Stay Out of the House | Review
Inspirado por Massacre da Serra Elétrica e Quadrilha de Sádicos, Puppet Combo entrega o seu melhor jogo até hoje
Puppet Combo não é um nome estranho para quem curte jogos indies de terror. Na verdade, o desenvolvedor norte-americano talvez seja a maior referência da área, com produções de baixo orçamento, pegada retrô e fortemente inspiradas por filmes B oitentistas.
Há anos, o estúdio aperfeiçoa suas habilidades com títulos completos, como The Nun Massacre ou The Glass Staircase, ou então com inúmeros experimentos contidos que são lançados regularmente para assinantes. Toda essa prática enfim o deixou mais próximo da perfeição com Stay Out of the House.
No jogo, um casal viaja pela estrada. O homem dirige e sua parceira dorme ao lado, até que ele decide parar em um banheiro público. Meio zonza de sono, a mulher vê o companheiro entrar no lugar… e nunca mais sair. Ao investigar, encontra os documentos do rapaz no chão de um matagal, que dá caminho à uma serralheria e igrejas abandonadas no meio do nada, sem nenhuma alma viva exceto por um cachorro bastante prestativo.
Na busca por pistas, ela se depara com um casarão enorme e macabro. O cão rosna, late e dispara para dentro da escuridão. Ela segue o animal, e rapidamente se vê nas mãos de um açougueiro canibal, e precisa fazer de tudo para escapar antes de se tornar comida dele e de sua família de maníacos.
Sobrevivência e imersão

Os jogos de Puppet Combo costumam ser moldados por clássicos do survival horror, como Resident Evil e Silent Hill, o que se traduz em ângulos fixos de câmera, controles de tanque e aquela dinâmica de explorar os cenários em busca de recursos e soluções para puzzles. Aqui, porém, o desenvolvedor expande um pouco seu repertório, e passa a olhar também para títulos de immersive sim.
Esse gênero, popularizado por Deus Ex, Thief, System Shock e muitos outros, consiste em enfatizar a liberdade do jogador no mundo virtual, permitindo que teste o limite das mecânicas em busca de resolver objetivos da forma que bem entender. São obras onde a exploração domina, seja do ambiente ou dos controles.
A abordagem se alinha perfeitamente com a ambientação de Stay Out of the House. Como um verdadeiro sobrevivente, é preciso juntar os escassos recursos espalhados pela casa, caminhar pelas sombras e tubulações, e planejar como despistar – ou até atacar – inimigos tão, ou mais, fortes que você. Isso se combina com a dinâmica de survival horror, em que os itens são preciosos, os combates devem ser evitados, cada acidente pode pesar bastante, e o resultado é algo viciante e aterrorizante em medidas iguais.
A tensão do game beira o sufocante. Assim como em Thief, o jogador precisa estar consciente da quantidade de luz e ruídos que emite. Assim, muito do seu tempo consistirá em vagar por corredores escuros, em busca de como solucionar enigmas para escapar da casa. O desafio fica maior ao ritmo que se avança, porque a família reage aos avanços do jogador.
Chame a atenção do carniceiro que ele passa a espalhar armadilhas pela casa, ou então inunda as tubulações com gás tóxico, tirando atalhos importantes para navegar pelo cenário. Ele pode não ter a mesma inteligência artificial sofisticada da freira de Nun Massacre, que até se escondia para tentar te assustar, mas é tão aterrorizante quanto, especialmente por conhecer caminhos alternativos pela casa. Em uma fuga, é comum você ser surpreendido pelo monstro, que tomou outro caminho para te pegar desprevenido.

A avó do monstro é igualmente perturbadora. Uma senhora de cadeira de rodas, com aparência putrefata, pode até parecer inofensiva de primeira – especialmente por sua visão não ser das melhores. Ela vaga por todos os andares da casa, e ao chegar perto do jogador, solta um poderoso grito de horror, que faz com que o carniceiro venha correndo com ataques violentos.
Assim, contatos próximos com os monstros são constantes, e rendem momentos de soar frio. É comum, por exemplo, estar explorando um quarto e ouvir o ranger da cadeira de rodas se aproximando. Rapidamente, é preciso apagar as luzes e se encolher em algum canto, torcendo para não ser avistado e nem ouvido.
A combinação de immersive sim com survival horror tem seus prós e contras. Por um lado, é o que dá personalidade ao game e o torna tão viciante e único. É muito satisfatório bolar um plano para despistar os monstros e vê-lo sendo executado com perfeição. Toda essa liberdade torna muito atraente a ideia de testar várias teorias e ideias absurdas, como tentar golpear a vovó com uma pedra ou enganar o carniceiro para cair na própria armadilha.
Por outro lado, as limitações de ser obra de um único desenvolvedor se tornam mais aparentes. A progressão de um survival horror, que pede por soluções específicas para enigmas, nem sempre casa com a jogabilidade mais livre de um immersive sim.
Em um momento dos nossos testes, por exemplo, um puzzle pedia por um determinado item para permitir acesso à outra seção do mapa. Exploramos toda a casa e testamos várias ideias absurdas que poderiam funcionar dentro lógica de jogos do gênero, mas que aqui não deram resultados. No fim das contas, o que estava travando o avanço era um bug que impedia o item de surgir, pedindo que o jogo fosse recomeçado do zero. A primeira regra de um bom immersive sim é que nunca há uma única solução para qualquer problema, mas Stay Out of the House não pratica isso.
Entre a carne e a fé

Ainda assim, a combinação de gêneros é louvável, e funciona bem na maioria das vezes. A excelente ambientação ajuda na construção de tensão de peso, e também no impulso de explorar cada canto. Não só os ambientes ficam progressivamente macabros, como salas tomadas por ossadas e cadáveres, como também há uma história maior correndo de fundo, que só pode ser entendida através de diários e outros relatos de texto.
Por mais que a família principal seja claramente um aceno para O Massacre da Serra Elétrica e Quadrilha de Sádicos, o universo em que esses maníacos atuam é marcado por um estranho culto que chegou à cidade de interior, conquistou legiões de fanáticos e até mesmo desbancou igrejas mais tradicionais do local.
Seus objetivos são elusivos, e há um efeito hipnótico em suas mensagens – algo perceptível no fato de que programas religiosos estão ligados em todas as TVs da casa, e que o jogador sente fortes dores de cabeça caso encare os monitores por muito tempo.
Além de textos sobre o estranho culto, é possível encontrar relatos de outras vítimas, recortes de jornais falando sobre os vários desaparecimentos e ataques do carniceiro, ou até mesmo o diário do maníaco em questão, que narra sua crescente sede por sangue e carne humana. É um universo tão intrigante que dá até vontade de se arriscar pela casa para entender mais.

Entre a ousadia e as limitações, Stay Out of the House é facilmente o melhor jogo de Puppet Combo até agora. O desenvolvedor solo passou anos lapidando o projeto, e todo esse carinho fica visível em uma obra criada para perturbar, arrepiar e intrigar.
Os fãs de horror estão muito bem servidos com a produção independente, e cada vez mais a cena passa a testar combinações inéditas para ir além da nostalgia. Pode ser que nem sempre tudo funcione perfeitamente, mas pelo menos a tensão está garantida.
Stay Out of the House está disponível para PC. A review foi feita com base em key enviada pelo próprio desenvolvedor.