Quatro anos atrás, e-mails vazados da presidente da Sony Pictures, Amy Pascal, revelaram planos da empresa "rejuvenescer" o Homem-Aranha em uma comédia produzida por Phil Lord e Chris Miller. Na época, os fãs do herói receberam a notícia com certo temor. O Espetacular Homem-Aranha 2 tinha acabado de chegar aos cinemas e um filme protagonizado pelos vilões do Teioso estava agendado para os anos seguintes. As coisas não corriam bem e os amantes do herói estavam insatisfeitos com a forma que a Sony administrava os direitos do personagem.
Logo quando foram convidados para assumir o projeto, Lord e Miller só tinham duas certezas: queriam Miles Morales como protagonista e um estilo de animação que trouxesse o estilo visual dos quadrinhos para o cinema. Hoje em dia, animações de grandes estúdios custam milhões de dólares e é raríssimo ver projetos mais populares se arriscando em adotar um estilo gráfico que fuja do padrão: com personagens lustrosos e “acetinados” — o bem e velho visual de animação americano que ganhou força com os sucessos da Pixar.
Aranhaverso queria se desvencilhar de todas essas tradições e misturar a linguagem das HQs com animação clássica em 2D. Tudo isso usando um software que cria animações em CGI. Para chegar nesse resultado desejado, a Sony Softworks precisou mudar a forma como o estúdio tradicionalmente fazia animações: os animadores receberam instruções diferentes para trabalhar, mantendo estilos próprios em vez de tentar emular um estilo mais padronizado, e até os softwares tradicionais foram modificados para criar um visual inovador.
"Como o visual poderia ser diferente de qualquer outra animação que as pessoas já viram?", se questionou o roteirista e produtor Phil Lord em entrevista ao NerdBunker.
Anos depois de todas essas incertezas, Homem-Aranha no Aranhaverso chegou aos cinemas com um estilo gráfico espetacular e uma animação inovadora que pode ganhar o Oscar e revolucionar o mundo das animações.
As técnicas por trás de Aranhaverso
No livro Spiderman Into the Spiderverse - The Art of the Movie (sem lançamento no Brasil), que traça um quadro histórico e tem diversos profissionais descrevendo o processo de levar as HQs do papel para os cinemas, Phill Lord conta que a ideia era destacar o trabalho humano, mesmo diante de tanta tecnologia aplicada no longa:
Queríamos lembrar a todos os artistas envolvidos que cada quadro da animação era uma ilustração. Estamos tentando trazer visibilidade para a arte feita a mão no meio de tantos avanços tecnológicos que esse filme trouxe
A intenção era que a animação feita nos computadores tivesse pequenas falhas e imperfeições para imitar uma forma artesanal: “Computadores são ótimos para fazer o certo e o simétrico, mas o interessante da arte são as imperfeições que cada estilo e artista traz”, explica o supervisor de visuais Danny Demian.
Essas imperfeições se manifestam de várias formas no decorrer do filme. Às vezes, quando o personagem se move em alta velocidade, a animação fica com uma taxa de quadros mais baixa. Isso acontece para dar a impressão de que estamos vendo uma animação 2D com 12 quadros por segundo. Outras cenas têm cores pintadas fora da silhueta dos personagens — uma homenagem aos quadrinhos antigos, que eram impressos de forma barata, fazendo com que as cores saíssem desalinhadas em relação ao desenho.
Outro efeito típico de quadrinhos que está em Aranhaverso é o visual granulado criado graças aos Pontos Ben-Day — uma técnica antiga de colorir painéis com pontos de quatro cores sobrepostos (também era usada para economizar tinta na impressão). “Nós queríamos pausar cada quadro e ter uma ilustração pronta para pendurar na parede”, descreve Demian.

Durante os quatro anos de desenvolvimento, a equipe de mais de 150 artistas da Sony Softwoks criou muitos visuais para os personagens com diversas inspirações. A versão idealizada de Peter Parker, por exemplo, foi inspirada em Brad Pitt no filme Nada É Para Sempre; as artes conceituais do Homem-Aranha Noir foram todas feitas com lápis simples para que o visual dele fosse “sujo” — como se o personagem estivesse saltando das páginas de um jornal velho, de baixa qualidade.
Até a separação entre personagem e cenário foi feita de forma diferenciada em Aranhaverso. Vamos pegar WiFi Ralph, uma animação que saiu na mesma época do Aranhaverso, como exemplo. No filme da Disney, os personagens são destacados do cenário por conta de um embaçamento no cenário do fundo (blur).

Já no Aranhaverso, cenário e personagens são separados com o efeito de aberração cromática. Tecnicamente falando, o fenômeno acontece quando a lente de uma câmera não consegue igualar os comprimentos de onda das três cores principais (RGB). Visualmente, a aberração cromática deixa as imagens com as cores separadas em camadas distantes. E aí temos esse efeito que cria camadas borradas e separa os personagens dos cenários no filme.

Misturando animação tradicional, CGI e quadrinhos, Homem-Aranha no Aranhaverso criou um estilo híbrido que com certeza trará mudanças importantes na maneira que pensamos animações de grande orçamento. Alguns artistas que participaram do longa têm compartilhado algumas artes conceituais, originais e um conteúdo incrível para quem se interessou sobre os bastidores da produção. Confira a galeria abaixo:
Homem-Aranha no Aranhaverso é um grande feito artístico e saber mais sobre como foi feito mostra por que ele é tão diferente de outras animações. Com o sucesso de bilheteria e a promessa de várias sequências, é esperado que esse estilo gráfico inspire várias outras obras. Que venham mais filmes com a arte fora da caixinha como esse.