No final de janeiro, a Xbox preparou uma apresentação de 40 minutos para dar atualizações sobre os projetos de seus estúdios. A transmissão não teve novidades bombásticas, mas sim uma enorme surpresa: Hi-Fi Rush, novo game da Tango Gameworks, desenvolvedora de The Evil Within e GhostWire: Tokyo. O projeto, porém, era muito diferente dos títulos anteriores, com visuais coloridos e uma pegada musical.
Além disso, o lançamento aconteceu apenas horas após o primeiro trailer ter sido revelado. Disponível no Xbox Game Pass, não demorou muito para Hi-Fi Rush se tornar um sucesso - o que é curioso, considerando que o game foi desenvolvido em segredo por mais de cinco anos, e que o serviço de assinatura da Microsoft sequer foi levado em conta por boa parte desse período.
“O projeto foi sugerido e começou a ser desenvolvido antes de nos juntarmos à Microsoft”, esclareceu o diretor John Johanas em entrevista ao NerdBunker. “Por um tempo, nós sequer tínhamos uma plataforma em mente, estávamos apenas desenvolvendo o jogo. Aí aconteceu a aquisição [da Bethesda] pela Microsoft, e só então percebemos ‘Ah, temos um jogo de Xbox, isso é maneiro! É mais fácil, não temos que pensar nessa parte’.”
Muitos fãs acreditaram que Hi-Fi Rush se alinhava à iniciativa do Game Pass, de permitir que os estúdios façam obras mais experimentais, já que os títulos do serviço não precisam quantificar a quantidade de cópias vendidas, e sim capturar a atenção dos jogadores. No caso, o lançamento surpresa da Tango Gameworks ter funcionado tão bem foi um feliz acidente, mas o sucesso do game é prova de muito talento do estúdio, e também da vontade de fazer algo diferente.
Segundo Johanas, a ideia surgiu na reta final do desenvolvimento de The Evil Within 2, em 2017. Naquela época, a Tango Gameworks não só finalizava seu segundo game de horror, como também já desenvolvia o macabro Ghostwire: Tokyo, que transita orgulhosamente pelo gênero da desgraceira.

“Quando fiz a reunião para sugerir o projeto, fiz algo bem sucinto, apoiado por um documento de apresentação com umas cinco páginas só, que acabou bem representativo do jogo final.Eu estava em uma reunião com meus chefes, e basicamente disse: ‘Olha, eu sei que isso é bem fora da casinha (risos), mas acho que é uma ideia maneira’. Então apresentei o projeto como sendo esse ponto de virada, que nos dá a chance de fazer algo diferente.
Mikami-san sempre falou para não ficarmos presos ao horror, mas sim experimentar com todo tipo de ideia. Assim, pareceu a hora certa para isso.”
Com esse instinto de fazer algo diferente, o projeto que viria a se tornar Hi-Fi Rush foi aprovado… mesmo que os outros desenvolvedores da Tango Gameworks não entendessem a pegada de ação e ritmo logo de cara.
“Meus colegas não entenderam de início, mas acharam que podia ser uma boa ideia”, relembrou Johanas. “O que todos me falaram depois é que meu entusiasmo ajudou a convencê-los, já que eu estava bem apaixonado pela ideia. Isso ajudou a tirar o projeto do papel, mesmo sendo um pouco estranho”, disse aos risos.
Virada musical (e seus desafios)

O novo projeto era praticamente o oposto: um jogo orgulhosamente bobo, colorido e bem humorado. Segundo John Johanas, a inspiração surgiu ao assistir Todo Mundo Quase Morto, comédia britânica de terror do diretor Edgar Wright. Em específico, há uma cena em que Simon Pegg e seus colegas defendem um bar de uma horda de zumbis, atacando os mortos-vivos em sincronia com “Don’t Stop Me Now”, do Queen.
Os trabalhos do cineasta guiaram muito do tom do projeto, mas não foram as únicas influências, como explica o diretor:
“A vibe dos filmes de Edgar Wright são o estilo que estávamos buscando, sentimos que não é algo muito presente nos jogos. Queríamos apostar naquele estilo de comédia visual e vibrante, mas nossa lista também tinha muitos jogos dos anos 90 e anos 2000. Queríamos um jogo que não se leva a sério. A premissa é ridícula, então não havia forma alguma de fazermos algo profundo ou macabro.”
Para manter o alto astral e evitar cair no território do horror, a equipe olhou para clássicos de ação como Jet Set Radio, Viewtiful Joe, Devil May Cry e Bayonetta, mas também alguns jogos de ritmo mais obscuros, como, Rez, Luminous e Dyad.
Johanas afirma que sua equipe não era familiarizada com o gênero de jogos musicais, e por isso foi importante buscar referências além de Guitar Hero: “Queria mostrar exemplos de que é possível criar experiências estranhas que ainda são jogos de ritmo”, explicou. “Nossas influências são uma bagunça, mas queríamos mesmo remeter àquela pegada de diversão dos jogos dos anos 90”.

“Foi preciso muita comunicação, pois precisamos repensar como fazemos animação e como fazemos música. Quando se faz um jogo, a música é uma das últimas coisas que você coloca. Como precisávamos disso mais cedo, tivemos que mudar todo nosso fluxo de trabalho para compensar. Tivemos que praticamente coreografar a coisa toda, saber como uma cena acaba, como a outra começa e as mudanças na música, para garantir que tudo se sincronizasse no final.Isso pediu olhar afiado e revisões minuciosas, deu muito trabalho. Nossa equipe de cutscenes, por exemplo, estimou que foi preciso quase três vezes mais esforço do que nas cutscenes de The Evil Within, que tinha captura de movimentos. Aqui foi diferente, tudo foi na base da animação e à mão, e tudo precisava ser sincronizado com a música.”
Para poder garantir a sincronia, os desenvolvedores se apoiaram em uma técnica comum do mundo da música: o metrônomo, dispositivo que emite pulsos sonoros para indicar o andamento musical. É uma ferramenta útil, claro, mas agora imagine ter que ficar ouvindo apenas cliques repetidos por dias e dias.
“Por um bom tempo, todas as cutscenes tinham apenas uma faixa cheia de cliques sonoros. Acho que a equipe até ficou surda (risos). Usamos basicamente um metrônomo, pois ainda não tínhamos música e tudo precisava ser sincronizado rapidamente, então tudo que tínhamos era aquele som constante de beep.”

Para John Johanas, a satisfação de ter passado por tudo isso ao longo de cinco anos, e ainda ver seu projeto arriscado ser recebido com tanto carinho, chega a ser até inacreditável:
“Obviamente, um lançamento surpresa é algo bastante ousado, mas ficamos muito felizes com como as coisas se saíram. Tudo que conseguimos pensar antes do lançamento foi: ‘Gastamos tanto tempo nesse projeto e ainda pode dar tudo errado’.”
Ao longo da semana após o lançamento surpresa, a equipe da Tango Gameworks está tirando o tempo para apreciar a recepção calorosa. “É até difícil trabalhar ou se concentrar em qualquer outra coisa pois estamos sempre assistindo alguém jogar, tuitar sobre ou fazer lives. O tanto que as pessoas gostam é muito gratificante”, afirmou o diretor. “Confiamos muito na ideia e nos esforçamos bastante no projeto. Vê-lo sendo adorado assim é inacreditável, e é a melhor coisa que poderia ter acontecido”.
Hi-Fi Rush está disponível para Xbox Series X | S e PC, e integra o catálogo do Xbox Game Pass em ambas as plataformas.