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Better Call Saul - 6ª Temporada | Crítica
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Better Call Saul - 6ª Temporada | Crítica

Série subverte expectativas em temporada final e se firma como parte indispensável do universo Breaking Bad

Pedro Siqueira
Pedro Siqueira
16.ago.22 às 17h39
Atualizado há mais de 1 ano
Better Call Saul - 6ª Temporada | Crítica

É uma tarefinha complicada essa de expandir “universos”. Como fazer jus à sua própria obra, ao mesmo tempo agradando os fãs e justificando a existência de novas histórias? Tudo isso fica ainda mais difícil se a produção original se tornou “apenas” uma das mais aclamadas séries de televisão das últimas duas décadas, referência de qualidade para quase tudo que veio a seguir. O alívio é que Better Call Saul passa com louvor nesse teste, firmando-se não apenas como parte indispensável de Breaking Bad, como, por vezes, sendo até melhor que a antecessora.

Dividida em duas partes, a sexta e última temporada da série derivada amarra a história do canastrão Saul Goodman (Bob Odenkirk), abordando tanto cenas pós-Breaking Bad, quanto o conflito anterior aos eventos da série original.

Embora a trama, no papel, orbite as malandragens do advogado, os criadores Vince Gilligan e Peter Gould aproveitaram a oportunidade para brincar também com outros personagens do universo de Breaking Bad. Basta notar a relevância, e até protagonismo, que nomes como Gus Fring (Giancarlo Esposito) e Mike (Jonathan Banks) assumem em determinados capítulos ao longo de toda a série.

A confusão entre Fring e os cartéis mexicanos de drogas, representados especialmente na figura sinistra de Lalo Salamanca (Tony Dalton), aliás, poderia ser esparramada ao longo de todos os treze episódios da temporada final. Nas mãos de um roteirista comum, a crescente tensão seria um prato cheio para um final apoteótico e cheio de ação (como Breaking Bad), mas Gilligan e Gould subvertem as expectativas resolvendo a maioria das tramas principais logo de cara.

Nesse sentido, a divisão em dois volumes vem a calhar. Reflexo de uma produção ainda cautelosa com precauções da pandemia, e uma quase greve de roteiristas, a pausa funciona como um acidente feliz dividindo a reta final também em duas temáticas: escolhas e consequências.

Logo nos primeiros episódios, todas as partes lidam com eventos postos em movimento nos anos anteriores. Implacável, Lalo busca vingança pelo atentado ordenado por Fring contra à sua vida. Já Kim Wexler (Rhea Seehorn), tenta equilibrar o que acredita ser correto, enquanto é sugada cada vez mais ao mundo de criminalidade do parceiro Goodman. Cada personagem faz uma escolha, e deve lidar com a consequência.

Fring e Salamanca batem de frente, com implicações que definem o caráter do traficante frio e calculista que, eventualmente, será um dos grandes vilões de Breaking Bad. E a conta também chega para o casal Goodman/Wexler. Os dois causam diretamente um acontecimento bombástico que, além de pontuar o intervalo entre os dois volumes, também sinaliza a gradativa perda da alma de cada um nos episódios por vir.

Um epílogo para Breaking Bad

A sequência entre os episódios 1 e 9 pode ser considerada, com um exercício mental, um final. Perguntas são respondidas, personagens morrem e há um claro senso de conclusão. Já os episódios 10 a 13 funcionam como um epílogo, tanto para os espectadores, quanto para os personagens e para o universo Breaking Bad. Depois de toda a confusão no ventilador, com gente matando, gente morrendo e gente ficando traumatizada porque gente morreu, nos sentimos, assim como Goodman, sobreviventes. E isso pode não ser tão bom quanto parece.

Como mostrado desde o início da série, o ex-advogado torna-se uma sombra do que um dia foi. Amargurado, limita-se a se manter abaixo do radar, revivendo os dias de glória através das velhas fitas VHS com seus comerciais bobos.

Há uma determinada cena na temporada final em que Goodman declara: “Ela saiu da cidade. Mas quem estava fugindo era eu.” É uma prova de como a inevitabilidade do passado vem para todos, por mais que se tente escapar, e isso norteia os quatro episódios finais da temporada. São raízes plantadas lá na primeira cena do primeiro ano, que agora ganham novo significado após a jornada dos 63 episódios.

É até um pouco desolador pensar em tudo que se perdeu durante os anos abordados em Better Call Saul. Todos os sacrifícios feitos, todo o sangue derramado, tudo que, dali a alguns anos, será completamente obliterado com a chegada do professor de química amargurado que decide criar um império das drogas. Se Walter White (Bryan Cranston) teve a saída através da morte, e Jesse Pinkman (Aaron Paul) ganhou a chance de um recomeço (como visto no filme El Camino), a vida cobrou um preço mais agridoce de Saul Goodman.

E afinal, o que é um final “feliz”? Jesse Pinkman teve um final feliz, recomeçando a vida longe de todos os problemas, mas sob o preço de uma montanha de corpos e várias famílias destruídas? Talvez, no fim, a vida não seja feita de finais, sejam eles felizes ou tristes, mas de seguir sobrevivendo pelo caminho. Talvez, então, a questão seja justamente o que fazemos com o tempo que nos é dado, e as escolhas que nos são apresentadas. Já que a vida, infelizmente, ainda não oferece voltas no tempo (um tema recorrente no episódio final), ou a possibilidade de derivados.

Tomando o caminho adotado em boa parte das temporadas anteriores, Vince Gilligan e Peter Gould aplicam o aprendizado da decadência moral de Walter White sob uma nova perspectiva, e uma visão humana ainda mais aguçada.

O projeto triunfa ao cumprir a função mais básica de um derivado, expandindo e ressignificando coisas da produção anterior, e vai além, apresentando novos personagens e tramas que, agora, já envolvem tanto quanto os dramas de White e Pinkman. Além de apresentar um drama moral ainda mais próximo da realidade do que BB. Quantas escolhas ruins fazemos na vida pela necessidade de aprovação por um irmão mais velho? Ou pela perda de um grande amor...?

Better Call Saul brilha por seguir o caminho oposto a Breaking Bad em sua reta final. Se na série anterior, os conflitos vinham com tiros, situações de tensão e catarses emocionais, Better Call Saul opta pelo minimalismo, na confiança de que os atores e a audiência comungam até em momentos com poucas ou nenhuma palavra. Gilligan e Gould se despedem deste universo (ao menos por enquanto) não com um estrondo ou um soco no estômago, mas com um silêncio reflexivo que, se você para pra pensar, é até mais dolorido.

Todas as temporadas de Better Call Saul, assim como Breaking Bad e o filme El Camino, estão em catálogo na Netflix.

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