À primeira vista, Os Banshees de Inisherin parece ter a tradicional prepotência que o Oscar costuma valorizar. É um filme europeu de nome difícil, ambientado no interior da Irlanda no início do século 20, e inteiramente carregado por diálogos. O tratamento é injusto nesse caso, e desmerecê-lo como mais um filme “caça-Oscar” significa ignorar um conto divertido e emocionante sobre amizade, legado e propósito.
Dirigido e escrito por Martin McDonagh (Três Anúncios para um Crime), o longa se passa em uma pequena ilha na costa da Irlanda, e segue a dupla Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson). Os dois sempre foram melhores amigos, com uma rotina regada à idas ao pub e conversas bêbadas… até que Colm simplesmente decide que não gosta mais de Pádraic, e que quer fazer algo mais ambicioso com sua vida.
A trama acompanha a perspectiva de Pádraic, que simplesmente é incapaz de entender o que fez para merecer ser cortado da vida do melhor amigo, e custa até a acreditar que ele está falando sério. Na jornada para tentar reconquistar Colm, o filme transita majestosamente bem entre o humor, o absurdo, o existencialismo e o drama de superar um coração partido.

O que faz a dinâmica entre os dois funcionar tão bem é o fato de que Brendan Gleeson fica a altura de Colin Farrell. Seu Colm é ranzinza e insano, mas também tomado pelo desespero existencial de ver sua curta vida começar e acabar da mesma forma. Por mais que suas atitudes oscilem entre birras infantis e violentos delírios, é difícil não simpatizar com sua dor silenciosa, de perceber estar vivendo uma vida vazia - mesmo que isso não seja bem a realidade.
O longa manifesta em seus protagonistas o conflito entre grandes ambições e os pequenos prazeres cotidianos, e desperta no espectador a reflexão: qual é o segredo para uma vida bem vivida? E como conciliar quando duas pessoas têm respostas diferentes para essa pergunta?

Figuras como o estranho jovem Dominic Kearney (Barry Keoghan) ajudam a intensificar essa rivalidade. O garoto faz um meio-campo entre os ex-amigos, e sua presença e pensamentos muitas vezes não fazem sentido, o que ressalta a infantilidade da situação toda. Mas o verdadeiro destaque entre os personagens secundários é, sem dúvidas, Siobhán (Kerry Condon), a irmã de Pádraic e âncora de sanidade para a disputa toda. Presa no meio desse conflito contra sua vontade, ela serve poucas e boas para ambos os lados.
Como a única pessoa minimamente sã no meio de uma cidade surtada, Siobhán cria conexão imediata com os espectadores que, juntos - público e personagem -, vão percebendo que a situação é muito mais séria do que só uma birra entre amigos.
Os Banshees de Inisherin é um filme bastante acessível, mesmo com sua ambientação excêntrica, humor tradicionalmente britânico e diálogos caricatos. E é o fato de ser acessível que o torna ainda mais poderoso, discutindo temas pesados e complexos através de situações divertidas, viradas dramáticas e momentos melancólicos de contemplação.
Graças a suas atuações impecáveis, cenários grandiosos e solitários, e excelente domínio do drama e da comédia, é facilmente um dos melhores filmes entre os indicados ao Oscar 2023, capaz até de levar os mais céticos dos espectadores por uma jornada que começa em riso e termina em choro.