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Kingdom Come: Deliverance II aposta na imersão para desviar problemas | Review
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Kingdom Come: Deliverance II aposta na imersão para desviar problemas | Review

Jogo cobra caro no pedágio de entrada, mas recompensa com tratamento VIP quem estiver disposto

Marcellus Vinícius
Marcellus Vinícius
04.fev.25 às 11h31
Atualizado há 3 meses
Kingdom Come: Deliverance II aposta na imersão para desviar problemas | Review
Kingdom Come: Deliverance II/Warhorse Studios/Divulgação

Kingdom Come: Deliverance II é um jogo difícil. Os sistemas são complexos, o combate é tão peculiar quanto punitivo e até salvar progresso pode se tornar um drama, mas essa não é uma experiência difícil apenas pela ótica dos desafios e obstáculos: é um game igualmente difícil de interpretar.

Logo nos primeiros minutos, ele ensina a mecânica de furtividade tratando como piada a ideia de espionar mulheres tomando banho às margens de um lago. Horas depois, ele consegue abordar de maneira bastante sensível algumas das contradições da xenofobia, colocando o jogador para confraternizar com guerreiros cumanos e, consequentemente, humanizando o exército adversário da trama. O texto pode soar raso e até ofensivo em alguns momentos, para meia hora depois envolver você completamente no drama de uma missão opcional.

Assim como o primeiro jogo, lançado em 2018, essa é uma obra que se compromete de modo bastante radical com a proposta de trazer realismo e precisão histórica ao retratar a vida no século XV. Apesar disso, Kingdom Come continua sendo fruto do seu tempo, refletindo questões, preconceitos e conflitos que pertencem a 2025, e não apenas a uma visão romantizada dos períodos medievais.

É nas contradições e dificuldades que o game se transforma em uma experiência única, podendo ser frustrante ou fascinante, dependendo das prioridades e expectativas de cada um.

Uma sequência (bem) direta

A história é retomada a partir do desfecho do primeiro jogo. O protagonista novamente é Henry, um aprendiz de ferreiro que, após assistir à morte dos pais durante um ataque surpresa em seu vilarejo, acaba se envolvendo em intrigas políticas muito maiores do que ele enquanto busca por vingança pessoal. Ele, agora, viaja como guarda-costas (lê-se babá) do amigo e potencial “crush” Hans Capon, um nobre liderando uma comitiva com a missão de recrutar mais aliados para a oposição do ilegítimo rei Sigismund.

É difícil não pensar que Kingdom Come teria se beneficiado muito de um sistema de criação de personagens, como acontece em Skyrim e Baldur’s Gate 3, por exemplo. Isso porque na maior parte do tempo Henry se mostra tão carismático quanto uma ferradura mal forjada. Felizmente, o elenco de apoio brilha muito mais do que o personagem principal, com especial destaque para o padre pecador Godwin, que inclusive divide o protagonismo como personagem jogável em alguns capítulos.

Embora faça algumas recapitulações, o game presume que já estamos familiarizados com os personagens e contextos, o que pode ser um entrave para quem pretende partir direto para essa sequência. O essencial, no entanto, não é muito difícil de captar pelos diálogos e flashbacks iniciais. A trama, que começa com uma simples missão de recrutamento de aliados, vai ganhando cada vez mais camadas e personagens para engatar de vez na segunda metade da jornada — ou seja, dezenas de horas depois.

Simulação e burocracia

Curiosamente, a jogabilidade de Kingdom Come às vezes se aproxima de um simulador como Euro Truck Simulator, com trabalhos braçais de uma vida medieval no lugar das viagens de caminhão. O título está repleto de mecânicas que têm como única função maximizar a imersão do jogador nas circunstâncias e particularidades do período histórico que está retratando.

Existem sistemas que medem a alimentação, higiene, descanso, reputação e até a limpeza das roupas. Para ganhar dinheiro e prestígio pelas cidades que visita, Henry pode, por exemplo, arranjar um bico como ajudante de ferreiro. E o jogo realmente coloca você para suar a camisa na frente da fornalha, controlando a temperatura do aço e o ritmo das marteladas durante a forja. O mesmo vale para os experimentos como alquimista, remanescentes do capítulo anterior.

Essas atividades são extremamente repetitivas e tediosas, o que não é necessariamente ruim. O marasmo meio bucólico é, afinal, parte fundamental de simuladores imersivos. Pode ser relaxante largar mão das picuinhas da história principal e brincar de morar em um dos vilarejos do mapa, fingindo ser parte da comunidade local. É possível até enriquecer — ou perder tudo — jogando dados nas tavernas do reino, em um minigame que pode ser perigosamente viciante.

Só que talvez o exemplo mais perfeito do delicado equilíbrio entre imersão e frustração de Kingdom Come esteja no sistema de combate. Os duelos são lentos, calculados e, muitas vezes, angustiantes. A curva de aprendizado é tão íngreme que você pode passar horas sendo humilhado por bandidos que mal sabem segurar uma espada, mas, quando finalmente consegue dominar as mecânicas, a sensação de desferir um golpe perfeito é tão gratificante que dá até vontade de procurar no Google a escola de esgrima mais próxima.

Todos os sistemas, mecânicas e burocracias de Kingdom Come: Deliverance II trabalham em conjunto para favorecer o sentimento de imersão, e o jogo realmente é competente em te puxar cada vez mais para dentro do mundo que propõe. O que só aumenta a frustração nos momentos em que ele se mostra limitado como RPG — ou seja, oferece poucas opções para atuar e participar daquele mundo. Isso é um problema frequente nas ramificações dos diálogos, por exemplo, ou nas situações que são inevitáveis independentemente das escolhas do jogador.

Todo retrato parte de uma perspectiva

Existe uma falácia permeando todas as decisões estéticas e narrativas de Kingdom Come II: a equivocada ideia de que é possível retratar um período histórico em uma obra de ficção de maneira isenta e estritamente factual. Esse é um equívoco muito presente nos comentários do diretor do jogo, Daniel Vávra, que admitiu publicamente, por exemplo, que a falta de diversidade étnica é mera consequência desse “compromisso com os fatos”. O que Daniel não percebe é que a falta de uma posição já é, muitas vezes, a posição em si.

Justiça seja feita, ninguém pode acusar a equipe da Warhouse Studios de não estar comprometida com a própria proposta. É notável essa devoção quase religiosa ao período histórico e à ambientação da trama que estão contando, ainda que essa não deixe de ser uma visão bastante romantizada. Essa é uma obra que, para o bem e para o mal, se orgulha muito de ser justamente o que é. Essa firmeza na própria identidade é um fator determinante para cativar o público fiel da série e se destacar como uma experiência única na atual geração, especialmente quando falamos de jogos de grande orçamento.

Kingdom Come: Deliverance II cobra caro no pedágio de entrada e afasta boa parte dos curiosos com isso, mas recompensa com tratamento VIP quem mostrar a devida disposição e pagar esse preço de bom grado.

Esse é, sem dúvidas, o jogo dos sonhos para quem sempre quis ser um camponês traumatizado, faminto e precarizado em meio às mazelas e perrengues do século XV.


Kingdom Come: Deliverance II será lançado no dia 11 de fevereiro de 2025 para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC.

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