Na última sexta-feira (6), o mundo dos animes perdeu uma de suas mentes mais brilhantes que deixou como legado inúmeras animações marcantes. Isao Takahata foi um dos gênios por trás do gigante Studio Ghibli, logo ao lado de Hayao Miyazaki.
Mas o que muita gente provavelmente não sabe é que os dois eram rivais no universo colorido e cheio de esperança das animações japonesas, como ilustra o documentário Studio Ghibli: Reino de Sonhos e Loucura, de 2013, disponível em DVD e BluRay. A obra fala sobre a produção dos últimos projetos simultâneos da Studio Ghibli — o Vidas ao Vento de Miyazaki e O Conto da Princesa Kaguya de Isao Takahata — e também explica a história de antagonismo entre a dupla.
Takahata conseguiu seu primeiro trabalho no mundo dos animes na Toei Animation, em 1959. Na Toei, começou a trabalhar como diretor em diversos projetos, e já exibia suas principais características: nunca fazia um filme dentro do tempo e sempre estourava o orçamento previsto, tentando colocar sua cara nos projetos. Para se ter uma ideia, o último filme do cineasta, já pelo Studio Ghibli, O Conto da Princesa Kaguya, começou a ser desenvolvido em 2006 e foi finalizado apenas em 2013. Foram cerca de sete anos de produção: o diretor chegou até a se casar e ter dois filhos nesse período.
Depois de quatro anos na Toei Animation, Takahata descobriu Miyazaki, que tinha entrado na empresa havia pouco tempo. Os dois se tornaram parceiros de trabalho: Takahata, cerca de cinco anos mais velho, servia de mentor, e, enquanto ele dirigia as animações, Miyazaki desenhava suas artes. Continuaram assim por 15 anos até que os dois saíram da Toei Animation, após divergências com o estúdio.
Após a saída da empresa, eles se juntaram para novos projetos na Nippon Animation: Takahata assumia (novamente) a direção de séries, Miyazaki desenhava detalhadamente o layout de cada episódio. Um desses projetos foi o aclamado anime A Menina das Montanhas (Heidi), um dos maiores marcos da carreira de Takahata. E, conforme a produção de séries continuava, a dupla acabou percebendo que precisava de um estúdio que produzisse um tipo de produto, no qual o prazo e orçamento não seriam tão apertados (como eram e ainda são as séries animadas para a TV).
Era o fim da parceria direta entre os dois na produção de animes seriados. Miyazaki saiu do estúdio Nippon Animation e desenvolveu seu próprio projeto — que se tornou Nausicaä do Vale do Vento, tendo convidado Takahata e Toshio Suzuki para serem produtores. A animação fez tanto sucesso que, logo no ano seguinte, em 1985, sob o comando do trio, foi criado o Studio Ghibli.

Dentro do Studio Ghibli, eles nunca produziram juntos: os dois tinham ideias muito opostas, o que fazia cada um desenvolver seu projeto de seu próprio jeito, fortalecendo uma espécie de “rivalidade amigável”, como dois irmãos que se gostam porém querem (muito) ser melhor do que o outro. O antagonismo da dupla foi marcado logo nas primeiras produções do estúdio, lançadas de forma simultânea, cada um assinando um título: Meu Vizinho Tororo, de Miyazaki, e Túmulo dos Vagalumes, de Takahata.
“Sem dúvida, eles são rivais. Concorrentes amigáveis. Nesse sentido, lançar os dois filmes ao mesmo tempo, é a grande motivação deles. Acho que isso os ajudará a fazer grandes filmes. É algo estratégico” diz Suzuki, o terceiro membro do trio fundador do Ghibli, sobre a amizade de Takahata e Miyazaki no documentário.
O documentário conta que Miyazaki falava sobre Takahata em quase todos os dias durante a produção de Vidas ao Vento. O diretor se perguntava como seu ex-mentor faria tal cena, se ele gostaria de certos personagens ou se tomaria o mesmo rumo na narrativa.
“Ele tem transtorno de personalidade. Esse é Paku-san [apelido de Takahata], certo? É um mistério. Ele deve ter algo especial. Eu acho que o que Takahata-san faz é verdadeiramente estimulante. Tem apelo. O japonês tem a tendência de convergir ao que é popular, mas você sempre precisa de uma espécie de antítese. O que é luz e o que é sombra, eu não sei” disse Miyazaki sobre Takahata no documentário.
Takahata foi o catalisador da Studio Ghibli: ele descobriu Hayao Miyazaki e até o compositor Joe Hisaishi (que compôs diversas trilhas sonoras do estúdio), além de se tornar um mentor também para Suzuki. Sem Isao, o Studio Ghibli não existiria — e nem mesmo Miyazaki seria tão genial.
Com mais de 50 anos de carreira, Takahata deixa para trás inúmeras animações únicas, coloridas e cheias de esperanças — que ajudaram a moldar a indústria dos animes que existe hoje. Na Studio Ghibli, o diretor comandou projetos como o dilacerante Túmulo dos Vagalumes, o doce Omoide Poroporo e o delicado Meus Vizinhos os Yamadas. Até mesmo fez história com as poderosas séries animadas Marco e A Menina das Montanhas (Heidi), sob comando da Nippon Animation. Além de produzir O Castelo no Céu, Nausicaä do Vale do Vento e o recente A Tartaruga Vermelha. O gênio Isao Takahata pode ter partido, mas ainda viverá como uma lenda eterna do mundo dos animes.