No final de fevereiro, o Vaticano sediou uma conferência para debater os dilemas éticos que surgem do crescimento cada vez mais rápido do desenvolvimento e uso de robôs e Inteligências Artificiais. Em uma carta aberta, o Papa Francisco expôs algumas de suas preocupações acerca do assunto.
Para o Pontífice, as novas tecnologias afetam não só a chamada "matéria viva", mas também interferem, de diversas maneiras, na forma com que as pessoas se relacionam entre si. Ele escreve:
Uma ulterior frente sobre a qual é necessário refletir é a das novas tecnologias hoje definidas “emergentes e convergentes”. Elas incluem as tecnologias da informação e da comunicação, as biotecnologias, as nanotecnologias, a robótica. Recorrendo aos resultados obtidos pela física, pela genética e pelas neurociências, assim como à capacidade de cálculo de máquinas cada vez mais potentes, hoje é possível intervir muito profundamente na matéria viva. Também o corpo humano é suscetível de tais intervenções que podem modificar não só as suas funções e prestações, mas até as suas modalidades de relação, no plano pessoal e social, expondo-o cada vez mais às lógicas de mercado. Portanto, antes de tudo é preciso compreender as transformações epocais que se anunciam nestas novas fronteiras, para identificar como as orientar ao serviço da pessoa humana, respeitando e promovendo a sua intrínseca dignidade. Uma tarefa muito exigente, dada a complexidade e a incerteza sobre os desenvolvimentos possíveis, que requer um discernimento ainda mais atento de quanto habitualmente se espera.
Um dos principais palestrantes do evento foi o japonês Hiroshi Ishiguro, da Universidade de Ozaka, que lançou uma hipótese ousada: para ele, em 10 mil anos, os humanos não serão mais reconhecidos como seres de carne e osso, dizendo que o objetivo daqui para frente é atingir a imortalidade através da substituição de tecidos orgânicos por materiais inorgânicos, como plástico e metal.
A fala de Ishiguro não foi bem recebida pelo Vaticano, como aponta a BBC Brasil. Vicenzo Paglia, arcebispo da Academia Pontifícia da Vida, considerou a ideia do engenheiro "um sonho terrível".
A carne é o corpo com alma, e a alma é o espírito com carne. O corpo é muito importante para nós. Através do corpo. amamos, abraçamos e nos comunicamos uns com os outros. De um lado, estamos cientes desse progresso formidável, mas de outro sentimos que esse avanço pode causar riscos ao mundo. O risco é esquecermos que somos criaturas, e não criadores.
Além da criação da suposta imortalidade, Ishiguro também propõe a criação de robôs indistinguíveis do ser humano. Ele apresenta o seguinte cenário: "Temos um problema sério: a população japonesa vai cair pela metade daqui a 50 anos, e não podemos contar com um novo 'baby boom' ou com mão de obra estrangeira, poderíamos usar robôs".
O engenheiro imagina um futuro no qual será possível escolher características humanas para as personalidades dos robôs, o que traz outras questões. "Quando o robô se tornar um parceiro, uma companhia ou um amigo para nós, vamos querer protegê-lo. Assim como damos algum tipo de direito aos animais, acho que vamos dar algum tipo de direito aos robôs", declarou.
Christiane Woopen, professora de Ética e Teoria da Medicina na Universidade de Colônia, na Alemanha, discorda da visão de Ishiguro sobre os possíveis direitos dos robôs. "Direitos pertencem a pessoas e dizem respeito a questões fundamentais, como dignidade humana e autonomia. Esses direitos se referem a pessoas, seres humanos, e à Carta fundamental dos direitos da União Europeia", diz.
Para aprofundar ainda mais o estudo e o debate de tais questões, o Vaticano fechou uma parceria com a Microsoft para entregar um prêmio à melhor tese de doutorado produzida me 2019 com o tema "Inteligência Artificial a serviço da vida". Em 2020, o evento da Academia Pontifícia da Vida será inteiramente centrado nas IAs.