Leonardo DiCaprio fala sobre Não Olhe para Cima e politização da ciência

Adam McKay é um nome conhecido em Hollywood por fazer histórias com um humor, digamos, característico. Uma de suas primeiras experiências como diretor e roteirista foi O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy (2004) e, desde então, esteve à frente de projetos como A Grande Aposta (2015) e Vice (2018). Agora, na Netflix, ele resolveu contar uma história sobre o fim do mundo - e como seria difícil lidar com isso na sociedade atual.

Já disponível no streaming, Não Olhe para Cima segue dois cientistas (interpretados por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence), que descobrem um cometa em rota de colisão com a Terra. Com o período de apenas 6 meses para tomar alguma atitude, eles tentam convencer governos e instituições a levar sua história à sério, mas se veem em um emaranhado de jogos de interesses, com pessoas que não se importam realmente com o que vai acontecer - desde que elas levem vantagem.

Durante uma coletiva de imprensa realizada no começo de dezembro, DiCaprio afirmou que McKay criou essa história pensando na atual crise do meio ambiente, e em como as pessoas não parecem se importar com isso:

“Ele criou um senso de urgência ao colocar a história de um cometa que vai atingir a Terra em seis meses, e mostrar como a ciência se tornou politizada (...) Sou grato por interpretar um personagem que é baseado em pessoas da comunidade científica que eu conheci e, em particular, cientistas do clima que estão tentando comunicar a urgência desse problema, mas ficam relegados à última página dos jornais.”

Conhecido ativista das causas ambientais, o ator afirmou que estava procurando algum projeto cinematográfico sobre o tema há anos, e foi captado pela história criada por McKay:

“Como podemos contribuir com essa causa? Acho que Adam realmente ‘decifrou o código’ com esta narrativa. Quero dizer, há várias comparações possíveis que podemos fazer entre a crise climática e essa história. Como um todo, acho que esse é o nosso maior problema, sobre o qual todo mundo deveria estar falando. E é preciso artistas como esse para mudar a narrativa e criar um diálogo. É uma honra fazer parte disso.”

Humor inesperado e redes sociais

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Apesar de tratar de um tema tão denso como o fim do mundo, Não Olhe para Cima é repleto de momentos absurdos, como apresentadores de um programa matinal que tentam deixar a história leve, e até uma canção interpretada por Ariana Grande, que compara a chegada do cometa com uma trágica história de amor.

Questionado sobre essa forma inesperada de lidar com caos, McKay afirmou que usa tais momentos para criar um distanciamento - inclusive político - da situação:

“Depois dos últimos cinco, dez anos loucos que tivemos ao redor do planeta, será que não seria bom rir um pouco disso e ter outros sentimentos? Essa foi a abordagem, porque acho que somos um pouco atingidos por esse ‘discurso sobre o fim do mundo’. O que, aliás, eu acho super válido quando se trata de mudanças climáticas. Mas acho que é importante que as pessoas possam rir e ter algum distanciamento. E também é algo que unifica. Você não consegue fingir uma risada, não é algo político. As pessoas tentam, mas nunca funciona realmente.”

No filme, a chegada do cometa à Terra é tratada da forma mais midiática possível, incluindo filtros em redes sociais, músicas tema e pessoas tentando ver o “lado positivo” da destruição iminente. Em uma das cenas, o cientista interpretado por Leonardo DiCaprio se enfurece durante um programa de TV matinal e diz que “nem tudo precisa ser positivo o tempo todo”.

McKay afirmou que considera o momento um de seus preferidos no filme, e que ele carrega uma dose de crítica à forma como tudo se tornou tão artificial nas plataformas digitais:

“Há muito dinheiro por trás da mídia, com publicidade, cliques, aplicativos… sempre precisa ter algum nível de engajamento. Mas, às vezes, precisamos ser capazes de dizer coisas uns aos outros. Parece que essa linha básica foi corrompida. Hoje lucramos com a forma que conversamos pelas redes sociais, pelos smartphones, comerciais, shows. É muito maluco. Hoje as coisas não são mais chamadas de ‘músicas’ ou ‘programas de TV’, é tudo ‘conteúdo’. E, bom, isso é uma palavra bonita em um quadro. Precisa existir um lugar neutro, que não esteja lindamente iluminado, com efeitos sonoros e pessoas bonitas. Então, às vezes, você precisa ser capaz de ouvir as coisas, de verdade.”