Assim como a extensa obra do autor, as adaptações de Stephen King variam drasticamente em qualidade. Há clássicos atemporais, filmes considerados melhores que os livros, e também desastres vergonhosos. Entre os extremos, Boogeyman - Seu Medo é Real chega para ocupar orgulhosamente o posto intermediário de adaptação decente, repleta de boas decisões, mas sem nada muito marcante.
O longa adapta um dos contos da antologia Sombras da Noite, e segue um pai e suas duas filhas sendo perseguidos por uma criatura durante um momento delicado. Com a família tomada pelo luto após a morte repentina da mãe em um acidente, a aura de tristeza e sofrimento atrai a atenção de um bicho-papão, que passa a atormentar os três de formas cada vez mais violentas.
Ainda que seja um filme de monstro, sua progressão é muito parecida com qualquer obra de possessão. No início, a criatura brinca com suas vítimas e incita seus medos, as isolando e enfraquecendo até poder atacar com mais facilidade. As sobreviventes, por sua vez, correm contra o tempo e a insanidade para descobrir a fraqueza da criatura. O longa abraça essa fórmula como se fosse receita de bolo, executando-a sem maiores surpresas e reviravoltas.
É um problema? Não necessariamente, afinal clichês só existem porque funcionam, e Boogeyman não faz feio. O diretor Rob Savage (Host, Dashcam) serve um ‘arroz e feijão’ muito bem feito ao demonstrar enorme entendimento da construção de tensão. Ao brincar com vultos na meia luz, reflexos duvidosos e sombras que se movem, o cineasta mantém o espectador na ponta dos pés, e economiza a mão nos sustos para não tornar tudo desnecessariamente apelativo.
A direção de Savage é muito competente, mas o que impede o longa de virar algo especial é justamente o quão impessoal ela soa. Ainda que faça um trabalho sólido, falta personalidade ou uma estética mais marcante, algo que estava muito presente em seus ótimos outros longas.
Vez ou outra, há fagulhas de inventividade, como quando a câmera se inverte para acompanhar a garota Sawyer (Vivien Lyra Blair) buscando o monstro debaixo da cama, ou então para destacar apenas sua silhueta em meio a penumbra quando a menina busca ajuda da irmã mais velha no meio da noite. Mas, no geral, o cineasta prefere jogar seguro e se contentar com algo funcional ao invés de estiloso ou criativo.

Em filmes de monstro, a sabedoria popular é não mostrá-lo por inteiro ao espectador. O diretor desafia isso de forma divertida, sempre mostrando mais da criatura do que deveria, mas sempre em relances, imagens rápidas ou no fundo da tela. O espectador sabe como o monstro se parece, porém nunca o encara diretamente. O bicho-papão aqui ganha uma aura de ameaça que só existe fora da sua visão periférica, sempre espreitando no canto dos olhos do público.
Ajuda que o excelente elenco também entrega performances fortes o bastante. Sophie Tatcher, em alta pelo merecido sucesso de Yellowjackets, carrega o filme ao lado de Chris Messina como Sadie e Will, respectivamente, filha e pai cada vez mais distantes pela falta de comunicação, luto e dores do amadurecimento.
A tensão entre os dois é palpável, repletos de dores entaladas na garganta, e funciona mesmo quando o roteiro acaba por traduzir essa indigestão emocional em um texto marcado por obviedades. O filme explica claramente a metáfora do bicho-papão aos espectadores, mas são as ótimas atuações dessa dupla que impedem que a decisão seja entendida como um insulto à inteligência do público.
De quebra, Vivien Lyra Blair - que já tinha brilhado como mini princesa Leia em Obi-Wan Kenobi - conquista tanto pela fofura quanto pelo comprometimento com as cenas mais assustadoras. Não será surpreendente vê-la em mais produções do gênero. O mesmo vale para todos os envolvidos. Há talento de sobra no elenco e na direção que não é totalmente aproveitado aqui, mas que passa segurança de um futuro promissor na desgraceira.

O título seguiu a tendência de Noites Brutais, Sorria e A Morte do Demônio: A Ascensão de ter sido resgatado das plataformas digitais para as telonas. Porém, a comparação parece injusta, visto que são três exemplos de obras repletas de loucura, sangue e personalidade. Boogeyman não tem muito disso, mas pode cair como uma luva para quem sente falta de um filme de terror mais convencional, horripilante e menos surtado.
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Boogeyman - Seu Medo é Real chega aos cinemas brasileiros em 1º de junho.