Bright tem tudo aquilo que a gente já conhece de outras obras de fantasia: o escolhido, a profecia e o vilão que quer dominar tudo; também tem dragões, elfos, orcs, fadas, centauros, só que em Los Angeles, com uma população que não confia na polícia, ruas sombrias e muita chuva.
Já são muitas coisas para apresentar ao público em pouco menos de duas horas (117 minutos), mas Bright tenta também encaixar uma crítica social no meio disso tudo e ainda manter um ritmo frenético. O resultado é um filme atropelado, que parece um grande piloto para uma série (que seria incrível), por exemplo.
Com tanto potencial, o filme escolhe a árdua missão de ser um thriller de ação com crítica social em um universo fantástico, mas não cumpre nenhum desses papéis muito bem. As cenas de ação são bem feitas, mas por conta do roteiro, que não sabe qual recorte focar, se tornam gratuitas. Personagens parecem se teletransportar quando aparecem, inexplicavelmente, sempre no lugar certo e na hora certa, só para iniciar uma nova sequência de tiroteio e pancadaria. Entre uma sequência de ação e outra, diálogos pouco inspirados (com exceção da divertida cena com o elfo, o orc e o humano) que cumprem a função de resolver conflitos emocionais.
As regras que o mundo cria são quebradas dentro do próprio longa sem maiores explicações: uma hora, um feitiço impede determinada coisa, outra hora, não. Personagens têm força e habilidades diferentes quando é conveniente para a construção da narrativa, sabem idiomas (ou não) e esquecem que têm poderes incríveis (e lembram depois).
O personagem de Will Smith, Scott Ward, policial, negro, preconceituoso com os orcs, é o ponto forte do filme. Não porque há uma grande interpretação — Bright nem cobra isso dele —, é pela quebra de paradigma. Joel Edgerton, o orc Nick Jakoby (vale destacar o excelente trabalho de maquiagem), é um pária, e entra na polícia pelo programa de cotas para tentar combater o preconceito. A dupla mostra carisma e boa dinâmica, com direito até uma referência a uma piada protagonizada pelo próprio Will Smith em outro filme, quando ele também fez "dupla policial": MIB - Homens de Preto. A vilã, Leilah, a elfa interpretada por Noomi Rapace, é uma personagem linear até o fim, acompanhada de um grupo igualmente previsível: o público sabe quem vai lutar contra quem e como será o final de cada um na trama, em apenas alguns instantes de tela.
O longa não consegue estabelecer uma mitologia sólida na tentativa de apresentar o máximo de coisas no menor tempo possível. A profecia é explicada às pressas; quando vemos um dragão, só fica a pergunta: qual seria o papel da fera naquilo tudo? Também passamos rapidamente pela parte da cidade sob o domínio dos elfos (único que faz sol em Los Angeles, pelo jeito), que abusa do estereótipo do "rico e malvado". A parte orc da cidade é melhor explicada, com mais tempo de tela, e é o equivalente ao universo das gangues (pelo menos da forma que são retratadas em outros tantos filmes e séries): a roupa, o jeito de falar, etc.
O final de Bright reforça o que filme realmente é: uma grande aventura (fantasia/policial), para ser assistida enquanto se come pipoca e conversa com os amigos sobre as acrobacias, as câmeras lentas, as coreografias interessantes e o visual bacana dos personagens. A violência, a tentativa fraca de criar alguma reflexão sobre racismo e preconceito, os peitos na tela, são apenas maneiras de dizer que é algo mais "adulto", um disfarce descartável, uma vestimenta pretensiosa, que só faz com que o público deixe de aproveitar o bom pipocão que ele é — ou poderia ter sido.
Outras coisas:
- A Los Angeles retratada em Bright parece com a Los Angeles de 1992, quando quatro policiais foram absolvidos por agredirem um homem, apesar do registro em vídeo do espancamento do homem negro. A população protestou violentamente, o que resultou em 63 mortos e 11 mil pessoas detidas. A polícia, é claro, passou a ser odiada pela população, vista como racista e violenta — o mesmo ambiente visto no filme.
- A cota para o orc também tem seu paralelo na vida real. Após a revolta dos anos 90, a forma de contratação da polícia foi alterada para que mais mulheres, negros e latinos participassem da força policial da cidade.
- Bright teve o custo estimado de US$ 90 milhões. Vale ressaltar que a Netflix não divulga valores oficiais.
- O longa deve ter continuação, afirma o Bloomberg.
Bright estará disponível na Netflix a partir do dia 22 de dezembro.