Uma abordagem complexa sobre realidade e sonho é o que espera os jogadores em Decarnation, jogo indie 2D de terror, focado em narrativa.
Inspirado em clássicos de terror dos videogames e cinema, o game do estúdio francês Atelier QDB é um mergulho profundo na complexidade da mente humana, com belo visual em pixel art e uma trilha sonora impactante, que tem Akira Yamaoka (Silent Hill, The Medium, Lollipop Chainsaw) como compositor convidado.
Uma experiência catártica
A história é ambientada em Paris nos anos 1990 e segue Gloria, uma dançarina de cabaré que lida com uma série de conflitos internos e externos em sua carreira, relacionamentos e na forma como enxerga a si mesma. Após vivenciar uma situação traumática, a protagonista mergulha em uma experiência única, que leva o jogador a questionar os limites entre realidade e sonho.
Esse foco no terror psicológico e na complexidade da psique humana fica ainda mais evidente quando direcionamos um olhar às influências que o game recebeu. Em entrevistas, Quentin De Beukelaer, veterano da indústria de videogames e fundador do estúdio Atelier QDB, revelou inspirações em diretores como Satoshi Kon e David Lynch.
Além disso, Decarnation bebe da fonte de uma série de obras da cultura japonesa. Uma delas é Cega Obsessão (1969), adaptação cinematográfica da obra homônima de Edogawa Ranpo, sobre um escultor cego que sequestra uma modelo e a aprisiona em seu ateliê.
Enquanto jogava, também senti uma certa conexão com Perfect Blue (1997), o clássico de Kon que também se debruça sobre a linha tênue entre o imaginário e o real. E, já adianto, as referências não param por aí. Decarnation é uma bela homenagem a diversas obras do terror e à arte de modo geral, tanto em termos de narrativa, quanto de visual.
Ao visitar o apartamento de Gloria pela primeira vez, por exemplo, senti como se estivesse perambulando pelos corredores do Hotel Overlook, no clássico O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick.

Apropriando-se dessas referências, o game cria uma atmosfera de terror psicológico que explora principalmente os sentimentos e pensamentos traumáticos de Gloria, sua relação amorosa com Joy, o relacionamento conturbado com a mãe, além de sua baixa autoestima. Outra figura emblemática do jogo é Bob, um personagem que parece ter saído diretamente de um episódio de Twin Peaks, com uma aura bizarramente assustadora.
Apesar de ser um game com foco na narrativa, Decarnation propõe diversos minigames e diferentes tipos de gameplay. Os joguinhos, que variam de desafios de ritmo a puzzles, seguem o estado emocional da protagonista. Em um deles, por exemplo, é necessário resolver um quebra-cabeça envolvendo peças de xadrez, enquanto em outro minigame o jogador deve acertar uma sequência de passos em uma apresentação musical de Gloria.

Como dito anteriormente, o jogo foca em um terror predominantemente psicológico. Então não espere inimigos convencionais. Em Decarnation, os monstros podem ser reais e, ao mesmo tempo, uma manifestação daquilo que o inconsciente humano é capaz de projetar para manter uma mente sã. As ameaças variam entre versões surreais e assustadoras da própria Gloria e alucinações, e cabe ao jogador decidir se são, de fato, reais ou não.
Tudo isso é elevado ao máximo por uma ambientação sombria e pela trilha sonora do compositor principal Corentin Brasart, e do convidado especial Yamaoka, conhecido por suas melodias arrepiantes na trilha de Silent Hill. Além dos nomes de sucesso, a trilha de Decarnation presenteia o jogador com músicas da dupla pop fleur et bleue, que provavelmente vão garantir um lugar especial na playlist dos jogadores.
Decarnation é um game inspirado na complexidade da mente humana, na medida que apresenta uma história sobre traumas, medos, fantasmas e as múltiplas trajetórias que o inconsciente é capaz de traçar para escapar de um destino obscuro. Vale ressaltar que o jogo aborda uma série de questões e temáticas sensíveis e recomenda cautela aos jogadores que não estejam se sentindo bem o suficiente para jogá-lo.
Enquanto mergulhava nessa experiência, confesso que a princípio tentei — sem sucesso — buscar uma explicação racional para os mistérios da jornada de Gloria, mas não demorou muito para que entender o que, de fato, o game quer causar no jogador. Não há uma resposta certa a ser encontrada.
Decarnation propõe uma jornada de autoconhecimento e liberdade e cabe ao jogador decidir se quer ou não se desprender da dualidade entre aquilo que é real e o que é apenas imaginação.
Esta review foi feita com uma cópia cedida pela Shiro Unlimited.
Decarnation será lançado em 31 de maio para Nintendo Switch e PC. Uma demo gratuita está disponível no Steam.
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