Funcionários da Naughty Dog relatam más práticas de trabalho do estúdio
Um ex-funcionário ainda relatou suas experiências no Twitter
Uma das maiores polêmicas na indústria de jogos eletrônicos é a prática de “crunch”, que consiste no aumento exagerado da carga horária de trabalho para um projeto ficar pronto a tempo — o que gera consequências negativas para o bem estar dos funcionários e para a política de trabalho da empresa.
O assunto atraiu os holofotes nos últimos anos, principalmente depois do caso polêmico da Rockstar Games em 2018 (veja aqui). E, na última quinta-feira (12), ele voltou a ser debatido depois do site Kotaku publicar uma reportagem com relatos de vários funcionários da Naughty Dog, conhecida por The Last of Us e Uncharted, que expõem más práticas de trabalho do estúdio.
Os relatos são do desenvolvimento de The Last of Us Part II, mas acontecem desde projetos passados da desenvolvedora como Uncharted 4, de acordo com a publicação.
A maior parte dos entrevistadores explicaram que a cultura do “crunch” é tão forte no estúdio, que acontece de forma quase natural, sem nem mesmo os supervisores exigirem. Isso porque desenvolvedores sênior, que estão no estúdio há mais tempo, já trabalham dessa maneira, o que faz os outros funcionários sentirem a obrigação de fazerem o mesmo — tornando a jornada de trabalho de todos em um ciclo vicioso.
Uma das fontes ainda relatou que os chefes do estúdio estão cientes disso e até contratam desenvolvedores suscetíveis a aceitarem o “crunch” com mais facilidade, deixando o cenário cada vez mais irreversível.
E isso não é de hoje. A reportagem ainda aponta que Uncharted 4 teve as mesmas práticas de trabalho e que, por isso, 70% dos funcionários do estúdio se demitiram depois do lançamento do jogo, pois estavam cansados com o ciclo desgastante.
Outro problema grave apontado pelas fontes foi de que a organização do estúdio é ruim e bagunçada. Existe muita falta de comunicação entre os departamentos e não há coordenadores de tarefas, o que faz com que muito do trabalho dos funcionários seja jogado fora — e eles tendo que trabalhar mais ainda para consertar os problemas.
Logo depois da postagem da reportagem, um ex-funcionário do estúdio, Jonathan Cooper, também contou o que ele viu em sua passagem pela Naughty Dog.
Cooper trabalhou como animador em Uncharted 4 e em The Last of Us Part II até meados de 2019, quando se demitiu por não apoiar a cultura de “crunch” e gerenciamento do estúdio.
Em uma série de publicações no Twitter, o desenvolvedor relatou que, ao pedir demissão, o estúdio queria que ele assinasse um termo que o proibia de divulgar quais era as suas “práticas de produção” — o que acabou recusando.
When I left Naughty Dog late last year they threatened to withhold my final paycheck until I signed additional paperwork stating I wouldn't share their production practices. They finally relented when I assured them that was most likely illegal…
— Jonathan Cooper (@GameAnim) March 12, 2020
“Quando eu deixei a Naughty Dog no ano passado, eles ameaçaram não me dar o meu último salário se eu não assinasse um acordo que me proibia de compartilhar sobre as práticas de produção do estúdio. Eles cederam quando eu garanti a eles que isso era ilegal…”
Cooper explicou que ele nunca participou do ciclo de “crunch” porque a sua equipe era organizada, mas que viu inúmeros outros funcionários nessa situação.
For the demo shown last September, the gameplay animators crunched more than I've ever seen and required weeks of recovery afterwards. One good friend of mine was hospitalised at that time due to overwork. He still had over half a year to go. There have been others since.
— Jonathan Cooper (@GameAnim) March 12, 2020
“[1º tweet]: A verdade é que eu nunca passei pelo crunch. A equipe de ‘animações de história’, como nós éramos conhecidos, trabalhavam uma média de 46 horas por semana quando eu me demiti e, pessoalmente, nunca passei das 55 horas semanais de trabalho. A equipe de história era organizada e reagia a tudo que era pedido. Mas isso não quer dizer que os outros não sofreram.
[2º tweet]: Para a demo que foi liberada para a imprensa em setembro [de 2019], os animadores da jogabilidade fizeram a maior quantidade de crunch que eu já vi e precisaram de meses de descanso para se recuperarem. Um amigo foi parar no hospital nessa época por ter trabalhado muito. Ele ainda tinha meio ano de contrato. E há outros na mesma situação.”
Outro problema apontado por Cooper é que, como a Naughty Dog procura contratar funcionários suscetíveis ao “crunch”, às vezes eles não conseguem encontrar ninguém. O que faz o trabalho cair na mão de desenvolvedores junior, atrasando e complicando a produção do game para todos.
Por fim, Cooper reforça que, para os fãs, a Naughty Dog faz jogos detalhistas muito bons. Mas, para desenvolvedores, não é um trabalho saudável.
Ultimately, ND's linear games have a formula and they focus-test the shit out of them. While talented, their success is due in large part to Sony's deep pockets funding delays rather than skill alone. A more senior team would have shipped TLOU2 a year ago.
— Jonathan Cooper (@GameAnim) March 12, 2020
“[1º tweet]: Há histórias da Naughty Dog piores do que essas, mas estou focando na área de animação. Para os fãs de TLOU 2, o jogo deve ser um dos melhores da indústria em termos de animação. Eu só não recomendaria ninguém a trabalhar na Naughty Dog até que eles priorizem talento.
[2º tweet]: Ultimamente, os jogos lineares da Naughty Dog seguem uma fórmula. Mesmo com alguns destaques, o sucesso [do estúdio] acontece por conta do dinheiro da Sony e não pelo talento deles. Com um time mais experiente, TLOU 2 teria sido lançado em 2019.”
The Last of Us Part II será lançado no dia 29 de maio de 2020, exclusivamente para PlayStation 4.