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Air surpreende ao tornar feito empresarial em saga heroica | Crítica
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Air surpreende ao tornar feito empresarial em saga heroica | Crítica

Com Ben Affleck na direção e um elenco absurdo, filme conta a criação do icônico tênis Air Jordan

Gabriel Avila
Gabriel Avila
06.abr.23 às 09h10
Atualizado há mais de 1 ano
Air surpreende ao tornar feito empresarial em saga heroica | Crítica
Air/Amazon Studios/Divulgação

Filmes baseados em histórias reais atraem atenção por uma lógica simples de que o evento retratado deve ser importante ou curioso o bastante para ganhar uma dramatização. É um raciocínio fácil de se aplicar em jornadas de superação ou às que beiram o inacreditável, mas que gera dúvidas em projetos como Air: A História por trás do Logo. Afinal de contas, qual é a graça em narrar a criação de um tênis?

O Air do título se refere ao “Air Jordan”, icônico calçado que inaugurou uma linha exclusiva dedicada a um único jogador de basquete: Michael Jordan, uma lenda viva que dispensa apresentações. O atleta é dono de um legado imenso que inclui o tênis que leva seu nome, que transformou um equipamento esportivo em um marco de “moda e cultura”, nas palavras do jornalista e escritor Roy Johnson – basta lembrar de filmes como Faça A Coisa Certa (1989) ou Homem-Aranha no Aranhaverso (2019) para constatar que não há exagero na fala.

Consciente de que a pegada cultural do calçado pode não ser tão impressionante por si só, o roteirista Alex Convery e o diretor Ben Affleck apostam em uma abordagem mais atraente para Air. A dupla transforma a criação de um produto na saga de um azarão que assume riscos em busca de um sonho – e triunfa. Uma escolha acertada que passa longe de ser inédita ou reinventar a roda, mas engrandece o tema e até aponta algumas das armadilhas desse tipo de narrativa.

O azarão em questão é Sonny Vaccaro (Matt Damon), vendedor encarregado de levantar o decadente departamento de basquete da Nike em 1984. Ao contrário do momento atual, em que a empresa é uma das maiores no mercado, há quase 40 anos ela precisava de uma grande vitória. Para Vaccaro, era óbvio que essa conquista viria de patrocinar Michael Jordan, mesmo que o futuro ícone não passasse de uma promessa na época.

Para colocar sua visão em prática, Vaccaro se depara com os mais variados obstáculos. Há executivos da própria firma que não acreditam no potencial do atleta, sem falar da concorrência que o cobiça e até mesmo o próprio Jordan, que sequer queria uma reunião com a Nike. Estabelecido o herói e o mundo que o antagoniza, a produção trafega por um caminho conhecido, mas com identidade própria.

Air é plenamente consciente de que não há nada inédito na proposta de contar o triunfo inesperado, mesmo no cenário empresarial e esportivo – basta lembrar que o próprio Matt Damon foi protagonista de uma história como essa em Ford vs Ferrari (2019). Porém, a condução brilha no esforço em tornar a história universal, dinâmica e carismática o suficiente para engajar o público.

Em seu primeiro trabalho profissional, Alex Convery traz um roteiro dinâmico que entrega toda a exposição necessária para que o público entenda esse universo e os riscos do protagonista, sem que a história perca seu ritmo. Estruturalmente, a história nunca para de avançar, e é hábil ao apresentar diferentes personagens, contextos e objetivos enquanto diverte, empolga e até comove.

Uma deixa aproveitada por Ben Affleck, cuja direção varia entre a dramatização hollywoodiana e uma abordagem documental que deixa a produção com um ar realista, transportando o público para os escritórios da Nike nos anos 80. Uma viagem, aliás, conduzida com esmero por toda a parte técnica, que faz um trabalho brilhante no quesito reconstituição.

Grande ferramenta para a imersão do público, a recriação da década de 1980 é caprichada desde a criação dos cenários e figurinos, passando especialmente pela fotografia de Robert Richardson (O Aviador), experiente em filmes de época. Mas Air não se contenta e bombardeia o público com referências a cinema, televisão e especialmente música, com uma trilha sonora que reúne grandes hits do período.

Mais do que evocar a nostalgia por parte de quem consumiu muitas das obras citadas, esse conjunto recria o contexto específico em que a história se passa e traz um charme encantador. Um encanto que vai além da estética e aproxima o público de um cotidiano tão específico, e até excêntrico, quanto o de grandes corporações, empresários e atletas.

Tal identificação é o palco para que Sonny Vaccaro e os demais personagens brilhem nessa jornada universal de batalhar pelo próprio sucesso. Com um forte fator de identificação, o roteiro de Air investe em um texto afiado para que as reuniões e telefonemas não se tornem entediantes, algo que só é possível graças a entrega de um elenco absurdamente talentoso composto por veteranos. Uma constatação que pode ser comprovada primeiro nos personagens com mais tempo em tela, como é o caso de Matt Damon, Jason Bateman, Chris Messina e o próprio Ben Affleck.

Variando entre a comédia e o drama, o quarteto cria uma base sólida que dimensiona o que estava em risco na empreitada de Sonny. Porém, o filme brilha de verdade quando coloca suas participações especiais para jogo. Escolha pessoal de Michael Jordan para interpretar sua mãe, Dolores, Viola Davis agracia o filme com uma performance tão realista quanto cativante em cada segundo em tela.

É das trocas entre a sra. Jordan e Vaccaro que a produção entrega alguns de seus momentos mais memoráveis. Com a ousada – mas sábia – decisão de não tornar Michael um personagem central, o longa dá à Dolores um destaque que engrandece a produção justamente por destacar seu componente humano. Um elogio que se estende a Chris Tucker e Marlon Wayans, que também roubam a cena nos momentos em que estão em tela.

Esse componente humano é importantíssimo, especialmente considerando que a abordagem pessoal não muda o fato de que essa é uma história focada no sucesso comercial de uma empresa bilionária. Ainda que Air triunfe ao trazer uma sinceridade que impossibilita que o filme seja reduzido a isso, o lado capitalista é sim uma parte grande da história. A cartada final da produção é reconhecer isso e incorporar suas possibilidades e armadilhas no texto.

No campo positivo, a narrativa usa a criação do tênis como uma espécie de metáfora para a produção de uma obra de arte. O processo de Peter Moore (Matthew Maher) é contado com uma paixão pura que celebra as oportunidades criativas vindas da necessidade de fazer dinheiro. No negativo, o longa reconhece que essa mesma necessidade gera um sistema incongruente e ganancioso que pode derrubar até mesmo os que “vencem” na vida.

Contando com apoio de empresas e dos envolvidos na história, esses tópicos são colocados em jogo sob uma ótica menos crítica do que poderiam. Porém, ao reconhecer que eles existem, a produção ao menos escapa de soar ingênua e até simplória. Algo que fica claro na forma como o longa cita a clássica canção “Born in the USA”, de Bruce Springsteen.

A bem da verdade, Air é honesto e nunca promete reinventar a roda. O filme abraça todas as convenções de uma história de superação e justifica o interesse em contar a história por trás da criação de um tênis. O calçado, no fim das contas, se torna quase coadjuvante em uma produção esperta ao usá-lo como desculpa para celebrar o fator humano por meio de histórias em que um herói improvável vence os obstáculos e triunfa no final.

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