Quando falamos sobre Game of Thrones, há uma mistura de sentimentos. Por um lado, há o grande sucesso de uma das maiores produções da história da TV. Por outro, a decepção por um final que deixou a desejar, especialmente em comparação com o começo da história. Essa combinação de emoções se repete em A Casa do Dragão, primeira série derivada do universo de George R.R. Martin. Embora tenha muita qualidade técnica e de atuação, não dá para negar que algumas escolhas narrativas tiraram parte da força da história.
Situada cerca de 200 anos dos acontecimentos de Game of Thrones, A Casa do Dragão mostra um período em que Westeros é governada pelos Targaryen. Nesse contexto, dragões são mais comuns e o reino vive uma certa estabilidade sob o comando do rei Viserys I. Tudo muda, é claro, quando surge uma disputa pelo Trono de Ferro. No entanto, ao invés de mostrar vários clãs em busca do poder, aqui a disputa é interna entre a família, que se divide em dois núcleos: os Pretos e os Verdes.
Só essa descrição já deixa claro que, embora tente repetir o sucesso de sua série-mãe, A Casa do Dragão é diferente, especialmente por apostar em um grande conflito de uma única família. Seguindo o caminho oposto de Game of Thrones, que mostrava Lannisters, Starks, Baratheons e vários outros grupos em conflito pelo poder, a disputa entre os lados de Alicent e Rhaenyra começa muito antes, e a posse do Trono de Ferro é quase mais um capítulo de uma grande lavagem de roupa suja entre as duas.
Essa característica frustrou parte dos fãs, que buscavam na série derivada a mesma profundidade política que Game of Thrones tinha em seu início. No entanto, para aqueles abertos a um novo tipo de narrativa, A Casa do Dragão entregou momentos interessantes. Para construir o que se tornou uma guerra civil entre os Targaryen, a série optou por mostrar as juventudes de Rhaenyra e Alicent, e como as duas amigas foram levadas para lados opostos, e ainda assim semelhantes.
A primeira tornou-se a herdeira principal do pai, com todo o peso que isso carrega, e a segunda se viu obrigada a cumprir o que lhe foi determinado, mesmo contra sua vontade. Em um mundo comandado por homens, essas duas mulheres tiveram seus caminhos determinados por eles, e só tardiamente começaram a tomar suas próprias decisões.
A escolha de contar a história dos personagens desde o começo foi acertada, porque várias atitudes do futuro ficaram mais claras. No entanto, A Casa do Dragão pecou em algo que acendeu o alerta nos fãs de Game of Thrones: acelerar demais certos momentos sem justificativa. Somente na primeira temporada, a produção teve mais de um salto temporal, com atores que apareceram apenas em um episódio e depois já foram trocados. Isso tirou o peso de algumas sequências e até ocasionou uma certa confusão nos espectadores, que precisaram se acostumar rapidamente com vários rostos inéditos. Essa escolha fez a série terminar no limiar do conflito conhecido como A Dança dos Dragões, mas também cobrou um preço narrativo, gerando uma certa desconexão por parte do público.
A representação feminina na série também precisa ser citada, porque teve seus altos e baixos. Por ser uma história com mulheres em seu centro, A Casa do Dragão precisou trabalhar melhor a construção de tais personagens. Isso fica claro em cenas com conteúdo sexual e nudez, que foram realizadas de forma mais sutil e chegaram ao mesmo resultado narrativo, sem precisar expor as atrizes. No entanto, do primeiro ao último capítulo, a produção focou em cenas brutais de partos que, a exemplo de outros momentos, poderiam ser feitas de forma diferente e passar a mesma sensação. Fica a impressão de que houve um cuidado genuíno com uma parte da história, enquanto outra ficou extremamente gráfica sem um motivo plausível.
Mesmo com estes problemas narrativos, A Casa do Dragão entregou grandes momentos aos fãs, incluindo cenas tecnicamente bem executadas. As cenas de voo de dragões, por exemplo, apresentaram uma boa evolução técnica em comparação com a série original. Com dragões mais reais e se movimentando de forma crível, ficou ainda mais claro porque os Targaryen eram a maior família da época: nenhum poder é equivalente aos dos grandes animais, e ter boas cenas deixou isso ainda mais óbvio. Ainda falando sobre as criaturas, cada uma foi apresentada com características próprias e ligadas aos montadores, tornando-as quase tão celebradas quanto os personagens principais.
Essa sensação de força também foi transmitida de forma satisfatória pelo elenco. Desde Milly Alcock e Emily Carey na primeira fase, até Emma D'Arcy e Olivia Cooke na segunda, todo o elenco de A Casa do Dragão se dedicou para mostrar as diversas camadas dos personagens, que não são totalmente bons ou maus.
Nesse quesito, vale citar a construção feita por Matt Smith como o príncipe Daemon Targaryen. Do primeiro ao último capítulo, o personagem foi igualmente charmoso e mesquinho, gerando sentimentos conflitantes nos fãs. Também é preciso falar sobre Paddy Considine como Viserys I. Personagem mais humano de toda a série, o rei começou como alguém sem graça, mas rapidamente mostrou que até mesmo o mais simples dos Targaryen tem a força dos dragões dentro de si.
Com 10 episódios, A Casa do Dragão entregou uma primeira temporada irregular, ainda que os pontos positivos sejam maiores do que os negativos. A série acertou ao (re)apresentar Westeros para novos e antigos fãs, e criou uma teia complexa de intrigas, que só quem já testemunhou uma briga de família na vida real pode acreditar. Com dragões temperando essa receita, resta apenas acertar as linhas do tempo do roteiro para que os espectadores embarquem ainda mais nessa guerra civil medieval com ares de briga de herança.
Todos os episódios de A Casa do Dragão estão no HBO Max.