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Jogos mobile locais conquistam espaço ao abordar realidades do Brasil
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Jogos mobile locais conquistam espaço ao abordar realidades do Brasil

Apesar das dificuldades, pequenos desenvolvedores apostam em nicho de mercado

André Alcântara
André Alcântara
31.ago.22 às 11h46
Atualizado há mais de 2 anos
Jogos mobile locais conquistam espaço ao abordar realidades do Brasil

Maxwell Duarte, de 21 anos, sempre gostou de jogos simuladores de carros, mas algo o incomodava. Dirigia carros que nunca havia visto no Brasil. Na pequena Piedades dos Gerais, cidade de Minas Gerais com cerca de 5 mil habitantes, os modelos que via nas ruas eram completamente diferentes.

A insatisfação se materializou em vontade, e, ainda no colégio, começou a dar forma ao que anos mais tarde se tornou o Elite Brasil Simulator, game de simulação de veículos com modelos populares no país, sistema de entregas e cenários inspirados em cidades brasileiras.

Elite Brasil Simulator tem a energia das estradas brasileiras

Com mais de 500 mil downloads na Google Play, loja de aplicativos do Android, o jogo faz parte de uma onda recente de títulos brasileiros gratuitos para celular que pegam emprestados elementos socioculturais diversos do país, dialogando com a realidade de usuários que pouco ou nunca se veem em games populares do mercado. E é exatamente esse o principal público-alvo deles: os jogadores brasileiros.

Apesar de darem de cara com múltiplas barreiras, como a escassez de investimento e dificuldades técnicas no desenvolvimento, esses títulos parecem seguir um caminho diferente das produções brasileiras independentes tradicionais que tentam ganhar o mundo.

Videogame da gente

Foi trabalhando em uma loja de produtos agropecuários que Patrick Santos teve a ideia de desenvolver um game. O estabelecimento, situado no município cearense de Acopiara, de 54 mil habitantes, atendia clientes praticantes de vaquejada, atividade cultural típica do Nordeste, em que duas pessoas montadas em cavalos tentam derrubar um boi num determinado ponto de uma pista de areia, puxando-o pelo rabo. Santos notou algo.

“Percebi que [a vaquejada] gerava uma emoção muito grande, e que havia uma carência na classe mais baixa por não ter acesso ao esporte, pois é necessário um alto investimento”, narra ele. Daí surgiu o Vaquejada Gamer, disponível para Android, que contabiliza mais de 100 mil downloads na Play Store, e permitiu que Santos deixasse a loja agropecuária.

Com mecânicas simples, o título replica as regras básicas da prática em modos diversos, e tem até uma área dedicada à devoção de Nossa Senhora Aparecida, considerada a protetora dos vaqueiros. Em versões passadas, o jogo já contou com músicas do cantor de forró Tarcísio do Acordeon e narração profissional.

Imagem do Vaquejada Gamer

Emerson Gresoski, proprietário da Dynamic Games, especializada em simuladores de veículos para celular, explica que esses jogos “são uma ótima forma de as pessoas conseguirem ‘realizar’ alguns sonhos, pelo menos no mundo virtual.” E acrescenta: “temos jogadores de todas as idades que sempre sonharam em dirigir caminhões nas estradas do Brasil, e que hoje podem graças a games como os nossos."

Para o fluminense Guilherme Duarte, desenvolvedor de Moto Vlog Brasil 2, baixado mais de 1 milhão de vezes na Play Store, parte do público brasileiro quer jogar e ver nos games elementos, práticas e dinâmicas que fazem parte da sua própria vida. “Eu queria jogar um jogo desse tipo e não tinha”, revela Duarte. Simulador de motocicletas “abrasileirado”, o game conta com modelos de motos populares no Brasil, vestuários típicos das periferias urbanas, mapas inspirados no país e sistema de empregos de motoboy.

O desenvolvedor conduz sozinho a Duarte Games – característica comum dentro do meio –, e se sustenta da renda de seus jogos, gerada a partir de anúncios automatizados e de venda de itens dentro dos títulos (principais formas de monetização dessas produções). Ele explica que tudo isso só foi possível graças à difusão de ferramentas e informações sobre criação de games na internet, o que também proporciona, segundo ele, mais autonomia em relação a estúdios consolidados.

Jogo Moto Vlog Brasil 2

O crescimento desses games ocorre em um momento no qual há mais smartphones do que pessoas no Brasil: são 242 milhões de aparelhos ativos, segundo dados de 2021 da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Além disso, o celular é a plataforma de jogos preferida de 48,3% dos brasileiros, de acordo com a Pesquisa Games Brasil 2022.

Mas, embora alguns desses games cheguem a centenas de milhares de downloads, com desenvolvedores se sustentando exclusivamente a partir deles, as dificuldades para mantê-los de pé são muitas.

Obstáculos

Uma das consequências do caráter independente de jogos brasileiros para celular com foco em públicos locais é o desenvolvimento a poucas mãos que, às vezes, acontece com só um par delas. É frequente que a produção do game comece com apenas uma pessoa, responsável por todos os processos, que eventualmente vai em busca de suporte a outras áreas da criação, como arte.

É o caso de Nicolas de Souza, desenvolvedor de Elite Motos 2 (Android e iOS), título com mais de cinco milhões de downloads na Play Store. Afeito à programação desde a infância, em certo momento da produção ele se deu conta de que seus conhecimentos não seriam o suficiente para terminar o game.

“É difícil modelar veículo, carro, moto, mapa... além da texturização. Tudo isso eu tenho de procurar por fora, porque meu foco mesmo é programação”, explicou o morador da cidade de São Paulo. Assim como Moto Vlog Brasil 2, o título se inspira em culturas urbanas periféricas ligadas à motocicleta, com mecânicas de sobrevivência e empregos, em ambientes tipicamente brasileiros.

Manobras no Elite Motos 2

Ao contrário de jogos independentes tradicionais do Brasil, que costumam atrair mais a atenção de publicadoras internacionais – embora não seja regra –, o investimento e apoio para esses títulos são escassos ou, na maioria das vezes, inexistentes.

Além da iniciativa privada, editais públicos de incentivo à cultura são um caminho viável na busca por investimento, ainda que freados na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Porém, os subsídios não chegam a esses títulos, seja por falta de interesse ou desconhecimento pelo desenvolvedor sobre políticas públicas dessa natureza.

Para o desenvolvedor Bruno Gomes, de Ipirá, a 211 km de Salvador, na Bahia, games dessa categoria carecem de mais atenção de instituições públicas. “Acredito que deveriam ser incluídos em editais, sim, até porque o público mobile vem crescendo muito nos últimos anos”, afirmou ele, responsável por Rotas do Brasil Simulador, que acumula mais de um milhão de downloads na Play Store.

Com sistema de entregas entre cidades do Brasil, o título é similar ao Euro Truck Simulator, popular simulador de caminhões, mas com cenários inspirados em localidades reais e elementos comuns das rodovias do país, como acidentes de trânsito e postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de veículos famosos em território nacional.

Rotas do Brasil Simulador tem vários elementos nacionais

De onde vêm? (E para onde vão?)

Desenvolvedores ouvidos pelo NerdBunker dizem enxergar as origens desses jogos na cultura nacional de modificações (mods) de games, que habitualmente dá um toque brasileiro a títulos internacionais. Bomba Patch, clássica versão modificada do jogo Pro Evolution Soccer (PES) com times, músicas e narrações nacionais, e mods brasileiros de GTA: San Andreas foram alguns dos exemplos citados por eles.

Pesquisador de jogos e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ivan Mussa explica que a indústria de games produz vácuos, e países periféricos, a exemplo do Brasil, criam maneiras de suprir as demandas que surgem deles. Ele destaca que “parece haver uma relação direta entre a cena de mods e esse vácuo deixado pela indústria."

“Talvez o surgimento disso, em um primeiro momento, como mods e, mais tarde, como produtos de empreendimentos mais organizados, aponte para a profissionalização em torno desse mercado."

Para Pedro Zambon, pesquisador e especialista da indústria de games, o futuro desses jogos é incerto, pelo menos em termos mercadológicos. Segundo ele, devido à atuação independente e sem suporte de publicadoras, muitos desses jogos não possuem modelo de negócios sustentável, essencial a um título gratuito. Zambon acredita que, mesmo com milhões de downloads, isso pode gerar uma série de problemas ao game.

“A indústria brasileira [de games], em tese, comportaria um jogo voltado para o público nacional, mas o gargalo desse produto ser sustentável é como fazê-lo chegar ao público nacional, e transformar esse game para gerar um modelo de negócios sustentável."

Elite Brasil Simulator tem aquele caminhão que passava no seu bairro

Maxwell Duarte, de Elite Brasil Simulator, diz ter certeza de que esses games terão crescimento vertiginoso, e afirma acreditar em um efeito em cadeia: “Quanto mais jogos são criados, mais jogadores são formados, e quanto mais jogadores são formados, maior a chance de aparecer novos desenvolvedores”, explicou o mineiro.

Nicolas de Souza, do Elite Motos 2, também acredita na expansão, e aposta no aumento do poderio técnico dos smartphones como principal fator para a ampliação dos títulos, cuja tendência é de que se tornem mais complexos. “Os celulares estão cada vez mais potentes, com muito mais processamento. A gente tem mais liberdade, e pode colocar gráficos melhores, adicionar mais veículos, mais sistemas. Assim, podemos produzir algo ainda melhor para os nossos jogadores”, enfatizou.

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