Quase uma década após o lançamento do primeiro filme, John Wick conquistou um prestígio invejável graças aos espetáculos de ação promovidos com base em premissas simples. Essa combinação é levada a um novo patamar em John Wick 4: Baba Yaga, um épico de quase três horas que extrapola qualquer limite em busca da grandiosidade, sem abandonar o intimismo.
Desde o surpreendente sucesso de De Volta ao Jogo (2014), a saga do famoso assassino desaposentado vivido por Keanu Reeves obedece à simples lógica do “maior e melhor”. Ao contrário de muitas franquias, a saga de fato cresce a cada novo lançamento, aprofundando sua mitologia, apresentando novos inimigos e aliados e, é claro, ampliando as possibilidades das sequências de ação. Dessa forma, John Wick se tornou quase uma grife de “pancadaria de qualidade” em Hollywood.
Com esse retrospecto, é fácil para o espectador calibrar as expectativas para o quarto capítulo. O diretor Chad Stahelski poderia seguir essa linha e retornar à cadeira de direção para comandar mais um punhado de lutas impressionantes que, certamente, seriam o suficiente para garantir o carinho de fãs e críticos. Por sorte, o cineasta não se contenta em cumprir expectativas e se desdobra na criação de um espetáculo que surpreende mesmo seguindo as próprias regras à risca.
Estruturalmente, Baba Yaga é uma jornada típica de John Wick. O roteiro de Shay Hatten e Michael Finch não busca reinventar a roda e coloca o assassino em uma nova empreitada para se livrar do controle da Alta Cúpula, o conselho que controla as organizações criminosas e seus assassinos. No processo, ele se une a aliados e combate inimigos utilizando as armas mais variadas. Porém, é na forma como essa lista é preenchida que o filme brilha.
Conscientes do conjunto de regras e dinâmicas estabelecidas nesse universo, os escritores concentram seus esforços em expandi-lo por uma perspectiva intimista. Uma escolha refletida em cada passo da jornada de Wick, que precisa recorrer – e enfrentar – velhos amigos, reatar laços e até construir novos.
Essa escolha ganha forças na apresentação de alguns dos melhores personagens de toda a saga e permite à direção focar um pouco mais no drama. A relação entre o protagonista e figuras como Shimazu (Hiroyuki Sanada) e, especialmente, Caine (Donnie Yen) é construída de forma econômica pelo roteiro, mas ganha vida em interpretações que transmitem o respeito e até carinho nutrido entre as partes. Tais sentimentos potencializam os conflitos fadados a acontecer.
A escalação de Sanada e Yen é acertada por se tratarem de veteranos com um carisma comparável às experiências no cinema de artes marciais. Porém, também há sangue novo pulsando no longa e é difícil ignorar Rina Sawayama, que convence em sua estreia nos cinemas, e Shamier Anderson, cuja performance traz um charme misterioso e até irônico que torna o Ninguém alguém digno de nota.
Porém, não há talento jovem que brilhe mais do que o Marquês de Gramont de Bill Skarsgard. Conhecido por viver o palhaço Pennywise nos filmes de It: A Coisa, o ator saboreia a oportunidade de interpretar um vilão tão sádico, quanto excêntrico. Se o texto propunha um antagonista afetado, o astro potencializa esse lado e dá origem a um ótimo caso de personagem que amamos odiar.
Em determinado ponto, é possível fazer paralelos entre o Marquês e o Coringa, inimigo do Batman, comparação que não parece absurda considerando o quanto o também vilão Killa (Scott Adkins) lembra o Pinguim. E, veja bem, apesar de óbvios, esses comparativos não surgem como algum tipo de acusação de que falta criatividade a John Wick 4, pelo contrário.
O filme coleciona e exibe, com certo orgulho, um verdadeiro caldeirão de influências. É possível captar referências tiradas de HQs de super-heróis, do cinema de ação asiático, do faroeste e até de animes e videogames. São influências que a direção incorpora para trazer sabor novo às esperadas sequências de ação, e o resultado não poderia ser melhor.
A condução de Stahelski combina conceitos estabelecidos nos capítulos anteriores e as novas ideias em cenas de luta verdadeiramente memoráveis. O cineasta não tenta disfarçar a natureza repetitiva da trama, composta de missões que desembocam em outras. Porém, há um claro esforço em tornar cada tarefa mais empolgante e distinta da anterior, o que conquista com louvor.

Essa criatividade pode ser observada até mesmo em embates que voltam a cenários recorrentes da franquia, como salas de troféus ou o trânsito de grandes cidades. Há tanto capricho envolvido, que fica fácil distingui-las e deixam claro o apetite do cineasta por aprimorar as habilidades em contar a história de forma física.
O amadurecimento do diretor torna muitas sequências inesquecíveis pela escolha contraintuitiva de mostrar tiroteios e pancadarias mortais com uma sutileza invejável. São várias as cenas em que a câmera tem uma movimentação leve, que se deleita em filmar o trabalho de dublês e atores da forma mais limpa possível.
O cineasta traz uma abordagem refrescante que enterra de vez a entediante câmera tremida que tomou conta dos blockbusters desde os anos 2000. Especialmente quando demonstrar essa maestria ao usar a ação para provocar angústia, choque e até risos. Temperos que se somam e tornam as quase três horas em uma injeção de adrenalina que em forma de experiência audiovisual.
O maior beneficiado e, ao mesmo tempo, contribuinte de tudo isso é Keanu Reeves. Dono de um carisma ímpar, o astro aparece mais a vontade do que nunca no papel de John Wick. Com poucas falas, em sua maioria um amontoado de clichês, o astro marca presença com o corpo, valorizando o gestual nas cenas de calmaria e se entregando como nunca nas de pancadaria. Centro desse universo e uma das grandes razões para seu sucesso, ele se esbalda ao trazer humanidade a um personagem virtualmente sobrehumano. Característica fundamental para que cada missão pareça mortífera e seus riscos reais.
Essa entrega por parte de diretor e astro principal faz John Wick 4: Baba Yaga triunfar e levar a saga um degrau acima na história do cinema de ação. O filme muda o jogo e estabelece um novo ponto alto, que certamente servirá de exemplo para produções do gênero nos próximos anos. É um espetáculo que coroa a trajetória de uma franquia que quase morreu no primeiro filme por falta de distribuição, mas que sacudiu a poeira e se vingou dessa descrença com alta dose de paixão, capricho e carisma.