Agente Oculto | Crítica
Filme dos irmãos Russo traz Ryan Gosling e Chris Evans em trama de ação genérica e decepcionante
Há um contraste curioso na carreira dos irmãos Anthony e Joe Russo até Agente Oculto. Conhecidos, até nem tanto tempo, como diretores de comédias como Community e Dois é Bom, Três é Demais (2006), os dois foram uns dos poucos a quebrarem o estigma de que a Marvel não oferece liberdade criativa aos cineastas. A dupla transformou Capitão América: O Soldado Invernal (2014) e Vingadores: Guerra Infinita (2018) em produções que, mesmo dentro de uma fórmula, ainda tinham o toque autoral e ditavam novos caminhos para o MCU. Mas a lição parece ter se perdido, já que é justamente a falta de personalidade que derruba o novo filme dos realizadores, lançado pela Netflix.
Anunciada como produção mais cara do serviço de streaming, Agente Oculto poderia ter sido feito por um gerador de cenas automatizado. A trama coloca os personagens de Ryan Gosling e Chris Evans em um jogo de gato e rato ao redor do mundo. O primeiro como um espião em fuga após descobrir informações comprometedoras sobre a CIA. O outro como um ex-agente implacável e inescrupuloso, enviado pela agência para dar cabo do então traidor. Custe o que custar. E o custo é, infelizmente, a paciência do espectador.
A trama passeia por diversas localidades, desde a Alemanha, Croácia, Bangkok, Áustria… Muitas, inclusive, com cenas de ação em locações reais. Mas o que poderia trazer agilidade e sequências impressionantes de confronto, acaba indo para a tela como uma exibição vazia da grana alta investida pelo streaming.
Não há uma sequência de ação memorável em Agente Oculto. Seja em criatividade narrativa ou técnica. Os cineastas parecem estar tão no piloto automático, que até a cena mais anunciada em praticamente todos os materiais promocionais do longa torna-se enfadonha. Parte disso vem também da falta de importância que conseguimos sentir nos astros.
Gosling tenta imprimir algum carisma a Court Gentry, chamado pelo codinome Seis ao longo da trama. Se a alcunha já indica que o homem é tratado sem nenhum senso de individualidade e parte de uma massa de manobra contínua, não espere que o roteiro saia muito disso. Seis é mais um na fila de matadores maneirões do cinema como John Wick, Jason Bourne, Bryan Mills… Só que nem os traumas do personagem, que poderiam até trazer alguma identificação, convence.
Do outro lado, Chris Evans, pelo menos, se diverte como o psicopata Lloyd Hansen. Descrito como a mais eficaz máquina de combate por não seguir qualquer regra ou limite moral, o personagem flexiona os músculos do ator com uma atuação razoavelmente cativante.
É até curioso ver como Evans tem se destacado em papéis malvados após uma década como o Capitão América. O momento “chega de ser bom moço” rende boas piadas no filme. Alguém desavisado poderia até pensar que a atuação canastrona é proposital, se Agente Oculto não se levasse tão a sério durante as duas horas de duração.
O resto do elenco, repleto de estrelas como Ana de Armas, Billy Bob Thornton, Regé-Jean Page, Jessica Henwick e até o brasileiro Wagner Moura, também é desperdiçado como caricaturas na corrida entre Seis e Lloyd.
Temos o chefe de operações Carmichael (Page, de Bridgerton), por exemplo, a quem supostamente devemos temer. Mas o personagem limita-se a proferir ameaças com a cara de poucos amigos. Não melhora quando pensamos no resto dos nomes, da companheira boa de briga ao ex-agente ranzinza, mas de bom coração.
O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely, também de Vingadores: Ultimato, é simplório, e acaba até piorando se você parar direito para pensar no que está em jogo. É doloroso ver as mesmas mãos por trás do retrato de Thanos em Guerra Infinita, talvez um dos vilões mais interessantes e complexos dos blockbusters da última década, traçando situações e personagens tão esquecíveis.
Agente Oculto deve, certamente, render boas visualizações para a Netflix. Parece uma tendência não assumida do streaming apostar na fórmula do filme de ação divertidinho com elenco estelar (lembrem de Alerta Vermelho, que não nos deixa mentir). Mas se o streaming busca tanto construir uma franquia longeva, precisará suar a camisa um pouquinho mais.