Órfã 2: A Origem | Crítica
Se passando por um prelúdio desnecessário, filme se aproveita da tendência de expansões preguiçosas para criar um surto de entretenimento do mais alto nível
Nenhum filme precisa justificar sua própria existência, mas as pessoas dificilmente estavam fazendo filas na frente dos estúdios de Hollywood para pedir por um prelúdio de A Órfã, suspense que deu o que falar quando foi lançado em 2009.
Ainda assim, isso se tornou realidade e virou Órfã 2: A Origem, um projeto que parecia mirar apenas em tirar um troco rápido ao evocar algum tipo de nostalgia pelo terror cult da década retrasada. Felizmente essa imagem é intencional, e o filme surpreende o público ao se aproveitar dessa percepção e abraçar o absurdo.
Apesar de uma diferença de 13 anos, o novo longa é um prelúdio ao original, e serve para explorar os primeiros crimes da garota Esther – que, como foi estabelecido no primeiro longa, se chama Leena e é uma mulher da Estônia na casa dos 30 anos.
Novamente, a pequena maníaca é interpretada por Isabelle Fuhrman. Com apenas 25 anos, a atriz tem a aparência bastante jovem, e talvez engane como adolescente, mas definitivamente não convence como uma criança de 12 como no original – quando tinha a idade em questão e interpretava uma garota de nove anos. Esse é um dos fatores que mais contribui para a estranheza inicial que o longa causa.
O diretor William Brent Bell (Boneco do Mal) tomou a ousada decisão de recusar o uso de rejuvenescimento computadorizado, apelando para técnicas old school de maquiagem, uso de uma criança dublê e perspectiva forçada nos planos em que Esther aparece de frente. É admirável, ainda mais na era da dominação do CGI, mas altamente artificial e pouco convincente. O que é, na verdade, um bom indicativo de como o filme deve ser apreciado.
Os momentos iniciais, em que Leena foge do hospital psiquiátrico, servem bem para ajustar as expectativas: tudo é meio forçado de um jeito deliciosamente brega, sem qualquer pretensão de criar algo cadenciado ou cheio de metáforas. Por mais que o primeiro filme tenha sido entendido como um suspense cult, Órfã é uma franquia que brilha como filme B de altíssimo nível, e o novo longa enfim atende todo esse potencial.
Boa parte da construção inicial da trama é feita para iludir o espectador de que se trata de uma contextualização séria do passado de Esther. Muitos dos símbolos vistos no original, como seus braceletes, o Instituto Saarne ou o gosto por pintura e tintas neon, são explorados ao melhor estilo Han Solo de explicar o que ninguém perguntou. É até um pouco curioso ver como a trama parece tentar repetir a exata construção de suspense do original.
O ponto é que muito de Órfã 2 parece estrategicamente confeccionado para ser desprezado. A noção de um prelúdio desnecessário perdura por boa parte do filme, e gradualmente fica claro que isso é intencional. O espectador caminha orgulhosamente para uma armadilha – da mesma forma que Esther.
Uma reviravolta de peso eleva a insanidade do longa, que então se mostra muito mais inteligente do que aparentava. Aliás, basta assistir novamente para perceber que tudo que parecia fraco, como os diálogos altamente expositivos, na verdade trabalham em função do choque daquele ponto de virada. O talento da obra é fingir ser menos do que realmente é, e grande parte do público cairá facilmente nesse conto.
No meio disso tudo, o filme realmente expande o passado de Esther, e a consagra como uma das psicopatas mais marcantes do cinema. Sem pesar a mão na jornada de amadurecimento, fica claro que a técnica da pequena assassina é bastante precária de início, e que seu golpe só foi lapidado após quebrar a cara na mão de gente muito pior que ela. O triunfo do filme é destruir a arrogância da menina da mesma forma que quebra a do público, que achava saber como tudo iria se desenrolar.
Ainda que não convença mais como garota de aproximadamente 12 anos, Isabelle Fuhrman demonstra o mesmo carisma e sagacidade do original, com uma maníaca tão charmosa que se torna até difícil não torcer para que seu golpe dê certo – especialmente quando sua situação se torna cada vez mais tensa.
Sua presença vem acompanhada de um elenco bastante sólido, com destaque para a excelente Julia Stiles, que enfim ganha a oportunidade de entregar uma performance que vai muito além da mãe empática e sofredora. Muito pelo contrário, sua personagem é praticamente a oposta da mãe vivida por Vera Farmiga no filme de 2009, e consegue ficar a altura da órfã quando se trata de segredos obscuros e comportamentos questionáveis.
Por mais que seja um prelúdio que ninguém pediu, é um alívio que Órfã 2: A Origem exista. É um pouco surpreendente como um projeto repleto de limitações consegue entregar algo tão satisfatório, original e surtado.
As surpresas, a tensão, os acenos à obras como Halloween e Psicose, e o retorno de Isabelle Fuhrman ao papel de Esther criam uma das mais gratas surpresas do ano – capaz até de deixar o mais cético cinéfilo, cansado das pataquadas mercenárias de Hollywood, secretamente desejando que essa saga vire trilogia, de alguma forma.
Órfã 2: A Origem já está em cartaz nos cinemas.