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Jordan Peele acerta de novo em um terror envolvente e não convencional

Daniel John Furuno
Daniel John Furuno
21.mar.19 às 13h10
Atualizado há mais de 1 ano
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Presente na mitologia de inúmeras culturas e geralmente associado a um mal sobrenatural, o duplo é um personagem recorrente na literatura. Na maioria das vezes, é algum tipo de sósia do protagonista, que o confronta. Esse recurso literário, também conhecido pelo termo alemão doppelgänger, tem sido especialmente explorado no gênero fantástico para abordar alegoricamente questões de identidade — casos do embate entre perversidade e consciência no conto William Wilson (1839), de Edgar Allan Poe, e do temor de um impostor assumir seu lugar no romance O Duplo (1846), de Fiódor Dostoiévski.

Há algo disso tudo em Nós, novo filme do diretor e roteirista Jordan Peele, ainda mais perturbador e envolvente do que Corra! (2017). Na trama, Adelaide (Lupita Nyong'o) retorna à praia na qual vivenciou uma experiência traumática na infância, agora acompanhada do marido, Gabe (Winston Duke), e dos filhos, a adolescente Zora (Shahadi Wright Joseph) e o pequeno Jason (Evan Alex). Logo, eles passam a ser perseguidos por versões assustadoras de si.

Por um lado, Peele se afasta um pouco da questão racial, tão importante em seu primeiro longa-metragem — ela não deixa de estar presente, mas surge em doses moderadas, especialmente no relacionamento da dupla central com o casal de amigos Kitty (Elisabeth Moss) e Josh (Tim Heidecker). Desta vez, seu olhar crítico se volta para outro tópico urgente: a crescente atmosfera de intolerância e agressividade que tem se espalhado na sociedade americana e, a bem da verdade, no mundo como um todo. De modo inteligente, o filme se vale dos doppelgänger para questionar até que ponto o medo do outro mascara a ameaça que existe em nós mesmos.

Em contrapartida, o terror, apenas um coadjuvante no longa anterior, assume o protagonismo aqui, embora este não seja, de modo algum, um terror tradicional. O cineasta mostra conhecimento do vocabulário do gênero, dominando o uso dos jump scares, da violência (às vezes beirando o gore) e da trilha sonora, seja nos excelentes temas originais compostos por Michael Abels, seja na escolha de canções como I Got 5 On It, do duo Luniz, e Good Vibrations, dos Beach Boys.

Ao mesmo tempo, ele acrescenta seu toque pessoal. Além de possuir um senso estético particular, Peele não se furta a simplesmente ignorar as convenções quando julga necessário — o que explica, por exemplo, o fato de por vezes se negar a dar o susto depois de prepará-lo ou de inserir humor, catarse, compaixão ou outros elementos atípicos em momentos inesperados.

Merece destaque ainda a impressionante performance de Lupita Nyong'o. A queniana-mexicana se consolida como uma das melhores atrizes da atualidade, exibindo enorme desenvoltura ao passear entre vulnerabilidade, resiliência, ternura, ferocidade e uma gama de emoções para construir duas personagens complexas, sem mencionar seu trabalho de voz e postura na caracterização de Red, a versão má.

Finalmente, é preciso falar (sem spoilers!) sobre o plot twist. Ainda que não seja o mais surpreendente ou original (e é provável que alguns espectadores se aborreçam com isso), ele funciona, amarrando os temas e elucidando algumas passagens importantes da trama. Ademais, o fato de não ser necessariamente uma revelação bombástica já diz muito sobre o longa — Nós dispensa pirotecnia para contar uma ótima história.

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