Autor de obras icônicas como Tomie, Uzumaki, Gyo e mais, o mangaká Junji Ito se firmou ao longo de quase quatro décadas como um dos mestres do terror asiático moderno, mesmo com um trabalho relativamente pouco conhecido fora do nicho de fãs do gênero.
Lançado pela Netflix , o anime antologia Histórias Macabras do Japão pode ser um novo impulso para catapultar os horrores de Ito ao grande público, traduzindo bem a essência do que faz a obra do mangaká única. Dividida em 12 episódios, a série adapta 20 contos do autor. Estão lá histórias como “Quatro x Quatro Paredes”, “Cabelo Longo no Sótão”, “Foto de Tomie” e mais.
As narrativas independentes possibilitam que você assista aos episódios em qualquer ordem, sem um fio condutor. Isto é, se você não considerar toda sorte de bizarrices e desgraças que saem da cabeça de Junji Ito um fio condutor.
Os 20 contos se desenrolam com o mesmo estilo de animação em tela. Mas nem pense que a falta de variedade é um problema porque, aliados aos roteiros, os traços criam uma tensão constante e pisam fundo no macabro. Os mais puristas podem estranhar o uso de cor nas adaptações (os mangás de Ito são publicados em preto e branco), mas representações como os olhos pálidos e sem vida das assombrações e as mais desvairadas sequências de violência fazem jus às páginas de Ito.
É recomendada uma boa dose de estômago para a maioria das tramas adaptadas no anime. Corpos estraçalhados das mais variadas formas, assombrações e pesadelos em geral dão o tom da antologia e certamente serão o deleite de carnificina dos fãs de terror. Além do choque visual, Histórias Macabras do Japão triunfa ao transmitir desconforto mesmo quando não há nada explicitamente grotesco em tela.
Em “Balões no Ar”, por exemplo, uma jovem é perseguida por cabeças gigantes flutuando no ar, de onde se penduram cordas para enforcar qualquer um que passe na rua. Já em “Esconderijo”, um homem vive atormentado com a possibilidade de que um outro “ele” possa literalmente sair de suas entranhas se cair no sono. Especialmente nesses dois contos, o estilo de animação brilha ao ir do comum ao perturbador sem recorrer a apelações e sustinhos.
Se as premissas parecem absurdas, é porque de fato são, e nem espere qualquer racionalidade ou explicação em Histórias Macabras do Japão. Mesmo nos episódios mais curtos, o temor de que algo ruim pode (e vai!) acontecer é amplificado justamente por não existir qualquer limite de que maneiras as coisas dão errado.
Terror dividido

O formato de antologia permite também uma abordagem ampla de como a obra de Junji Ito brinca com diferentes gêneros, pescando até comédia e drama, ainda que subvertidos no terror. Mas a decisão narrativa da Netflix prova-se também uma armadilha ao cair em altos e baixos na qualidade dos episódios.
Histórias Macabras do Japão tem tanto contos inteiros em episódios próprios, como duas histórias ocupando um mesmo capítulo. É aí que tramas competentes acabam prejudicadas ao serem pareadas com histórias inferiores, ainda que a série mantenha o frescor a cada nova trama.
É o caso, por exemplo, de “Intruso / Cabelo Longo no Sótão”. Na primeira, um grupo de estudantes investiga possíveis seres de outras dimensões na casa de um colega. Na outra, uma jovem descobre da pior forma possível que não deveria ter deixado o cabelo crescer (sem spoilers!). A disparidade fica clara entre uma história mediana, que talvez até brilhasse mais se não fosse justamente pela comparação, com uma trama impecável no mesmo capítulo.
Ainda assim, as 20 histórias escolhidas assustam e intrigam. Ainda que algumas se sobressaiam sobre outras, Histórias Macabras do Japão consegue despertar o interesse para as mais de 4 horas de animação. A Netflix oferece o anime com vozes originais em japonês e a dublagem em português brasileiro. Porém, ainda que a tradução consiga localizar os horrores de Ito, vale conferir a versão original para uma experiência completa, que inclui as expressões exageradas e gritos de pavor que os episódios pedem.
Junji Ito: Histórias Macabras do Japão pode não oferecer nada de novo aos fanáticos da obra do autor, além do experimento de ver os contos escolhidos no formato anime. Porém, mesmo com a pequena irregularidade citada acima, a série triunfa no que se propõe ao oferecer uma variedade de respostas de por que o homem é um mestre dos pesadelos.
A boa curadoria desperta o interesse em mergulhar nas obras originais, graças ao formato palatável. Claro, levando em conta o quão palatável ver uma pessoa rasgando o rosto de outra pode ser.