Desde seu surgimento, a ficção científica usa seus recursos fantásticos como um fio condutor para tratar de temas e questões humanas. Aniquilação, novo filme da Netflix, esquece esse fundamento do gênero e entrega uma história que, apesar de prender o público com diversos mistérios, acaba não dizendo muita coisa.
Baseado no livro de Jeff VanderMeer, o longa dirigido por Alex Garland (do excelente Ex Machina) se apresenta como um projeto confuso e sem alma — trazendo discussões que tinham potencial, mas que acabam sendo deixadas de lado, tornando-se rasas. O filme gira em torno de Lena (Natalie Portman), uma bióloga que tem seus conceitos desafiados ao se envolver com os fenômenos do Shimmer, uma área no sudeste dos EUA que está sendo afetada por fenômenos inexplicáveis que causam mutações genéticas em plantas e animais da região. A premissa é interessante, mas o roteiro escrito por Garland passa muito mais tempo focado nos mistérios e nas reviravoltas da trama do que em mostrar como seus personagens lidam com tudo isso — é um caminho possível, mas que não é bem executado, já que as revelações e desfechos oferecidos não trazem nenhuma profundidade dramática ou impacto. O filme cria a expectativa, mas não entrega nada à altura.
Natalie Portman, que mais de uma vez já se provou como uma excelente atriz, acaba sendo subaproveitada no projeto, já que Lena não demonstra muitas emoções e dialoga com aqueles ao seu redor de forma extremamente mecânica — isso fica claro desde a primeira cena, quando a protagonista está dando uma aula sobre os mecanismos de divisão celular. Até mesmo Jennifer Jason Leigh, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu trabalho em Os Oito Odiados, acaba sendo jogada para escanteio pela superficialidade do script de Aniquilação.
A direção de Garland é burocrática, trazendo planos chapados e sem muitas inovações. Em termos visuais, a cena mais ousada de Aniquilação posiciona a câmera dentro da boca de um crocodilo — infelizmente, não vai muito além disso. O diretor também segue a escola J.J. Abrams de como se fazer um filme e coloca lens flare sempre que pode, usando o recurso em excesso, até mesmo em cenas de diálogos triviais onde o aspecto fantasioso do restante da trama não está mais presente. Outro problema do longa é seu ritmo: ele começa de maneira lenta, acelera, volta a ficar lento e nunca define seu próprio timing.
O grande êxito do cineasta está em como ele conduz as sequências de violência — uma em específico certamente será lembrada por muitos anos em rodas de conversa como “aquela cena do urso”. A trilha sonora de Aniquilação traz muitos sintetizadores que lembram o trabalho de Jóhan Jóhannson em A Chegada e Blade Runner 2049. As músicas funcionam em cenas em que o sci-fi é mais forte, mas acabam ficando esquisitas em sequências mais pé no chão, como as explorações de Lena dentro do Shimmer.
É uma pena ver uma história cheia de potenciais sendo executada dessa forma completamente burocrática e sem alma. Só resta torcer para que caso os outros dois livros escritos por VanderMeer sejam adaptados para as telonas eles tenham algo a dizer.