Coluna
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A evolução de Missão: Impossível até se tornar uma titã do cinema de ação
Embarque comigo em uma maratona pela franquia encontrou a própria assinatura entre altos e baixos (não tão baixos assim)
Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um chegou aos cinemas mais de 25 anos após a inauguração da franquia. De lá para cá, a saga atingiu um alto nível de prestígio, ao ponto de angariar e fidelizar público a cada lançamento. Um feito e tanto, considerando que, em Hollywood, normalmente o que ocorre é o contrário, com franquias que perdem força a cada lançamento. Algumas obras, inclusive, agonizam com um final sofrível que pouco tem a ver com o que tornou o primeiro especial – aposto que você consegue pensar em alguns exemplos sem muita dificuldade.
Essa marca é reflexo de um curioso processo de evolução de uma saga que fugiu de fórmulas prontas. Pelo contrário, M:I cresceu aos olhos dos fãs justamente por utilizar erros, e principalmente acertos, ao próprio favor. Mas isso tudo começa no (agora) longínquo ano de 1996, quando Tom Cruise decidiu estrear a própria produtora com a adaptação de uma clássica série de TV dos anos 1960.
Nesse ponto, gostaria de pedir licença ao leitor para abrir um parênteses para compartilhar uma tradição pessoal. Com o lançamento de novos filmes de grandes franquias, aproveito para rever (ou até mesmo assistir pela primeira vez) os anteriores. Com a desculpa de “me preparar para o trabalho”, entro de cabeça maratonas que, com sorte, vão além de simplesmente refrescar a memória. Trago essa curiosidade (inútil) para um breve comentário sobre como foi estranho rever Missão: Impossível (1996), um título que, para ser sincero, dificilmente precisaria de uma revisita.
Por fazer parte de uma geração fortemente alimentada pela TV aberta, revi a estreia de Tom Cruise como Ethan Hunt mais vezes do que saberia dizer. Porém, reassistir ao primeiro M:I após tantos anos foi um experimento interessante para quem acompanhou o desenvolvimento da franquia por ser um paradoxo: apesar de ser muito diferente do que veio a seguir, aquele primeiro longa traçou as diretrizes para o que M:I viria a se tornar.
Tornando a missão… possível
Em 1996, Tom Cruise já era um grande nome em Hollywood, graças a sucessos como Top Gun (1986) e Entrevista com o Vampiro (1994). Unido a sua agente, Paula Wagner, ele fundou a produtora Cruise/Wagner Productions, que estreou com Missão: Impossível, filme que adapta a série de TV de mesmo nome.
Honestamente, não sou capaz de opinar sobre as “missões impossíveis” da televisão por não ter assistido ao seriado, mas você pode saber tudo sobre ele clicando aqui. Porém, é importante citar que o próprio Cruise não estava muito interessado em uma adaptação direta das aventuras das telinhas.
Ao contrário, a equipe se apropriou de elementos-chave da produção anterior para criar a própria identidade, e daí surgiu um dos grandes blockbusters dos anos 1990. Muito além das máscaras, bordões, fitas autodestrutivas e até o vilão, herdados do seriado, o longa seguiu um caminho próprio, graças a seu realizador.
A direção do primeiro M:I ficou por conta de Brian De Palma, responsável por verdadeiros clássicos como Carrie, A Estranha (1987) Scarface (1983) e Os Intocáveis (1987). Essa trinca – selecionada em meio a grandes títulos – ajuda a ilustrar o talento do cineasta para criar suspense, algo utilizado fortemente na estreia de Ethan Hunt, que é conduzida com uma forte carga de tensão e sobriedade, que torna as sequências de ação e as reviravoltas tão memoráveis.

Claro que cenas como a que Ethan se pendura para invadir a CIA ou a luta contra um helicóptero no topo do trem não são exatamente “sóbrias”. Essas imagens fortes falam por si, mas são os picos de adrenalina de uma jornada que bebe muito dos suspenses policiais. Devoto de Alfred Hitchcock (Psicose; Disque M para Matar), um dos mestres desse gênero, Brian De Palma ficou satisfeito e irritado com o sucesso dessa combinação.
Em entrevista à AP, o cineasta revelou que recusou o convite de Tom Cruise para comandar Missão: Impossível 2. Segundo ele, Hollywood só faz tantas continuações por dinheiro e que, para o seu gosto, “um desses é o suficiente”. Apesar de pessimista, o raciocínio não é de todo errado, já que um filme que chegou à terceira maior bilheteria do ano – ao arrecadar cinco vezes o próprio orçamento – dificilmente seria esquecido em uma gaveta.
O que De Palma não sabia é que, ao deixar a franquia, ele criou uma tradição dentro dela. O que nos leva à segunda era de Missão: Impossível.
Missão: Impossível – As Sequências (Parte Um: A Queda)
Hoje é comum ouvir dos próprios fãs que Missão: Impossível 2 (2000) é o pior filme da franquia e que Missão: Impossível 3 (2006) é tão esquecível que só serviu para arrumar a bagunça deixada pelos anteriores. Particularmente, sempre achei essas afirmações reducionistas, e aos meus olhos, esse engano ficou ainda mais claro durante a maratona recente, já que até mesmo os ditos pontos baixos serviram a M:I.
Com a saída de Brian De Palma, o segundo Missão: Impossível foi conduzido por John Woo, cineasta de Hong Kong que despontou em Hollywood nos anos 1990 graças a filmes como o excelente A Outra Face (1997). Mesmo se tratando de uma sequência, a produção manteve a orientação de seu antecessor e foi produzida, em primeiro lugar, de acordo com a visão de seu diretor, o que significou uma ruptura quase completa entre estilos.
O suspense sério, cheio de reviravoltas, deu lugar a uma trama em que a história gira completamente em torno da ação, e não o contrário. Com isso, surgem tanto os defeitos – como um romance indigesto e um vilão absolutamente genérico –, quanto sequências memoráveis, capazes de encantar justamente por seus exageros e absurdos.
Goste ou não, é fato que esse é o Missão: Impossível mais “produto de seu tempo” já feito. O crítico Roger Ebert abriu sua resenha do filme dizendo que “se James Bond ainda estiver por aí no fim do século 21, ele vai se parecer muito com Ethan Hunt (…), o 007 do nosso tempo”. Uma comparação que diz muito não apenas sobre o personagem em si, mas também sobre a forma como essa história foi contada, com toda a estética e afetações que tomavam conta do cinema de ação em Hollywood.
Talvez essa boa vontade para com os defeitos do longa sejam fruto da memória afetiva de quem assistiu ao filme várias vezes enquanto crescia. Mas revê-lo na última maratona ajudou a colocar em perspectiva, afinal, este foi ainda mais ousado ao abraçar o exagero e deixou claro que Tom Cruise estava mais do que apto a ir além em suas acrobacias malucas, para deleite do público. Algo que parece ter sido comprovado pela repercussão de M:I 2, que se tornou a maior bilheteria de 2000.

Com o sucesso, mais uma continuação. E com mais uma sequência, um novo diretor. O novo escolhido foi J.J. Abrams, então uma jovem promessa vinda do sucesso absoluto das primeiras temporadas de Lost e da série de espionagem Alias. O tom mudou novamente e a jornada de Ethan Hunt se tornou ligeiramente mais realista e muito mais séria.
Leia “realista” com muita calma, levando em comparação o tom absurdo de M:I 2. O terceiro mantém a mesma fórmula dos anteriores e leva Ethan Hunt ao redor do mundo para caçar um terrível vilão que quer dominar uma arma de grande poder destrutivo. Porém, a abordagem é menos espalhafatosa e mais sombria, buscando prender o público pela angústia e paranoia. Um sentimento comum aos filmes de ação de Hollywood pós-11 de setembro – é por isso que este longa tem tanto em comum com Batman: Cavaleiro das Trevas (2008), por exemplo.
Chega a ser curioso que, se a ação pela ação do segundo filme não convenceu, a abordagem trágica do terceiro também não emplacou. Ainda assim, M:I 3 acertou ao reforçar a importância do elenco de apoio, que divide o peso de segurar o filme com Ethan Hunt, especialmente ao trazer Luther (Ving Rhames) de volta e apresentar Benji (Simon Pegg), dois personagens que nunca mais deixaram a saga.

Mesmo sem dominar as bilheterias, como os lançamentos anteriores, o terceiro filme teve uma arrecadação boa o suficiente para que a franquia ganhasse um quarto capítulo. E é aqui que as coisas mudam.
Missão: Impossível – As Sequências (Parte Dois: O Auge)
Seguindo a tradição, Missão: Impossível – Protocolo Fantasma (2011) trocou de diretor. O escolhido foi Brad Bird, que nunca tinha dirigido um filme live-action, mas contava com o prestígio de comandar grandes animações, como O Gigante de Ferro (1999) e os Oscarizados Os Incríveis (2004) e Ratatouille (2007). Sua estreia por essas bandas não poderia ter sido melhor.
A abordagem foi reunir tudo o que deu certo nos anteriores e explorar um ingrediente que nunca teve a devida atenção: o humor. Aproveitando a deixa do roteiro, o cineasta criou um dos filmes mais bem-humorados da franquia, com direito à exploração de uma fisicalidade cômica que se entranha na ação – uma combinação usada com sabedoria na franquia John Wick nos anos seguintes.
E, calma, a tese aqui não é a de que o quarto Missão: Impossível mudou tudo por ser uma comédia. O filme passa longe de ser um besteirol estrelado por Tom Cruise. Porém, encontrar o tom (com o perdão do trocadilho) certo se tornou a cola perfeita para unir a mistura de gêneros da franquia, que apesar de suas qualidades, nunca havia se saído exatamente bem em equilibrar adrenalina, suspense e até romance sem pesar a mão em algum dos aspectos em especial.
E equilíbrio é a palavra-chave, já que Protocolo Fantasma colocou para jogo praticamente todas as forças que a franquia levou até ali. Enquanto os filmes anteriores focaram demais em algum aspecto e deixaram a desejar em outros, o quarto refinou os acertos de cada um deles para criar uma narrativa carismática, grandiosa e surpreendente.

Se Ethan Hunt era o James Bond do século XXI, como Roger Ebert sugeriu, foi aqui que ele finalmente encontrou sua voz. Ao invés de se encaixar no que era moda no cinema de ação de Hollywood, desta vez foi ele quem ajudou a ditar os rumos.
A maior prova desse acerto está no fato de que, pela primeira vez, a troca de diretor não promoveu uma ruptura no estilo. Muito pelo contrário, ao assumir as rédeas de Missão: Impossível – Nação Secreta, Christopher McQuarrie seguiu o mesmo caminho do antecessor e focou seus esforços em explorar aspectos que não couberam nele.
O primeiro deles foi a adição de um vilão marcante, figura que só tinha ganhado a devida importância em Missão: Impossível e Missão: Impossível 3 – com Jon Voight e Philip Seymour Hoffman, respectivamente. Um encargo que ficou com Solomon Lane (Sean Harris), líder do misterioso grupo terrorista Sindicato.
O segundo foi a chegada de Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), uma espiã misteriosa que fez muito mais do que trazer o romance de volta à saga. A caracterização e as complexidades da personagem a colocam em pé de igualdade com Ethan Hunt, em um ponto em que a tensão sexual entre os dois se torna só a cereja do bolo de uma relação empolgante por si só.

Cito esses dois exemplos, especificamente, porque são personagens que trouxeram frescor e possibilitaram a Nação Secreta seguir o molde deixado pelo anterior sem parecer uma repetição do que veio antes. Algo que deu tão certo, que deu a Christopher McQuarrie – e a Ilsa Faust e Solomon Lane – a oportunidade de retornar para Missão: Impossível – Efeito Fallout.
Pela primeira vez na história da franquia, o sexto filme não teve a troca de diretor. Uma escolha que se provou certeira quando McQuarrie fez o que parecia impossível – sem trocadilhos – e tornou a franquia ainda melhor. Ao dar continuidade à trama do anterior, Efeito Fallout se torna menos episódico e ainda assim, acessível.
É um feito e tanto que justamente o sexto filme de uma franquia marque seu auge, especialmente no gênero de ação. Mesmo lançado em um ano dominado por super-heróis (Vingadores: Guerra Infinita, Deadpool 2, Pantera Negra, Aquaman), Efeito Fallout entregou um espetáculo único, provando que Missão: Impossível não devia nada ao gênero da moda.

Uma vitória dos realizadores, é claro, mas compartilhada com todos os filmes anteriores, que ganharam homenagens no sexto em pequenos easter eggs que afagam o fã. Nesta posição, posso dizer que Efeito Fallout fecha a maratona com chave de ouro, especialmente porque essa revisita começou com uma nostalgia que me levou de volta à infância e terminou no presente, com um filmão capaz de impressionar meu eu adulto hoje.
Com isso, fica fácil entender de onde veio a empolgação com Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um, que repetiu a equipe pelo terceiro filme seguido em uma produção que não desaponta. Concordo com Arthur Eloi, que disse na crítica do NerdBunker que “são quase três horas de intensidade pura, que deixam ansioso pela Parte Dois e lamentando o fim de uma das melhores sagas do cinema”. Agora resta esperar ansiosamente pelo próximo – e para a nova maratona que o precederá.