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Dave McKean: entre o Sonhar e os Sonhos de Paul Nash
HQs e Livros

Dave McKean: entre o Sonhar e os Sonhos de Paul Nash

Quadrinista passou pelo Brasil para divulgar seu novo trabalho

Cesar Gaglioni
Cesar Gaglioni
06.jun.18 às 17h44
Atualizado há cerca de 7 anos
Dave McKean: entre o Sonhar e os Sonhos de Paul Nash

Apesar de ter ganhado notoriedade desenhando as capas de Sandman para o selo Vertigo, da DC, o ilustrador e quadrinista Dave McKean não esconde que acha as HQs da Marvel e da sua antiga editora chatíssimas.

McKean veio ao Brasil para participar do Festival Internacional de Quadrinhos e divulgar Black Dog: Os Sonhos de Paul Nash, graphic novel que está sendo lançada pela editora DarkSide. Conversando comigo por telefone, o artista explicou que não existe espaço para inovação dentro do mainstream de quadrinhos — exceto em alguns momentos específicos, quando o mercado “toma um chacoalhão e começa a perder público, percebendo que se tornou uma indústria preguiçosa”.

Para ele, a primeira (e única) vez que isso aconteceu no mundo das HQs foi durante os anos 80, com a chamada Invasão Britânica, quando autores e artistas do Reino Unido, como Neil Gaiman e Alan Moore, passaram a se tornar figuras cultuadas dentro do mercado, com obras que viriam a se tornar clássicas nas décadas seguintes. “Essa época foi um momento de ouro na indústria de quadrinhos americana. Foi quando os loucos passaram a comandar o hospício. Nessa época, as pessoas que comandavam tudo pareciam felizes com os resultados e com o fato de que estávamos trazendo novos públicos”, diz, explicando que esses movimentos duram pouco, e acabam quando as empresas tentam replicar modelos de sucesso, fazendo com o que era novidade se torne um padrão que rapidamente fica saturado.

McKean pode ser considerado um outsider da indústria e um inovador por natureza: seus trabalhos misturam desenhos, pinturas, gravuras e fotografias num estilo muito único que traz uma estética onírica. Aliás, os sonhos são grande parte da carreira do quadrinista: além de Sandman, que tem esse fenômeno da mente como tema central, Black Dog, seu novo trabalho, se propõe a ser uma coletânea de situações saídas diretamente das imagens formadas na cabeça de alguém que está em um estado de sono profundo.

Black Dog foi um projeto encomendado pela Fundação 14-18 NOW como uma forma de se marcar o centenário da Primeira Guerra Mundial. O ilustrador conta que, ao ser convidado para a iniciativa, achou que seria interessante de mostrar o conflito pelos olhos de uma pessoa criativa. O escolhido foi Paul Nash, pintor surrealista inglês que foi oficial do Exército Britânico na Frente Ocidental entre 1916 e 1917, se tornando Artista de Guerra, frequentando as trincheiras para pintar seus quadros. Para McKean, Nash foi o maior artista desse período, explicando que, embora ele não fosse o melhor e nem o que mais sofreu durante o conflito, encontrou sua própria voz e achou um jeito de criar fortes imagens simbólicas, mostrando o que realmente acontecia num campo de batalha.

O quadrinista então passou a ler tudo que podia sobre a vida do pintor. “Eu li a autobiografia dele, li outros livros escritos sobre ele, li as cartas que escreveu. Como fiz a pesquisa em parceria com o Imperial War Museum, tive acesso aos originais”, explica. “Quando comecei a trabalhar de fato, percebi que, em vez de fazer uma biografia em quadrinhos sobre Nash, seria melhor desenhar uma série de sonhos, cenas imaginadas que misturavam fatos da vida dele com os eventos da Primeira Guerra”, conta. “Isso me permitiu interpretar algumas dessas situações, me colocando em um lugar em que eu poderia dialogar com ele e levar essas ideias para um outro lugar”, conclui.

Esse “outro lugar” a qual McKean se refere é o mundo dos sonhos. Ele diz que não gosta de trabalhar com o conceito que todos conhecemos e que detesta histórias que simplesmente são fantasiosas. Para ele, um sonho “possui uma fagulha de realidade” e que “são como uma memória do mundo real, cercadas pelo que podemos chamar de imaginação”. Dentro dessa perspectiva, o ilustrador trabalha com situações comuns a todos — que vão de uma grande paixão à morte de uma pessoa querida — para tentar entender como a mente enxerga e interpreta esses eventos.

Nessa perspectiva de misturar o real com o surreal, McKean coloca em seu trabalho aquilo que acredita ser a principal função da Arte: se tornar “uma máquina de empatia que te permite ver o mundo pelos olhos de outro ser humano” e iluminar os tempos que estamos vivendo. O quadrinista diz que não possui filiação com nenhum partido político, mas que, nos últimos anos, passou a inserir temas da política em seus trabalhos, sempre sob uma perspectiva humanista.

Vários grupos não estão conseguindo enxergar o mundo pelos olhos de outras pessoas. Temos diversos grupos gritando e se recusando a ouvir uns aos outros. A Arte tem o dever moral de preencher essas lacunas, de mostrar a essas pessoas os outros pontos de vista que existem.

Após toda essa conversa sobre a Vida, o Universo e tudo mais, Dave tira alguns minutos para dizer que adorou o Brasil, destacando, principalmente, as espécies de pássaros que existem em Belo Horizonte, cidade que sediou o FIQ. “Sou completamente fascinado por pássaros”, diz. “A comida de lá também foi incrível. A experiência de se estar no Brasil é uma que nunca vou esquecer”, conclui.

McKean pode não ser mais tão popular comercialmente quanto era nos anos 80, mas ao final da nossa conversa, tive a certeza que, no futuro, ele será lembrado como um nome que transformou, de alguma maneira, a forma como os quadrinhos são feitos e lidos pelo público.

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