovem como uma doce sonhadora que deseja ser uma estrela de cinema. Seus devaneios são uma forma de escapar do bucólico cotidiano de ajudar os pais nas tarefas da fazenda e aguardar o retorno do marido, que foi servir o exército na 1ª Guerra Mundial.
A ideia de voltar ao passado para explicar como um vilão consagrado começou a matar não é exatamente inédita no terror. Porém, essa premissa cai como uma luva para que o diretor Ti West e a atriz Mia Goth, que assinam o roteiro, deem uma bem-vinda guinada nos rumos da franquia.
O novo direcionamento fica claro logo nos minutos iniciais, já que Pearl abre mão da aura de sujeira e desolação de X e apresenta um universo belo, vibrante e nostálgico. Se o primeiro bebe diretamente de O Massacre da Serra Elétrica (1974), o prelúdio e se volta para clássicos da Era de Ouro de Hollywood, como O Mágico de Oz (1939). Uma mudança de ares fundamental para a jornada ao inferno que propõe à protagonista.
Os EUA têm uma crença muito forte no “Sonho Americano”, que diz que o país é uma “terra de oportunidades em que os que trabalham duro triunfam”. Essa ideia é a matéria-prima para um sem-fim de histórias, reais e fictícias, sobre pessoas que trabalharam duro até chegar lá. É desse tipo de conto que Pearl se apropria para apresentar o reflexo sombrio: o que resta a alguém que não consegue viver o prometido sonho americano?
Com esse objetivo, é construído um estudo de personagem que alimenta o terror com um drama cortante. Mais do que simplesmente enumerar razões para que Pearl tenha se tornado a assassina que aterrorizou os mocinhos de X, a produção coloca o espectador na pele dela.
Responsável por dirigir e montar o filme, West conduz Pearl prestando reverência aos clássicos em que se inspira, sem perder a própria identidade. O cineasta repete o feito de X e estabelece uma atmosfera de tensão que cresce a cada passo da jornada e torna a protagonista uma bomba-relógio ao mesmo tempo em que aprofunda seus vícios e virtudes.
A devoção à figura de Pearl é tanta, que todos os outros personagens estão ali para contribuir com sua evolução. Deliberada, a escolha não se torna problema pois há uma sábia dosagem que para que figuras como a mãe (Tandi Wright), a cunhada (Emma Jenkins-Purro) e até o projecionista do cinema local (David Corenswet) brilhem sem nunca tirar os holofotes da verdadeira estrela.
Para a sorte do projeto, essa função fica a cargo de Mia Goth, uma das mais talentosas atrizes de sua geração. Não que ela precisasse se provar – especialmente em uma franquia em que já havia vivido mocinha e vilã no mesmo filme. Porém, é inegável que a intérprete ascende a um novo patamar neste novo longa.
Sem os quilos de maquiagem necessários para a “velha Pearl”, Goth dá vida à versão jovem com uma performance impressionante, que vai de uma fragilidade extrema à fúria implacável de forma natural. A atriz é fundamental para que o público se conecte com a personagem e torça para que ela escape do abismo do qual está fadada a cair.
É claro que a produção reserva momentos para que Mia Goth seja devidamente aplaudida, mas é nos pequenos detalhes que a protagonista confere humanidade à jovem. É no olhar baixo, na voz trêmula e até no choro catarrento que as angústias de Pearl garantem a ligação com o público.
Uma identificação que pode ser observada no curioso fato de um filme tão nichado quanto um horror independente ter inspirado uma série de memes e fancams antes mesmo de estrear no Brasil. Não que ser pauta na internet seja prova de algo, mas nesse caso ajuda a entender quão poderosa é essa performance, capaz de tornar Pearl uma figura relacionável até para quem ainda não o assistiu.
Esse vínculo se torna fundamental quando o drama dá lugar ao horror, que explode como consequência da atmosfera desoladora e opressiva criada em torno da personagem. Isso porque Pearl não pretende ganhar atenção pelo choque e usa a violência a favor da história que está contando. Mais do que um desfile de gore, as mortes estão ali para dar vida a pesadelos que se escondem nos mais belos sonhos – e há poucas coisas mais aterrorizantes do que isso.